O antigo juiz presidente do Tribunal Constitucional (TC) angolano considerou hoje que o sistema de governo adotado em Angola, especificamente o modelo de eleição do Presidente da República, constitui um dos “campos problemáticos” da Constituição de 2010.
Para Rui Ferreira, o quadro alargado de poderes e competências do Presidente da República, à luz da Constituição da República de Angola (CRA), aprovada em 2010 e revista em 2021, consta também no que chama de “campos problemáticos” da lei suprema angolana.
Segundo o juiz angolano jubilado, os mecanismos de equilíbrio de poderes e o âmbito da competência da Assembleia Nacional (parlamento) para efetivar a fiscalização parlamentar da atividade do executivo fazem parte também da “problemática” da CRA.
“A evolução do constitucionalismo angolano” foi tema de uma exposição feita hoje por Rui Ferreira durante uma conferência magna sobre a “Supremacia da Constituição e a Justiça Constitucional”, alusiva ao 12.º aniversário da CRA, aprovada a 05 de fevereiro de 2010.
A intervenção de Rui Ferreira centrou-se numa incursão histórica, desde a Lei Constitucional de 1991, o Projeto de Constituição de 2004, à aprovação da CRA em 2010 e a revisão do texto constitucional em 2021, por solicitação do Presidente angolano.
O também ex-juiz presidente do Tribunal Supremo angolano, que renunciou ao cargo em 2019, apontou também o “leque de eficácia de instrumentos de garantia e proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, sobretudo em caso de ameaça ou violação desses direitos”, como “questões problemáticas” da CRA.
Constam igualmente dos “campos problemáticos” da CRA de 2010, “os mecanismos de concretização e garantia da separação entre o poder judicial e os órgãos do poder político, e da independência e isenção dos tribunais e dos juízes no exercício das suas funções”.
Apontou a “constitucionalização de alguns mecanismos que alargam o leque constitucional de instrumentos de fiscalização parlamentar da governação, a universalidade do voto com a extensão para o exterior do país e a independência do banco central angolano” como “evolução constitucional” da revisão de 2021.
Memória, Atualidade e o Futuro da Carta Magna de Angola constitui o tema da conferência que junta, na capital angolana, especialistas do Direito e demais convidados.
Rui Ferreira disse igualmente que Angola viveu em 1991 uma “rutura constitucional operada com a revisão constitucional de 1991 pôs fim ao período revolucionário do pós-independência”, introduzindo o país “no caminho do constitucionalismo moderno apostado na edificação do Estado democrático de direito, no reconhecimento e proteção dos direitos humanos fundamentais”.
O antigo presidente do TC angolano considerou igualmente que a revisão constitucional de 1992, a CRA de 2010 e a revisão constitucional de 2021 “configuram exercícios/situações de evolução do constitucionalismo angolano”.
“É um facto inquestionável que Angola tem hoje uma Constituição moderna, alinhada com os padrões universais do constitucionalismo democrático e capaz de conduzir o país para cumprir o programa da Constituição. Esse programa é a edificação e consolidação de um verdadeiro Estado democrático de direito”, rematou o juiz jubilado.
A juíza presidente do TC, Laurinda Cardoso, afirmou, na abertura da conferência, que o constitucionalismo angolano “passou por várias metamorfoses que marcaram a nossa história, tendo o grande salto evolutivo se verificado em fevereiro de 2010”.
“A Constituição de qualquer Estado não é, apenas, um instrumento que define o estatuto jurídico do poder político. É, antes de mais, um projeto de sociedade que define as aspirações políticas, sociais, económicas e culturais do seu povo”, argumentou a juíza.