Organizações cívicas e membros da sociedade civil angolana manifestam “profunda preocupação” pela “obscura contratação” da Indra, empresa espanhola que vai gerir o sistema tecnológico das eleições de agosto próximo, considerando que esta “vai minar novamente o sistema democrático”.
O posicionamento vem expresso numa carta assinada por nove organizações cívicas angolanas, nomeadamente a Friends of Angola (FoA), Observatório de Imprensa, SOS Habitat, Associação Construindo Comunidades (ACC), Organização Humanitária Internacional, Observatório para Coesão Social e Justiça, Jango Cultural, Handeka e a MC-MUDEI e membros da sociedade civil angolana.
Os signatários manifestam “profunda preocupação pela obscura contratação da Indra pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE) angolana para fornecer serviços de logística eleitoral para as eleições gerais de 2022″.
Segundo os subscritores, “o processo de contratação da Indra não foi transparente e não seguiu os requisitos contratuais básicos de sã concorrência. A CNE não agiu com independência e nem transparência”.
As organizações não-governamentais acrescentam que a CNE anunciou um “concurso público cosmético, recebeu duas propostas (SmartMatic e Indra), desqualificou a SmartMatic por razões obscuras e adjudicou o contrato com base na única proposta que aceitou considerar”.
“Tudo isso em violação da lei angolana que rege o processo de negociação, cujo artigo 125.º determina que, sempre que possível, o número de candidatos selecionados não deve ser inferior a cinco”, lê-se no documento.
A Indra tem sido contestada pelos partidos políticos na oposição angolana e pela sociedade civil angolana por alegadamente “viciar os resultados” das eleições em Angola, realizadas em 2008, 2012 e 2017.
As nove organizações cívicas referem que a empresa espanhola “tem sido parceira preferida” do Governo angolano para a organização das últimas três eleições realizadas no país, “sempre contestadas e provadas como fraudulentas”.
“Os tribunais angolanos estão submissos ao poder executivo e não decidem apenas nos termos da Constituição da República de Angola e da lei”, afirmam.
As próximas eleições gerais em Angola estão previstas para a segunda quinzena de agosto deste ano, como estabelece a Constituição, e a Indra foi a empresa escolhida pela CNE, através de concurso público, para fornecer a solução tecnológica que engloba a contagem provisória e a contagem final de todos os votos registados nas eleições gerais.
As referidas organizações entendem que, “mais uma vez”, o Governo angolano contratou a Indra para “tentar subverter a livre escolha do povo angolano e minar novamente o nosso sistema democrático durante as próximas eleições previstas para agosto”.
A carta, com o título “Eleições: Contratação obscura da Indra Sistemas S.A e o futuro da democracia em Angola”, foi remetida à presidência do Conselho da União Europeia, ao Departamento de Estado dos Estados Unidos da América (EUA), ao Congresso dos EUA, ao primeiro-ministro de Espanha e à presidência da União Africana com o conhecimento de vários organismos e entidades internacionais.
“Exortamos fortemente os EUA, a União Europeia, a União Africana, as organizações não-governamentais e todos os povos e governos do mundo a apoiar os esforços do povo angolano em prol da organização de eleições democráticas, livres, justas, auditáveis e transparentes”, pedem.
A Indra garantiu, em comunicado enviado na segunda-feira à Lusa, que o processo eleitoral em Angola será conduzido “de forma profissional e transparente”.
O porta-voz da CNE, Lucas Quilundo, disse aos jornalistas, na semana passada, que o afastamento da outra empresa concorrente, SmartMatic, se deveu ao incumprimento das regras do concurso e descartou que a escolha da Indra comprometa a lisura do processo eleitoral, apesar de a oposição angolana contestar a opção por alegações de fraude.