A Cedesa, entidade que analisa assuntos de Angola, defendeu hoje que o Governo angolano deve criar uma reserva especial com as mais-valias da subida do preço do petróleo para garantir o abastecimento de cereais à população e investimento agropecuário.
De acordo com uma análise da Cedesa, a que a Lusa teve acesso, o executivo, liderado pelo Presidente João Lourenço, “deveria criar uma reserva especial, proveniente das mais-valias do petróleo, para garantir o abastecimento de cereais à população mais carenciada e também para promover o investimento agropecuário em Angola”.
De acordo com os analistas, “a guerra na Ucrânia tem variados impactos na economia angolana”, sendo o aspeto positivo a subida do preço do petróleo.
A análise da Cedesa recorda que o orçamento do país para 2022 calculou o preço do barril a 59 dólares, pelo que há “uma mais-valia, desde o início do ano, correspondente a mais 50%, no mínimo”, tendo em conta a subida do barril de crude nos mercados internacionais.
Assim, se quando votado “o orçamento [angolano] estava equilibrado”, agora “haverá um excedente financeiro” e “mais dinheiro disponível por parte do Estado”, realça.
Mas os analistas sublinham que os ganhos do preço do petróleo “não se transformam diretamente em saldo orçamental positivo” e alertam que há “vários constrangimentos”.
O primeiro deles, tem a ver com a relação de Angola com a China, “principal comprador do petróleo angolano”, não se sabendo de que forma estão feitos os contratos “e se estes refletem automaticamente as oscilações de preço”, indica.
O segundo tem a ver com o serviço da dívida. “Aparentemente, existem mecanismos contratuais que implicam que um preço mais elevado do petróleo implica um aumento do serviço da dívida, isto é, dos pagamentos a efetuar”, diz a Cedesa.
De acordo com os analistas, a ministra das Finanças angolana, Vera Daves, já reconheceu que “o que resulta do aumento do preço não pode ser feita uma conta aritmética com a produção” e que o preço do barril de petróleo acima dos cem dólares, obriga Angola a pagar mais aos seus credores internacionais.
Além disto “a subida do preço do petróleo tem também um possível efeito negativo no Orçamento angolano, referente ao preço dos combustíveis vendidos ao público” porque “se o custo do petróleo aumenta e o governo não aumentar os combustíveis, quer dizer que vai ter de suportar mais subsídios e gastar mais para manter os preços dos combustíveis”, sublinha o grupo de académicos.
Mesmo assim, a Cedesa conclui que “um aumento de 50% do preço do petróleo em relação ao que está previsto no Orçamento deixa uma folga de tesouraria ainda acentuada”, depois do aumento do pagamento do serviço da dívida e do suporte à subida do preço dos combustíveis, sendo indubitável que uma “almofada financeira será criada”.
O segundo efeito da guerra, “que também já se sente, é o chamado ‘feel good factor’ (ou índice de confiança). Os empresários e as famílias refazem as suas expectativas num sentido mais positivo, esperando melhores sinais da economia” angolana para os próximos tempos, acrescenta.
Quanto aos efeitos negativos do conflito Rússia-Ucrânia, na economia de Angola, a Cedesa destaca a subida do preço dos cereais, em especial do trigo, que “pode criar graves pressões inflacionistas e descontentamento entre a população, situação para a qual o Governo deve estar atento”.
Ao mesmo tempo, consideram, esta pressão inflacionista irá “chamar a atenção para o potencial enorme de investimento que Angola tem como país agropecuário”.
A Ucrânia e Rússia juntas respondem por um quarto de todas as exportações mundiais de trigo e o conflito está “a elevar dramaticamente os preços do trigo”, o trigo ficou 50% mais caro do que no início de 2022, lembram os analistas.
De acordo com fontes governamentais citadas pela Cedesa, Angola é autossuficiente em seis produtos agrícolas base: mandioca, batata-doce, banana, o ananás, os ovos e a carne de cabrito.
No entanto, “o trigo é a mercadoria mais importada, representando 11,7%”, refere.