“O mundo subestimou a força das forças armadas ucranianas”, diz, após três semanas de guerra, o ex-Presidente da Ucrânia Petro Poroshenko, que descreve Putin como “um maníaco”, cujos crimes de guerra são piores que os cometidos Alepo, Grozni ou Guernica.
“É impossível imaginar o desastre que isto é, a não ser que se esteja aqui”, afirma o antigo chefe de Estado, entre 2014 e 2019, em entrevista à Lusa e à RTP em Kiev.
Segundo Poroshenko, “os ucranianos surpreenderam o mundo ao travar [o Presidente russo, Vladimir] Putin” e “o mundo subestimou a força das forças armadas ucranianas”.
Ao fim de 22 dias de invasão, as forças de Moscovo falharam a conquista do seu principal objetivo, a capital ucraniana: “Agora somos um dos exércitos mais fortes em espírito do mundo”, prossegue, alertando, no entanto, para os pesados custos que militares e civis estão a pagar, num “desastre que é esta forma de guerra” encetada por Putin.
“Só esta noite [quarta-feira], 12 mísseis de cruzeiro atacaram Kiev, uma das explosões foi a 800 metros daqui. Os tanques russos estão a 12 quilómetros e temos notícias de um batalhão que perdeu quatro soldados a proteger a Ucrânia”, apontou na entrevista, realizada num pátio da sede do seu partido, Solidariedade Europeia, no coração da capital.
Ao mesmo tempo, sente-se “orgulho da forma como o forte exército ucraniano travou as organizações e assassinos de Putin”, em cidades ucranianas como Mariupol, Kharkhiv e Chernihiv”, ou localidades muito próximas de Kiev, como Irpin ou Bucha, atualmente “símbolos dos crimes” do líder russo.
“Eles ‘apagaram’ todas estas cidades. Fazem pior do que em Alepo, fazem pior do que Grozni, na primeira campanha da Rússia na Chechénia, fazem pior do que o ataque fascista em Guernica”, descreve.
Neste cenário, “a Ucrânia paga um preço enorme em milhares de vidas perdidas”: “Em cada segundo uma criança da Ucrânia abandona a sua casa, mais de cem crianças foram mortas, mais de mil civis foram mortos. E, dos relatos que temos de Mariupol e de Bucha, os números são na ordem das centenas”.
Eleito em maio de 2014 após os protestos EuroMaidan, em Kiev, e a Revolução da Dignidade, a que seguiu a escalada de violência na região de Donbass, o apoio de Moscovo aos movimentos separatistas no leste do país e anexação da Crimeia, Poroshenko acabou por perder a recondução no cargo para o atual Presidente, o antigo comediante Volodymyr Zelensky.
É com ele e com a restante oposição e ainda Estados-membros da NATO que o atual deputado e líder do Solidariedade Europeia, que nas últimas eleições ficou como quarta força no parlamento, discute um plano de cinco pontos, assente no reforço do apoio militar do Ocidente e no isolamento de Moscovo.
“Com a implementação dos cinco pontos deste plano, a guerra seria curta”, preconiza, mas recusar mais ajuda e armas significa apoiar “o regime déspota e criminoso de Putin”, defende, insistindo num dos elementos essenciais da sua mensagem aos parceiros de Kiev: “Se [Putin] não for travado na Ucrânia, amanhã estará na Europa de leste, na Europa central e até no ocidente”.
O político ucraniano não acredita que uma das chaves para a resolução do conflito resida nas negociações com Putin, “um homem que nunca cumpre com a sua palavra” e que tem “o comportamento de um maníaco”, alguém “não adequado, louco, mas com um botão nuclear nas mãos”.
Do mesmo modo, duvida que uma das chaves para o conflito possa residir em Moscovo e no desgaste de Putin no interior do Kremlin, junto das forças armadas e dos seus círculos próximos.
“Na Rússia não há círculos próximos, é um regime autoritário e na Rússia só há Putin”, observa.
Por outro lado, Poroshenko diz não ter interesse em saber se o Presidente da Rússia tem mais ou menos apoio dentro de “casa” e manifesta o seu desapontamento, “do fundo do coração”, com o povo russo: “Alguns deles estão a apoiar a morte de ucranianos, e isso torna-os também criminosos”.
Em sentido contrário, dirige palavras elogiosas a Portugal, onde esteve duas vezes como Presidente, e saúda o primeiro-ministro, António Costa, e a sua recente vitória nas legislativas.
“É um grande amigo meu e da Ucrânia (…) Em muitos aspetos e iniciativas tem apoiado e protegido a Ucrânia contra Putin em oito anos de guerra. É uma posição de um real amigo que agradecemos muito”, declara, enaltecendo ainda a “comunicação fantástica” com a diáspora ucraniana em Portugal e o esforço que tem desenvolvido de enviar assistência humanitária para militares e refugiados.
Antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e do Comércio, Petro Poroshenko, nascido em Odessa há 56 anos, foi o quinto Presidente ucraniano e é atualmente deputado na oposição.
É também um dos homens mais ricos do país, tendo iniciado o seu “império” com a compra e venda de grãos de cacau, que acabariam por dar origem ao grupo Roshen, usando as letras do meio do seu nome, e que lhe valeu a alcunha de “rei dos chocolates”.
Tem ainda negócios na indústria, agricultura e imobiliário, e ainda num canal de televisão, que apoiou a revolução de Maidan, mas que entretanto vendeu.
À frente do Solidariedade Europeia, cujo nome e símbolo não deixam dúvidas sobre o seu programa de integração euro-atlântica, é na sede do partido, em Kiev, junto de algumas das principais instituições ucranianas, que mantém o seu posto de comando nestes dias de invasão russa.
Fortemente protegido por muros de betão, militares e membros das forças territoriais e ainda por uma viatura blindada anfíbia de três toneladas, o amplo edifício moderno é ainda uma base logística de apoio ao esforço de guerra.
Na liderança desta “frente” está Maryna, mulher de Petro Poroshenko, reunindo medicamentos e bens a entregar a hospitais e famílias que permanecem em Kiev, e ao exército e forças territoriais, que podem ainda beneficiar de três refeições diárias neste local, por vezes servidas pela própria antiga primeira-dama ucraniana.
“Sabemos que vamos ganhar, reconstruir o nosso país e será melhor do que agora e parte da Europa”, confia Maryna Poroshenko, recordando as ocasiões em que se avistou com Putin em eventos oficiais: “Chegava sempre atrasado, era uma falta de respeito”.
É também neste local que o marido assegura estar em permanência desde a invasão russa, em 24 de fevereiro, e que não tenciona abandonar, tal como, acrescenta, nunca deixou de se manter no seu posto desde a crise nas regiões separatistas, há oito anos.
Questionado sobre os limites da resistência ucraniana, responde numa frase: “A Ucrânia e os ucranianos nunca desistem”, afirma, dando conta de que todos estão unidos, incluindo os políticos, “e esta unidade também surpreendeu Putin”.