Angola celebra esta segunda-feira (04.04) os 20 anos da assinatura do Acordo de Paz do Luena, no Moxico. A sociedade civil fala em avanços, mas também recuos vividos nestas duas décadas desde o silêncio das armas.
Angola foi assolada por um conflito armado por quase três décadas. Mas, a 4 de abril de 2002, a guerra que fez milhares de mortos e refugiados, chegava ao fim por meio de um acordo assinado entre o Governo e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), no Luena, capital da província do Moxico.
Abreu Muengo “Kamorteiro” foi um dos signatários do memorando de entendimento por parte do partido do “Galo Negro” e considera que “a opção da negociação da paz e da reconciliação foi melhor”.
“[O acordo foi] de encontro com o desejo mais profundo de todos os angolanos, que são, em definitivo, os verdadeiros vencedores desta guerra que hoje por este ato damos por terminado”, afirma “Kamorteiro”.
Manutenção da paz
Terminava a guerra e começava assim o processo de manutenção da paz e reconciliação nacional. Na altura, o então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), apelava ao espírito de perdão e ao esquecimento do passado.
“Quem ama, verdadeiramente, a paz tem que saber perdoar e reconciliar-se com o seu próximo”, disse JES na ocasião.
Contudo, volvidos 20 anos desde o alcance da paz, a reconciliação nacional parece não ser, ainda, um dado adquirido, a julgar, por exemplo, pelos últimos relatos de intolerância política em Sanza Pombo, na província do Uíge.
Em ano de eleições, o Presidente João Lourenço, também do MPLA, quer que cada um respeite a liberdade de escolha do outro. “Aproximam-se as eleições gerais do corrente ano e com elas as atividades de pré-campanha e campanha que lhe são inerentes. Haverá o máximo de liberdade nos marcos da lei e da ordem publica, mas também há necessidade de máxima contenção entre apoiantes de um e de outro partido concorrente”, expressou Lourenço.
Eleições autárquicas
Nestas duas décadas de paz efetiva, o pais já realizou três eleições: legislativas em 2008 e gerais em 2012 e 2017. Por se realizar ficaram as eleições autárquicas.
Para Fernando Sakwayela, membro do Movimento Jovens pelas Autarquias, a não institucionalização do poder local é um dos grandes recuos dos 20 anos do fim do conflito armado em Angola.
“A questão do poder local já vem refletida desde a Constituição de 1992 e que, na Constituição de 2010, vem mais desenvolvida. E, hoje, até ao momento, a não se efetivar as autarquias locais, nós estamos a conhecer alguma letargia da nossa democratização”, afirma.
Avanços
Mas o país também registou avanços, considera o ativista, que cita a “materialização de uma Constituição efetiva para Angola, o que pressupõe ganhos substantivos”.
Também António Ricardo, cidadão angolano, nota muitos avanços resultantes do silêncio das armas, “principalmente no concernente ao convívio entre os irmãos”.
“Uma vez que foi o calar das armas de três ou vários grupos rivais que, ao mesmo tempo, [são] irmãos dentro do mesmo país”, acrescenta.
Já Francisco João lamenta que ainda se registe falta de justiça e paz social em muitos locais do país: “Em certos cantos de Angola há ainda muitos sítios onde há falta de paz”.
Pobreza extrema
Segundo o Relatório da Pobreza produzido pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e divulgado em 2020, quatro em cada dez angolanos tem um consumo abaixo da linha da pobreza. As províncias do Bié, Cunene e Moxico são os mais pobres segundo dados oficiais.
Fernando Sakwayela entende que a pobreza extrema que o país vive é também resultante do elevado índice de corrupção presente nestas duas décadas de paz. “Acompanhado de uma explosão económica onde assistimos a uma forte delapidação do erário publico”, diz o analista.
Para desencorajar estes atos e responsabilizar os seus autores, o Presidente João Lourenço lançou em 2017 a “cruzada contra a corrupção”.
Liberdade de expressão
No entanto, estes 20 anos de paz, foram também marcados pelo mediático processo dos 17 ativistas acusados de Golpe de Estado em 2015.
Sedrick de Carvalho, que lança, em Luanda, no próximo dia 14, o livro “Prisão Política”, foi um dos ativistas condenados e amnistiados. Afirma que houve muitos avanços no capítulo das liberdades de expressão e de manifestação.
“Mas isto no âmbito de exercício individual destas liberdades. Quer dizer que mais pessoas hoje tentam por todos os meios exercer a liberdade de expressão e o seu direito de manifestação”, explica o ativista amnistiado.
Mas houve, contudo, um aumento da repressão, considera o ativista: “Houve e continua a haver uma tentativa permanente de quartar a liberdade de expressão e o direito de manifestação dos cidadãos e cidadãs angolanos”.
O ato central de celebração dos 20 anos de paz em Angola acontece esta segunda-feira, na província do Cunene.