A apenas quatro meses e meio das eleições gerais em Angola, Luaty Beirão esperava que os protestos já estivessem nas ruas. Em entrevista à DW África, o ativista angolano frisa que a máquina da fraude segue “a todo o vapor”.
Em ano de eleições gerais em Angola, e quando faltam apenas quatro meses e meio para a ida às urnas, o ativista Luaty Beirão admira-se que nas ruas o ambiente não seja, por esta altura, de maior tensão, “tendo em conta os sinais de assalto à soberania que já estão muito evidentes”.
Sobre as recentes declarações do Presidente João Lourenço – que disse que a oposição está fragilizada, razão pela qual recorre a “golpes baixos”, como mobilizar jovens para atos de vandalismo -, Luaty Beirão diz que tudo não passa de mais um ato de “infantilidade política”.
O ativista era um dos “15+2 “, um grupo de jovens que foram detidos em 2015 e julgados, após terem sido acusados da preparação de um golpe de Estado contra o Governo então liderado por José Eduardo dos Santos.
DW África: João Lourenço disse recentemente que a oposição angolana está fragilizada, razão pela qual recorre a jovens para atos de vandalismo. Luaty Beirão, como ativista que participou ativamente em manifestações em Angola nos últimos anos, como é que reage a estas declarações do Presidente da República?
Luaty Beirão (LB): Enfim, essas declarações por parte de uma figura que se faz, ora de Presidente da República, ora de Presidente do MPLA, são reveladoras da contínua infantilidade política dessas pessoas que são arrogantes e que têm discursos musculados e militarizados. E que continuam a tornar a democracia uma miragem e a liberdade uma outra ainda maior e que usam a paz como uma chantagem permanente. Eu não sei quem são esses jovens. A verdade é que, se algum desses jovens estivesse a cometer alguma ilegalidade, já teria sido “competentemente” processado, condenado e estaria detido neste momento. Como, aliás, já estão dois jovens cuja culpa se quer forçar, porque é mais um daqueles casos cabeludos em que a política se impõe à justiça. De quem, infelizmente, não tenho visto muita mobilização para que sejam soltos, porque eu considero estes dois jovens prisioneiros políticos de João Lourenço: o Tanaice Neutro e o ‘Luther King’.
DW África: Tendo em conta este cenário, e estamos a poucos meses das eleições gerais em Angola, qual é o sentimento que se vive neste momento nas ruas? A tensão está certamente a subir.
LB: Está a subir. Mas eu diria que, tendo em conta os sinais de assalto à soberania que já estão muito evidentes, até estão a subir bastante devagar. Não sei se não há de atingir um pico mais à frente. Não sei como é que vai ser, mas estou espantado que a tensão [nas ruas do país] não esteja ainda mais ao rubro. Porque este processo eleitoral já descarrilou, já está completamente entregue. E alguém que continua a fazer o esforço – como nós estamos a fazer porque não nos resta outra coisa – alguém que continua a fazer o esforço de patinar no lodo, está a cansar-se. Porque, a menos que existam ferramentas para travar isto e voltar a colocar nos eixos, vamos ter mais um processo fraudulento e mais uma vitória entregue de bandeja a quem persiste em impor-se.
DW África: Aliás, são várias as vozes que dizem que a máquina da fraude eleitoral já está a ser preparada. Será que podemos antever uma nova onda de protestos contra o partido no poder em Angola nos próximos tempos, como aconteceu também noutras vésperas de eleições no país?
LB: Não sei fazer essa previsão porque justamente, como digo, nesta altura já deviam estar a acontecer. Mas posso dizer que espero que sim. Porque isto de fingir democracia, de meter leis bonitas na Constituição, criar leis bonitas que depois, quem as aprova, não as respeita, um dia tem que terminar. E já está claro que não há de ser mais ninguém a pôr fim a isso senão o soberano. E o soberano, espero eu, que finalmente se digne a indignar-se. Tem que acontecer. Gostaria eu que acontecesse porque é insustentável e insuportável. Não dá. Não dá para continuar a fingir desta maneira e continuar a ser castigado com estas políticas públicas desastrosas.
DW África: João Lourenço também prognosticou o “KO” da oposição. Acha que são afirmações que demonstram, mais do que nunca, que o MPLA está com receio destas eleições em agosto?
LB: Podemos fazer essa leitura e podemos fazer a leitura de quem tem esse excesso de confiança, uma vez que ele diz que até vai recuperar os 20% que ficaram perdidos nos últimos anos, que foram sendo erodidos com os dois últimos processos eleitorais. Pode ser lido dessa forma, de que há algum receio. Mas também pode ser lido como excesso de confiança de quem sabe o que está a fazer, quem sabe que resultados vai obter e, portanto, para quem a vontade popular pouco importa.
DW África: A conta da Presidência angolana no Facebook anunciou que pretendia publicar conteúdos da campanha de João Lourenço pelo MPLA, algo que gerou muitas críticas e indignação nestes últimos dias. É o “cúmulo da partidarização do Estado”, disse a UNITA à DW. Concorda com esta afirmação?
LB: Os próprios deram-se conta e apagaram o post. Chegou-se a um ponto tal, que as coisas são tão flagrantes, habituais e tão costumeiras, que já nem se dão conta do ridículo. Para eles, é natural o Governo confundir-se com o Estado, o Estado confundir-se com um partido, sempre esteve na linguagem, na génese do MPLA. Então não me espanta. Escandaliza sempre um bocadinho, mas não é nada de novo. É só eles a deixarem cair um pouco mais a máscara inadvertidamente. Pela consequência que teve a seguir – o facto de terem apagado o post – revela que não pensaram, fizeram só por puro instinto, porque acham que é algo natural. Mas sim, é o cúmulo. Este país todo é o cúmulo.