Estima-se que a seca esteja a afetar mais de dois milhões de pessoas no sul de Angola. O Governo prometeu ajuda, mas especialistas ouvidos pela DW África dizem que é preciso fazer mais. Como combater a seca no sul de Angola.
Antes, as secas no sul de Angola eram de dez em dez anos. Agora, são praticamente ano sim, ano sim. Jacinto Pio Wacussanga diz que as comunidades se sentem cada vez mais sufocadas.
“As alterações climáticas só vieram destapar o problema”, afirma o padre angolano. “As vulnerabilidades já lá estavam, não só em termos de acesso aos alimentos como também relativamente à incapacidade de as pessoas poderem, elas próprias, contribuir para a solução do problema, ao nível local.”
Pio Wacussanga usa no braço esquerdo várias pulseiras coloridas, que recebe como presente nas comunidades por onde passa, no sul de Angola.
O clamor que ouve da população é sobretudo um.
“Alimentos. Alimentos e água. O principal clamor é o alimento. Vais à reserva das famílias, viras aquilo de patas para baixo e nem um grão sai.”
Insuficiência alimentar
Em março, o vice-governador para o setor Político, Social e Económico do Cunene, Apolo Ndinoulenga, alertou que mais de 860 mil pessoas precisam de apoio urgente por causa da seca.
“O levantamento estatístico é contínuo, não é muito fácil ter dados estanques de uma província que tem um município como Curoca [onde] não chove há cinco anos”, disse Ndinoulenga citado pela agência Lusa.
As províncias da Huíla, Namibe e Cuando Cubango também estão a ser afetadas. Estima-se que centenas de milhares de habitantes estejam em situação de insuficiência alimentar aguda.
O problema não é só a seca deste ano, nem do ano passado, tida como a pior das últimas quatro décadas. Com a pandemia da Covid-19, os preços dos alimentos básicos aumentaram. Houve também pragas de gafanhotos. Parece um cenário de apocalipse.
“Com tudo isto em cima, numa população já numa situação de vulnerabilidade alimentar hídrica, evidentemente que a capacidade de resposta é limitada”, diz Vítor Serrano, agrónomo e especialista em segurança alimentar. “E muitos resilientes já são as pessoas.”
O Governo mobilizou ajuda. Ainda em setembro passado, foi criada uma ‘task force’ para gerir o apoio às vítimas da seca. Mas é preciso fazer mais, entende Vítor Serrano.
“As necessidades atendidas foram muito inferiores às existentes”, conclui Serrano.
A Igreja Católica e ativistas angolanos pedem há meses ao Governo que decrete o estado de emergência na região. Os apelos foram ignorados até agora.
Mais 10 a 15 dias quentes por ano
Abel Chemura, investigador do Instituto de Potsdam de Pesquisa do Impacto Climático, na Alemanha, aconselha Angola a “começar a preparar-se para as mudanças climáticas.”
Segundo os seus cálculos, até 2050, o país deverá ter, em média, mais 10 a 15 dias quentes por ano. E o número de eventos climatéricos extremos também tende a aumentar. Isso tem influência em tudo.
“Mais 10 dias de calor pode ter um impacto significativo na saúde da população, nos recursos hídricos, na vida selvagem, no crescimento das culturas”.
Uma das formas de combater os efeitos da seca, continua Chemura, é “mudar as variedades de milho, sorgo ou mandioca cultivadas atualmente.”
O futuro da agricultura
Chemura conta meio a sério, meio a brincar que o seu trabalho é cultivar plantas no computador.
Uma das conclusões dos seus estudos é que já há plantas mais resilientes às alterações climáticas, que permitem boas colheitas e estão disponíveis no mercado, embora algumas dessas variedades sejam mais caras do que as outras.
É por isso que, segundo o investigador, “o Governo tem de intervir, tem de informar os agricultores sobre como podem usar estas variedades e tem de atribuir subsídios.”
Vítor Serrano, antigo coordenador-geral do FRESAN, um programa para o combate à insegurança alimentar em Angola, lembra que a luta contra a fome e seca passa também pela melhoria do armazenamento das colheitas agrícolas.
Uma aposta do FRESAN foi em escolas de campo agropecuárias, e uma das matérias lecionadas era como tornar os silos tradicionais resistentes a pragas, reduzindo as perdas pós-colheita.
“Aquilo que os agricultores e camponeses reservam nos seus silos, que são eles que fabricam, na maior parte dos casos, são obras de arte […] mas aquilo não é perfeito.”
Como obter água?
O combate à seca faz-se também através do aperfeiçoamento dos sistemas de recolha e abastecimento de água, acrescenta o agrónomo.
O Presidente da República prometeu investimentos em projetos estruturantes, para garantir “a existência de água todo o ano”. No início de abril, João Lourenço inaugurou, na localidade do Cafu, o Sistema de Transferência das Águas do rio Cunene.
Isso é importante, refere Vítor Serrano, mas há também sistemas tradicionais, como as chimpacas, onde se retém a água das chuvas, que podem ajudar.
“As necessidades são enormes. Portanto, tem de se ser capaz de trazer água muito mais perto das populações, que gastam imenso tempo na busca de água.”
Para isso, será preciso pôr mãos à obra. Segundo o agrónomo, é preciso “reativar um sistema de informação de água e saneamento” com as coordenadas geográficas dos pontos de água e que indique quanta água está disponível. Além disso, é necessário “aumentar a capacidade de manutenção” das infraestruturas. Porém, tudo isto “envolve financiamento”.