O Medo de não ter que comer e um teto para dormir leva cada vez mais imigrantes lusófonos a procurar ajuda nas associações, que já cerram fileiras para ajudar estas comunidades e principalmente os mais vulneráveis, como os doentes.
“Não morrer à fome já é bom”, afirmou à Lusa o presidente da Associação de Angolanos e Amigos de Angola, João Inglês, preocupado com o impacto da crise em Setúbal, onde está localizada a organização.
Para este dirigente associativo, “não há quem não esteja preocupado”, principalmente com a subida das despesas com a habitação e os bens alimentares.
“O vencimento não chega. Tudo subiu de preço. O grande desafio é a aquisição de géneros, para que a alimentação da família não falte”, disse.
A alimentação é, para esta associação, “o fator primordial” e é nela que está focada, esperando que as autarquias não se esqueçam de orientar quem está no terreno para, juntos, poderem fazer um trabalho útil, pois acredita que este “vai ser mais preciso que nunca”.
E recorda os doentes que vieram de Angola para Portugal para tratamentos e muitos deles estão agora sem qualquer apoio do país, sendo “os mais vulneráveis de todos”.
“Se já é difícil para quem tem saúde, imagine para quem não tem e nem pode trabalhar”, observou.
Ildo Rocha Fortes, promotor e coordenador do Gabinete de Apoio à Inclusão dos Cabo-verdianos, em Almada, também está apreensivo, sobretudo perante uma crise tão longa, que começou a agravar-se com a pandemia de covid-19, depois com a guerra e agora a inflação.
Sobre a comunidade cabo-verdiana em Portugal, “a mais antiga”, como faz questão de sublinhar, o também jornalista e investigador sociocultural referiu que é conhecida por ser trabalhadora, embora isso agora nem sempre garanta segurança.
“Os cabo-verdianos estão sempre a trabalhar. O problema é que as despesas aumentaram”, afirmou.
Esta comunidade sofre duplamente, como explicou, porque além de precisar de rendimento para estar em Portugal, precisa de enviar dinheiro para as suas famílias em Cabo Verde, muitas das quais não se conseguem alimentar sem esta ajuda.
“É uma dupla angústia: Precisar de ganhar dinheiro para viver em Portugal e para ajudar os seus em Cabo Verde. Como as despesas são cada vez maiores, muitos não conseguem nem uma coisa nem outra”, apontou.
Sobre estas remessas, referiu que estas só acontecem porque os cabo-verdianos “estão bem inseridos em Portugal e não integrados”.
“Qualquer comunidade integrada não consegue fazer remessas como as que os cabo-verdianos fazem para o país de origem, pois quem está integrado gasta muito dinheiro no país de acolhimento”, frisou.
A mais numerosa em Portugal, a comunidade brasileira também assiste com apreensão ao escalar dos preços que vem agravar dificuldades antigas, como disse à Lusa a presidente da Casa do Brasil, Cynthia de Paulo.
Com baixos salários nos empregos para onde é “empurrada”, como a restauração, a comunidade brasileira viu nos últimos tempos agudizar a dificuldade em pagar uma habitação e em suportar o custo de vida.
“Na associação, crescem pedidos de ajuda de pessoas que chegaram há pouco tempo e que estão em vias de ficar sem-abrigo”, contou, acrescentando que a outros tipos de associações os brasileiros pedem sobretudo apoio alimentar.
E alerta para a forma pouco preparada com que muitas famílias chegam a Portugal, desconhecendo o verdadeiro nível de vida, os salários e as exigências aos imigrantes, o que os coloca numa vulnerabilidade preocupante.
O impacto da crise também tira o sono ao presidente da Associação da Comunidade de São Tomé e Príncipe em Portugal (Acosp), António Paraíso, para quem os efeitos atingem muitos, mas “mais ainda os imigrantes”.
“A base do trabalho da nossa imigração são empregos não qualificados. Mesmo assim, torna-se muito difícil, ou quase impossível, para quem não tem os documentos tratados e o tempo para os conseguir é cada vez maior”, disse.
E acrescentou: “Quem não tem documentos, não tem trabalho, não tem salário. Ou então sujeita-se a patrões sem escrúpulos, que aumentam em tempos de crise”.
António Paraíso tem conhecimento de várias famílias que sobrevivem apenas graças à caridade, seja de familiares, de organizações como a Cáritas, ou os serviços sociais das câmaras.
Neste rol de dificuldades, elegeu a habitação como a principal devido aos preços: “Muitos não conseguem pagar um quarto, quanto mais uma casa”.
À Associação guineense de solidariedade social (Aguinenso) chegam cada vez mais pedidos de ajuda, como disse à Lusa o seu presidente, João Tatis Sá.
“As pessoas queixam-se de já não conseguirem comprar alguns alimentos e bens essenciais. O preço das rendas também começa a ser impraticável para muitas famílias que vivem com medo de não ter um teto para dormir”, salientou.
E explicou: “As pessoas já ganhavam pouco. Muitos trabalham nos serviços de limpezas e outras tarefas e muitas mulheres estão sozinhas com os filhos, com um só vencimento, que já é baixo”.
O que era difícil tornou-se impossível, com os preços dos bens e serviços a dispararem. “Há quem não consiga comprar leite”, avançou, receando que este aumento dos pedidos de ajuda não seja acompanhado por igual aumento de doações.
As inquietações também atingem a Associação Lusofonia, Cultura e Cidadania (ALCC) que atualmente presta apoio a 95 famílias.
Segundo a coordenadora do apoio social da associação, Lisley Filipe, são sobretudo os mais vulneráveis, nomeadamente os que se encontram em Portugal a fazer tratamentos, que mais a preocupa.
“Muitos deles contam inicialmente com o apoio das famílias, que depois deixam de os ajudar e eles ficam perdidos, em situação irregular ou em processo de regularização”, notou.
Lisley Filipe acredita que a situação vai piorar e está já a trabalhar no sentido de aumentar a resposta que a ALCC pode dar, mas reconheceu dificuldades.
“Tal como aconteceu durante a pandemia de covid-19, vamos fazer campanhas de doação de alimentos ou de dinheiro para melhorar o apoio a essas famílias, para quem o aumento do custo de vida torna incomportável a aquisição de bens, muitos deles essenciais”, adiantou.
Contactada pela Lusa, a presidente da Cáritas Portuguesa, Rita Valadas, confirmou a “pressão” que a instituição está a sentir em várias áreas do país, de “pessoas vindas de fora e de proveniências diferentes”.
E evidencia a comunidade brasileira — a maior em Portugal -, com chegadas consistentes já há alguns anos e também com famílias vulneráveis já sinalizadas.
Ainda assim, referiu que o facto de as comunidades lusófonas partilharem a mesma língua que os portugueses é menos uma barreira que têm de ultrapassar quando chegam a Portugal.
O apoio da Cáritas, a braços com o aumento de pedidos de ajuda devido ao impacto da subida dos preços, é prestado de forma idêntica a nacionais e estrangeiros, sublinhou.