Os analistas Eugénio Costa Almeida e Fernando Jorge Cardoso consideram que o Presidente angolano, João Lourenço, criou “expectativas completamente irrealistas” quando tomou posse e está agora a sofrer com as expetativas falhadas da população.
Para Eugénio Costa Almeida, investigador associado do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-ISCTE), a vontade anunciada por João Lourenço durante a campanha eleitoral para as eleições gerais de 2017, quando prometeu a criação de 500 mil empregos, é “uma promessa que à partida se sabia que era inexequível”.
“Quem é que vai criar os postos de trabalho?” – questionou o investigador luso-angolano, sublinhando que Angola não tem “uma classe patronal suficientemente sustentável para criar empresas”.
A ideia é partilhada por Fernando Jorge Cardoso, coordenador do Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF) e também investigador do CEI-ISCTE, que apontou que o Estado angolano não tem, atualmente, “capacidade para investir”, assinalando que o próprio plano de privatizações “está aquém daquilo que eram os desejos” do executivo.
Segundo o investigador português, os investidores privados “só investem em atividades que têm lucros a longo prazo se houver confiança, e neste momento a economia angolana não inspira confiança”.
Fernando Jorge Cardoso criticou os moldes do programa de privatizações pelo Governo angolano, por considerar tratar-se de empresas de serviços, defendendo que a privatização de “empresas de produção industrial, empresas que estivessem a produzir farinha de milho, laticínios, tecidos, confeções, sapatos, peças para indústrias” seriam mais ambicionáveis para investidores privados.
Para o académico português, através da “reorganização completa da forma como o Estado se financia” será possível criar e desenvolver estruturas sociais em Angola.
Fernando Jorge Cardoso aponta que além da implementação do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), em outubro de 2019, é necessária “uma reforma fiscal” para que “as pessoas se habituem que têm de pagar impostos para terem direitos”.
Fernando Jorge Cardoso defendeu que a aplicação de reformas fiscais e um aumento do consumo nacional, da produção nacional e dos pagamentos por parte de nacionais representa sustentabilidade para Angola.
“Um país só se sustenta, no mundo em que vivemos, a partir de impostos pagos pelos seus nacionais”, afirmou, acrescentando: “Os angolanos vão ter de aceitar, assumir e liderar um processo de reajustamento que vai ser bastante doloroso”.
Ainda assim, Fernando Jorge Cardoso acredita que João Lourenço “será, provavelmente, a melhor escolha que os angolanos poderão fazer”, mas que o chefe de Estado “tem de mudar a sua maneira de ser”, referindo-se às “expectativas completamente irrealistas” quando iniciou a sua governação.
Durante o terceiro trimestre deste ano, e num momento em que o país é atingido pela pandemia da covid-19, a taxa de desemprego em Angola aumentou para 34%, 1,3 pontos percentuais em relação aos três meses anteriores (32,7%) e 3,9 pontos percentuais face ao período homólogo (30,1%), segundo o anunciado no passado dia 31 de outubro pelo Instituto Nacional de Estatística angolano.
“Quando nós chegamos a 2020, olhamos para Angola e verificamos que, em comparação com o final do período colonial, o que nós encontramos é uma economia angolana em muito piores condições do ponto de vista de capacidade de produção interna”, disse à Lusa o Fernando Jorge Cardoso.
Para o investigador, “o ‘offshore’ angolano deixou de ser rentável, e o período em que os dirigentes angolanos (…) poderiam e deveriam ter aproveitado para fazer a renovação de concessões, a tentativa de descoberta de novos furos passou”.
Nesse sentido, Fernando Jorge Cardoso apontou que após se atingir a maturidade dos furos de exploração de petróleo e sem a renovação destas concessões, a produção irá cair “de uma maneira abruta, e é isso que está em vias de acontecer”.
Para o português, o país não soube aplicar “uma quantidade absolutamente pornográfica de dinheiro que entrou por venda de comissões da exportação de petróleo” num fundo soberano e no desenvolvimento e diversificação da economia, algo “que se fala muito e depois não se faz”.
Para alcançar esta diversificação económica, Fernando Jorge Cardoso considerou que é necessário que haja investimento público ou a entrada de privados, assim como uma “grande transformação” para fortalecer a economia.
“A grande transformação necessita de investimentos na produção de bens para consumo interno, depende daquilo que é defendido nesta altura pela maioria dos dirigentes africanos”, disse.
Eugénio Costa Almeida defendeu igualmente que o Governo deve criar condições de financiamento para os empreendedores angolanos e que isso deve passar pelos bancos comerciais ou pela “criação de um banco específico, de raiz”.
“Até podem nem ter dinheiro, de certeza que haverá empreendedores com ideias excelentes, exequíveis, algumas até imediatas, mas a quem falta o capital”, afirmou à Lusa o académico luso-angolano.
O governo angolano assinala os 45 anos de independência a partir de terça-feira, com uma homenagem no Palácio Presidencial, e várias inaugurações, entre as quais a do Hotel Intercontinental, nacionalizado no mês passado.