Angola assinala esta quarta-feira 45 anos de independência, numa altura em que crescem as reivindicações por melhores condições de vida no país. “Não foi isso que os nossos nacionalistas sonharam”, dizem angolanos à DW.
Referindo-se aos 45 anos de independência de Angola, que se assinalam esta quarta-feira (11.11), o Presidente João Lourenço apelou esta terça-feira (10.11) ao respeito dos direitos e liberdades alcançados nestes anos de soberania.
“A independência e a soberania nacionais são conquistas sagradas e inalienáveis. O Estado democrático e de direito, a economia de mercado, a paz duramente alcançada e a reconciliação nacional, a emancipação da mulher, a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, a liberdade de união e de manifestação, a liberdade de culto, são realidades e direitos fundamentais já adquiridos que devem ser respeitados”, frisou Lourenço.
Apesar destas conquistas, o chefe de Estado reconheceu que “os anos que se seguiram à independência não foram o que os angolanos sonharam: edificar um país”.
Muitos cidadãos ouvidos pela DW África são da mesma opinião. É o caso de Pedro José Martins, um jovem residente em Luanda: “Não foi isso que os nossos nacionalistas sonharam. Sonharam para o bem do povo, para o bem do país”, lamenta.
O sonho dos nacionalistas
Também Domingos da Silva, outro cidadão morador da capital angolana, entende que não é esse o país sonhado pelos nacionalistas angolanos. Para este cidadão, os nacionalistas “gostariam que fosse um país mais (livre) e mais aberto, porque o nosso país automaticamente depende muito dos europeus para qualquer tipo de coisa que não existe cá”.
“Temos independência, mas com um ponto de interrogação: algumas partes [têm] e outras partes não”, disse.
Depois da independência, em 1975, o país foi marcado por uma guerra civil até 2002. Também por uma corrupção que deixou o Estado com os “cofres vazios”, segundo o Presidente João Lourenço.
E que Angola se tem hoje? Um país com muito problemas, entre eles, o índice do desemprego que, segundo dados oficiais, já atingiu 34% no último trimestre deste ano. “Emprego para a juventude não há, mas índice de criminalidade há muito”, responde Domingos da Silva.
O desemprego também é apontado por Pedro José Martins como um dos principais problemas de Angola hoje. “Falta trabalho para nós, os jovens. Depois, com estes problemas da (Covid-19), pioram os problemas”.
Povo manifesta-se
Estes e outros problemas, como, por exemplo, o adiamento das eleições autárquicas, tem levado jovens angolanos às ruas de Luanda. As comemorações dos 45 anos deverão ser marcadas por novos protestos convocados por ativistas, apesar das proibições do Governo. Estão agendadas várias manifestações em todo o país em protesto contra o elevado custo de vida e a favor da calendarização das eleições autárquicas.
As autoridades “devem garantir os direitos dos manifestantes de exercerem a liberdade de expressão e de reunião pacífica”, protegidos pela Constituição angolana, sublinhou a Amnistia Internacional, na véspera dos protestos.
O que falhou depois da proclamação da independência em 1975? Foi o que a DW África perguntou a Cláudio Fortuna, analista angolano e investigador do Centro de Estudos Africanos (CEA) da Universidade Católica de Angola (UCAN). “Faltou transparência no processo de negociação, começando mesmo pelo próprio Acordo de Alvor [assinado entre os portugueses e os angolanos]. Aquilo foi evado de algumas incongruências com a não materialização de aquilo que foi acordado. Sabemos que estava desenhado primeiro a marcação da data da independência, depois de alguns meses haveria o processo de eleições”, explica o analista.
Este ano, a data será celebrada com restrições devido à pandemia de Covid-19, embora tenha sido preparada ao detalhe. Um dos detalhes é a contratação da Carga Eventos, titulada pelo músico Big Nelo para a produção do hino da independência. A produção custou aos cofres do Estado mais de 140 milhões de kwanzas, o equivalente a quase 180 mil euros.
O chamado “hino milionário” gerou polémica e críticas por se considerar exagerado o valor. Embora seja exibido e tocado nas televisões e rádios locais, há quem desconheça o seu conteúdo. “Vou ainda entrar na internet para ver o que ele falou”, diz Domingos da Silva.
Crise económica
Para além da pandemia de Covid-19, o país também é assolado por uma crise económica e financeira resultante da baixa do preço do petróleo no mercado internacional.
Segundo dados do orçamento do próximo ano, mais da metade das receitas serão canalizadas para pagamento da dívida pública em 2021. Não se prevê crescimento económico. Por isso, muitos analistas encaram o futuro do país com desconfiança.
Mas Cláudio Fortuna entende que, os 45 anos da “dipanda”, como é conhecida a independência angolana, devem servir de reflexão para um futuro com esperança: “Agora que já atingimos a idade da razão, temos idade suficiente para abordar, ver nas costas dos outros o nosso espelho e fazermos de Angola um país de referência, um país melhor. Nada deve estar acima de Angola”, conclui.