João Lourenço excluiu ex-governantes do MPLA da benevolência penal ligada à comemoração de 45 anos de soberania, assinalados esta terça-feira. Antigos ministros e filho de José Eduardo dos Santos não estão contemplados
Ao praticar o primeiro ato de perdão desde que chegou ao poder, em setembro de 2017, o Presidente João Lourenço — por ocasião da Independência de Angola, que se celebra dia 11 — indultou e comutou pessoas condenadas a penas de prisão inferiores a 12 anos. O chefe de Estado recusou-se a contemplar neste pacote os que tenham cometido crimes de peculato, corrupção, tráfico de influência, participação económica em negócios e branqueamento de capitais.
O indulto e a comutação abrangem as pessoas condenadas a penas de prisão não superior a 12 anos (como roubo simples, desobediência, consumo de drogas, fogo posto sem vítimas mortais, ofensas morais, difamação, calúnia e outros) e a penas correcionais. Os abrangidos deverão ter cumprido, respetivamente, metade e um quarto das penas até 17 de setembro passado e preencher os pressupostos para a concessão de liberdade condicional.
Com a exclusão das penas por corrupção, peculato e conexas, Lourenço deita por terra as especulações que pairavam em vários círculos políticos e que indiciavam uma hipotética redução das penas aplicadas a figuras do regime já condenadas por aquele tipo de crimes.
“O Presidente está a ser coerente com o seu posicionamento sobre o endurecimento do combate contra a corrupção e, se agisse em sentido contrário, levantaria a suspeição de pretender beneficiar algumas pessoas, arriscando-se a cair em descrédito”, disse ao Expresso Fernando Pacheco, destacado dirigente do Observatório Político Social de Angola (OPSA).
EX-GOVERNANTES SEM PERDÃOEm linha com este perdão, não serão contempladas figuras como o ex-ministro dos Transportes Augusto Tomás, condenado em agosto a 14 anos de prisão por crimes de “peculato, violação de execução do plano orçamental sob forma continuada e abuso de poder”.
Com Tomás — primeiro governante angolano a ver a sentença transitada em julgado — foram condenados a penas inferiores outros altos funcionários do Conselho Nacional de Carregadores envolvidos na prática dos mesmos crimes. “É compreensível que o Presidente deixe de fora os crimes de corrupção, peculato e conexos. A serem contemplados, seria um sinal claro de enfraquecimento da sua principal bandeira de campanha. O combate a corrupção, já de si muito enfraquecido, sofreria um rude golpe se estes crimes fossem objeto de indulto”, defendeu Maurilio Luiele, deputado da bancada da UNITA (oposição).
A posição de Lourenço não encontra, porém, unanimidade em todos os quadrantes. Um antigo magistrado judicial afeto ao MPLA adverte: “Precisamos de saber claramente se o Estado pretende recuperar os ativos ou ficar sem eles e prender as pessoas, mas o que é certo, certo, é que a prisão pela prisão não resolve nada!”.
O jurista e professor universitário Bangla Quemba considera que “sendo crimes reparáveis e não de sangue, não faz sentido que as pessoas que os tenham cometido e cumpram os requisitos gerais não beneficiem do indulto nem da comutação”.
LOURENÇO QUER PENAS MAIS DURASIndiferente à várias pressões, o Presidente não recuou e pôs o pé acelerador, mandando alterar a versão inicial do novo código. Desta forma, quem também não beneficiará do indulto nem verá a pena comutada serão José Filomeno dos Santos “Zenú”, ex-Presidente do Fundo Soberano e filho do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, e Valter Filipe, ex-governador do Banco Nacional de Angola.
Aguardando decisão do recurso, foram condenados, respetivamente, a cinco e oito anos de cadeia por envolvimento numa transferência ilícita de 500 milhões de dólares para a empresa fantasma Perfectib, acusada de burla bilionária contra o Estado.
“Depois de o Presidente João Lourenço ter devolvido o código para reapreciação por entender que continha penas brandas para crimes de corrupção, estamos agora diante de uma clara razão política que não poderia senão conduzir a este caminho”, reconhece um alto dirigente do MPLA, partido do poder.
Aguardando julgamento, o antigo ministro da Comunicação Social Manuel Rabelais e o antigo governador provincial de Luanda Higino Carneiro, suspeitos de crimes de corrupção e peculato, deverão ser os primeiros dirigentes do partido governante a conhecer a mão pesada do novo código penal, após a reapreciação ordenada por Lourenço. Com esta decisão, o chefe de Estado visou emitir “uma mensagem clara de compromisso do Estado com a promoção da probidade pública, moralização, prevenção e combate à corrupção e à impunidade”.
Neste sentido, foram igualmente reapreciadas e agravadas as molduras penais para os crimes de recebimento indevido de vantagens, corrupção ativa e passiva de funcionário, corrupção ativa de magistrado ou árbitro, participação económica em negócio, cobrança ilegal de contribuições, furto qualificado e roubo qualificado.
Texto do Expresso