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Abdiquei do cargo do CNJ por ser um órgão muito partidarizado – Professor Eduardo Rocha

O Conselho Nacional da Juventude – CNJ é ainda um órgão muito partidarizado e isso inibe a prossecução dos seus objectivos junto dos jovens angolanos no geral, diz o professor Eduardo Rocha  Bié, mais conhecido por Edu Rocha.

Edu Rocha natural da Huila é o nosso entrevistado desta semana que chama atenção apresidente João Lourenço para maior atenção com o desemprego e as mortes contra a desnutrição populacional.

Acompanha na íntegra a entrevista com Eduardo Rocha  Bié.

O Decreto: Que avaliação faz da liderança dos outros partidos Políticos?

Edu Rocha: Bem, há partidos e há partidos, com isso quero dizer que nem todos como é expectável, têm o mesmo peso, o mesmo capital político. Um olhar para o actual contexto, leva-nos a destacar três figuras às quais devemos prestar maior atenção por serem os presidenciáveis: João Lourenço, Adalberto Junior e Abel Tchivukuvuku, esses são os que têm a possibilidade de mudar rumo da vida política do país. JLo parte com vantagem, em função de ser quem controla a máquina, há quem diga, os partidos da oposição nunca ganham as eleições, o partido da situação é que as perde. Interessa-me ver os acertos que se vão fazendo entre a UNITA e Chivukuvuku, visando ao que chama de “frente patriótica”, no sentido de abordar as eleições de 2022 num plano conjunto. Essa visão que sobrepõe os interesses nacionais às pretensões individuais do alcance ao poder é fundamental. É propulsora de mudanças, essencialmente porque a dispersão de votos só beneficia a situação. No entanto, a avaliação é positiva, se olharmos para este sentido da coisa, no que a oposição diz respeito, essa vontade de fazer pontes para combater por um ideal comum: a concretização da tão almejada alternância do poder.

O Decreto: Que opinião tem sobre o MPLA?

Edu Rocha: O MPLA é refém da sua história. O excessivo tempo na governação do país, com toda série de pecados que a ele se imputa, demonstra-se cada vez mais um partido incapaz de realizar os angolanos. Há desafios do Estado por levar a cabo mas que teriam início dentro das suas hostes e não se vêem sinais nesse sentido, como a sua democratização. Ainda continuamos a ver candidaturas únicas para os lugares elegíveis, candidatos impostos, como é o caso recente da preparação para a eleição do seu braço feminino, no entanto, pelas responsabilidades que tem com o país, se ele mesmo não se democratiza, temo que seja difícil democratizar efectivamente o Estado, sendo esse dos maiores desafios que o país enfrenta.

O Decreto: Para si, a juventude tem participação activa no desenvolvimento do país?

Edu Rocha: Embora os dados do censo sejam óbvios, esmagadora maioria da população Angola é jovem, quando se olha para a estrutura do Executivo, a Assembleia Nacional, por exemplo, damos por uma disparidade enorme entre essa franja mais representativa do país e o seu preenchimento nos lugares de destaque e tomada de decisão. E isso é trágico. Penso ser fundamental melhorar os mecanismos democráticos que permitam uma maior inclusão da juventude nas estruturas do Estado, não só por ser a maioria e a lógica da democracia representativa é essa, mais por ser necessário que a maior força da nossa sociedade, física e intelectualmente falando, seja posta em acção para gerar desenvolvimento. A exclusão da juventude nos círculos de tomada de decisão é nefasta, lembra-me aquelas reuniões em que homens se sentam para discutir assuntos de mulheres. É urgente pautarmos os espaços políticos. Mas claro, isso tem de ser uma conquista nossa, de bandeja não nos será dado.

O Decreto: Certamente conhece a actuação do CNJ, quê avaliação faz?

Edu Rocha: Andei por uns dos órgãos do CNJ –Conselho Nacional da Juventude- o CMJ-Curoca, como seu Secretário Executivo, por Dois anos, e simplesmente abdiquei do cargo. É ainda um órgão muito partidarizado e isso inibe a prossecução dos seus objectivos e responsabilidades com os jovens angolanos no geral, afinal, se trata de uma organização inclusiva. Esse alinhamento forçado que se faz dele com a JMPLA é trágico, faz com que muitos jovens não se revejam nele.

O Decreto: Quê avaliação faz aos tribunais do país? Acha normal não se criar nenhum partido em tempo de JLO?

Edu Rocha: Os tribunais deviam ser independentes do Executivo mas a nossa historiografia, enquanto país democrático e de direito nos provou o contrário, sempre houve uma dependência do poder judicial ao executivo, o como se congelavam os dossiês envolvendo gente ligada ao poder e ao MPLA é disso prova, por isso nunca houve julgamentos de crimes e outras práticas de lesam o erário, por exemplo, até 2017, salvo um ou outro. Agora vamos assistindo uma abordagem diferenciada, em função do compromisso político de combater a corrupção. Hoje já há mais gente a contas com a justiça, se isso nos devia encher de satisfação, depois vemos o caso do PRA-JÁ, que, simplesmente, não faz o mínimo sentido. Isso levanta sérias suspeições sobre a independência alegada, hoje.

O Decreto: Passado 3 anos de governação do JLO, que Promessas eleitorais já se cumpriu?

Edu Rocha: Devo pontuar o combate a impunidade, os factos nos dão essa visão de que anda a ser efectivo, talvez seja esse o maior activo do consulado de JLo. Há, também, um aumento dos índices de liberdade de expressão, mas esse é um ganho que João Lourenço partilha com a juventude angolana, que instigada por uma condição de vida cada vez mais precária e o advento das redes sociais vai sendo mais reivindicativa, exercendo com mais acutilância uma cidadania activa. Ainda, assim, no compto geral, se olharmos para o discurso promessa, que elencava a realização das autarquias, 500 mil empregos, reforma do estado e da administração pública e uma abordagem do Executivo mais inclusiva, a conclusão é de que ainda andamos aquém.

O Decreto: O que acha sobre o elevados indíce de desemprego? (principalmente dos jovens) Nos últimos tempos vimos dois Licenciados nas ruas do país mendigando por emprego. Onde está o problema?

Edu Rocha: Onde está o problema? Bem, o economista Armatya Sen, por sinal, Nobel da economia, alinha o desenvolvimento à liberdade –Desenvolvimento como Liberdade- o que nos sugere é que só se alcança desenvolvimento se houver liberdade de participação política, económica, social, entre outras formas de sermos nós mesmos a definir o estilo de vida que queremos. Nesse sentido, o adiamento das autarquias se configura como o grande atraso para a concretização do desenvolvimento que queremos. A lógica de um poder centralizado não concorre para o bem-estar das pessoas. É necessário que as pessoas participem mais directamente nos mecanismos de articulação das soluções e nos processo de operacionalização desses mecanismos, e isso só descentralizando o poder se consegue, em primeiro lugar. Em segundo, o caminho mais recomendável está numa aposta mais efectiva na agricultura, essencialmente, a familiar, dotando as comunidades com condições de base para produzir os seus próprios alimentos e disponibilizar o excedente ao mercado, nos centros urbanos, através de redes de eficientes de evacuação, claro que isso implicaria uma rede de estradas secundárias melhor. Ao não se ir por aí, penso que ainda durará algum tempo a concretização do bem-estar das famílias.

O Decreto: Sabe-se que Angola é rica em recursos naturais, e por sinal é dos maiores exportadores de petróleo a nível mundial, mas maior parte da população é miserável, qual é a razão?

Edu Rocha: O petróleo acaba por ser a nossa menina do olho e, em simultâneo, ainda que não pareça, a razão do nosso atraso. Ficamos dele dependente e perdemos de vista outros recursos e outras fontes de riqueza mais sustentáveis. Como o mundo vai olhando para fontes de energia alternativas ao petróleo, isso e outras razões balanceadoras do seu preço, damos por nós em situação de quase mendicância quando o seu preço cai. Perdemos a grande oportunidade de diversificar a nossa economia quando o petróleo estava em alta. Era usar do petróleo para não mais ficarmos dele dependente. Um povo que não tenha a capacidade de produzir o que ele mesmo precisa para o seu sustento é miserável e essa é a nossa infeliz condição. Por incrível que pareça, os Dois projectos políticos dos Tres dos movimentos independentistas apontam para uma aposta efectiva na agricultura. O MPLA diz “a agricultura é a base e a industria o factor decisivo”, e da UNITA, o projecto Mungai, fala em “privilegiar o campo (agricultura) para beneficiar a cidade”. Pelo visto, os caminhos andam aí, já sabidos, falta-nos é vontade (política) de os seguir.

O Decreto: Fala-se muito do actual Governador da Huíla. Houve melhoria na vida dos cidadãos desde que o governador tomou posse?

Edu Rocha: Na generalidade não! O que não se pode negar é a melhoria do aspecto do casco urbano da cidade do Lubango, a sede provincial, mas isso não esconde a falta de oportunidade de emprego, distribuição de energia mais eficiente e outros males que ainda nos assolam, na generalidade da província.

O Decreto: Já se pode falar da descentralização e desconcentração em Angola?

Edu Rocha: A desconcentração, que já existe, não nos resolve o problema. O foco deve estar na descentralização, só alcançável com a implementação das autarquias locais.

O Decreto: Já pensou em se filiar a um partido?

Não. Há militância em demasia, no país. Isso não é bom. Sou por uma sociedade mais cívica. Prefiro dar o meu contributo por Angola deste lugar onde falo, o de cidadania.

O Decreto: O adiamento das eleições autárquicas, o que deve estar na base?

Edu Rocha: Vontade política, obviamente. O que é trágico. Ainda continuamos na lógica de só importar a manutenção do poder, mesmo que isso adie a concretização do bem-estar das pessoas. Está visto que para o MPLA não interessa a institucionalização das autarquias nessa altura, então, vão surgindo bode expiatórios, como a Covid-19, por exemplo.

O Decreto: Há uma grande onda de protestos em Angola nos últimos tempos, qual é a sua apreciação sobre isso?

Edu Rocha: É bom, muito bom. Prova que os angolanos, essencialmente, jovens, despertaram. Como diz o velho adágio chinês “pessoas fortes criam tempos bons, tempos bons criam pessoas fracas, pessoas fracas criam tempos maus”, é um ciclo. Os tempos maus do colonialismo, por exemplo, criaram pessoas destemidas que combateram pela nossa independência.  Estamos, claramente, em tempos maus, esses tempos são propulsores a emergência de pessoas fortes, destemidas, combativas pela mudança do quadro. É isso que temos vindo a observar ultimamente.

O Decreto: O discurso do Presidente sobre o Estado da Nação. Correspondeu às expectativas?

Edu Rocha: Não, de longe. Pelo contexto, no lugar do Presidente da República, não seria aquele o meu discurso aos angolanos.

O que faltou numa fase como essa que os angolanos estão a passar?

O presidente arroga-se a enumerar feitos do seu Executivo mas que a fome, o desemprego, a insegurança pública, as mortes diárias por má nutrição desmentem. Queria ouvir um discurso de esperança e não um de autoproclamação com laivos propagandistas.

BI de Edu Rocha

Nome completo: Eduardo Rocha  Bié;

Local de nascimento: Kaluquembe;

Estado civil: solteiro;

Profissão: professor;

Formação ou área de formação: Ciências da Linguagem;

Destino em Angola: todo lado;

País dos Sonhos: Angola – mas a próspera que nos trará o nosso engajamento cívico;

Lema de Vida: a partilha do conhecimento gera desenvolvimento;

Hobbies: dormir e estar com os meus;

Livros: Quem me der ser Onda, de Manuel Rui;

Conte um pouco como começou a sua vida cívica: não tem data, como tal, sempre me vi uma pessoa civicamente engajada, o surgimento das redes sociais só veio amplificar a minha voz.

Texto do ” O Decreto”

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