E para provar que tem muita gente a apoiá-lo convocou uma manifestação para sábado. “É preciso que o MPLA perceba que não é por via da violência que se realizam as sociedades”, diz.
A decisão do Tribunal Constitucional de não aceitar a inscrição do partido PRA-JA Servir Angola surpreendeu-o?
Não fui surpreendido porque a minha vida nos últimos dez anos tem sido assim. Basta referir que foi o mesmo Tribunal Constitucional que me destituiu de presidente da CASA-CE, alegando o princípio de que eu não era membro de nenhum dos partidos constituintes da coligação.
No entanto, avalizou o meu substituto, o almirante Miau [André Mendes Carvalho], que também não é membro de nenhum dos partidos. Durante o processo, houve uma fuga de informação e uma nota enviada pelo bureau político do MPLA, assinada pelo dr. Rui Ferreira, a dar orientações ao Tribunal Constitucional, que começou a circular pelas redes sociais. E, de facto, o tribunal agia de acordo com as orientações dessa nota.
O que existe é perseguição. Obviamente, o MPLA tem medo. Nas eleições de 2017, eu e a CASA-CE tivemos um score muito para além do que foi noticiado, por isso, estão a inviabilizar [o partido] porque não querem repetir o susto que tiveram em 2017. Além de que, tal como no passado, com José Eduardo dos Santos, como agora, com João Lourenço, o que querem é cooptar-me para o Governo. Mas eu não posso. Em primeiro lugar, porque não partilhamos a mesma visão sobre Angola. E, em segundo, porque tenho responsabilidades perante aqueles que acreditam em mim e me têm seguido. Não posso entrar para o Governo do MPLA e abandonar as pessoas.
João Lourenço não o quer como adversário em 2022?
O MPLA todo, incluindo o Presidente João Lourenço, está com medo. E tivemos conversas. Com o Presidente, tenho tido conversas em privado, como amigos, como cidadãos. E percebi isso, directamente.
Tem um “plano B”, agora que o PRA-JA não foi aprovado?
Neste momento, estabelecemos uma estratégia de dois níveis. Vamos continuar a litigar com o tribunal, com um requerimento de confirmação de fundamentação ou iniciando um processo judicial contra o Tribunal Constitucional junto do Tribunal Supremo por violação dos direitos de cidadania e falta à verdade. Entretanto, já temos vindo a estruturar a nossa alternativa há muito tempo. Temos noção clara de que, com PRA-JA ou sem PRA-JA, em 2022 vamos participar nas eleições gerais. O que vamos fazer é só acelerar o processo de estruturação dessa alternativa, que já existe.
Que alternativa é essa?
Decidimos que, enquanto não terminarmos os acertos, não anunciamos. A única coisa que dizemos é que vai haver participação porque já temos alternativas.
Vai procurar um partido já existente para concorrer às eleições?
Em Angola, neste momento, existem a máquina do MPLA, a máquina da UNITA e a máquina do PRA-JA. Obviamente, há partidos que estão interessados em poder usufruir da máquina do PRA-JA, mas temos de ter uma base, não diria ideológica, mas uma base de valores, de princípios, de propósitos comuns. Não é só juntar por juntar. É mais uma questão de termos uma identidade próxima e de fazermos os acertos.
O seu objectivo são as eleições gerais de 2022?
O nosso objectivo é participar e contribuir para a evolução do processo democrático de Angola, de modo a tirar o país da indigência e os cidadãos do sofrimento e da pobreza. Se tivermos de ganhar, ganhamos. E governamos. Provavelmente, temos melhor visão sobre o futuro de Angola que o MPLA. São 45 anos com o MPLA no Governo e Angola é um país onde a maioria da população é pobre.
O que é que Chivukuvuku e o PRA-JA poderiam dar a Angola?
Angola não é uma coisa abstracta, Angola são as pessoas, os 30 milhões de angolanos, e qualquer projecto de governação tem que ter em consideração a realização desses angolanos. A ideia que se tem de que a riqueza de Angola é o petróleo, são os diamantes, é uma falácia. Tudo isso são recursos esgotáveis. Agora, os cidadãos angolanos são um recurso inesgotável. Todo o projecto de sociedade tem de se virar para a realização das pessoas e em primeiro lugar tem de estar a educação, a viabilização de Angola tem de passar pela formação.
O MPLA teve sempre uma espécie de insensibilidade para com a pessoa humana. Em menos de dez anos, Angola perdeu cerca de 100 bilhões [100 mil milhões] de roubalheira que podiam ter servido para alavancar essas pessoas com educação, saúde, emprego e perspectivas de realização de vida. Não faz sentido nenhum sermos um país potencialmente rico, mas com a maioria da população pobre.
Durante a década das vacas gordas (de 2004 a 2014) — em que houve uma combinação de dois factores extraordinários, a nossa produção petrolífera quase duplicou num momento em que nos mercados internacionais o preço do petróleo subiu — houve desperdício, mas, ao mesmo tempo, foi surgindo uma classe média — minoritária, incipiente. Essa classe média voltou outra vez para a pobreza. Foi uma década perdida?
Uma década desperdiçada — tivemos recursos, mas houve maus investimentos e desperdício. Não faz sentido fazer um aeroporto internacional no Léua, Moxico, no Leste do país, onde nem sequer os voos domésticos vão. Construiu-se lá um aeroporto internacional só para fazer uma cimeira entre o Presidente José Eduardo dos Santos e os Presidentes da Zâmbia, da RDC [República Democrática do Congo] e da Namíbia. Foi a única vez em que lá foram os aviões. Tivemos oportunidades
Com José Eduardo dos Santos, tal como agora com João Lourenço, o que querem é cooptar-me para o Governo que desperdiçámos. Há que encontrar uma fórmula diferente de governação, com sensibilidade e visão.
Tem uma manifestação marcada para amanhã. É uma expressão de força do PRA-JA?
Desde 2019 que venho sendo pressionado pelos cidadãos para irmos para a rua. Sempre tive prudência para não enveredar por esse caminho, porque acreditei que podíamos, por via legal, fazer as coisas. Neste momento, estamos num nível de exaustão em que já não aceitamos mais esse abuso de poder por parte do MPLA. E é por isso que convoquei a manifestação, para demonstrar que temos cidadãos connosco, que dariam para fazer três ou quatro partidos.
Vai fazer a manifestação mesmo com as restrições em vigor por causa da covid?
Os direitos de cidadania não deixam de existir por causa da pandemia. É discutível se o decreto do estado de calamidade que o
Presidente exarou é legal do ponto de vista constitucional, mas, de qualquer maneira, vamos exercer os nossos direitos de cidadania. É verdade que recebi muitas ameaças, nomeadamente, de que posso vir a ser baleado no sábado, e mandei dizer que não tenho medo. Eu não tenho medo, já fui baleado várias vezes aqui em Luanda pelo MPLA.
Não é bem isso que me assusta. O meu número quatro na organização, Isaías Sambangala, foi baleado este fim-de-semana, o carro em que seguia foi atingido por cinco balas, e eu percebo que isso é mensagem para mim, uma tentativa de dar substância a essa ameaça. Felizmente, por vontade de Deus, saiu ileso. É preciso que o MPLA perceba que não é por via da violência que se realizam as sociedades. Eu fui baleado em 1992, fui baleado em 1998, mas não é por causa disso que vou desistir.
No sábado, estarei com os cidadãos para exprimirmos a nossa revolta contra essa tendência de utilizar o poder para excluir e inviabilizar a vida dos cidadãos. Angola ainda não é um Estado democrático, Angola ainda é um Estado em transição para a democracia. E é preciso que nós, cidadãos, lutemos para que possamos ter um dia um Estado democrático e de direito. Vai encabeçar a manifestação? Estarei à testa da manifestação. Apesar das ameaças e apesar do atentado contra o meu colega.
Estamos num nível de exaustão em que já não aceitamos mais esse abuso de poder por parte do MPLA