O Advogado Sérgio Raimundo disse hoje que nunca houve um combate à corrupção em Angola, mas sim uma luta interna no partido do poder, que tem levado ao descrédito do MPLA e contribuiu para destruir empregos e ativos.
Sérgio Raimundo, advogado de um dos arguidos do caso “500 milhões” (o ex-governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe) e defensor da empresária Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos em Angola, entre outros clientes mediáticos, falava hoje à margem de uma iniciativa da Ordem dos Advogados de Angola onde foi feito um balanço dos primeiros seis meses de mandato da nova direção, liderada por José Luís Domingos.
“Em Angola não há nenhum combate à corrupção, o que está a acontecer em Angola é uma luta entre dois grupos dentro do mesmo partido que sustenta o Governo [MPLA], isto é, aqueles que ontem estavam no poder e os que hoje estão no poder, entre aspas, porque sempre estiveram todos lá. Só que esse segundo grupo que está hoje no poder acha que comeram menos em relação aos que estavam lá ontem, que comeram mais”, disse o advogado.
Desde que se tornou Presidente, João Lourenço, que exerce atualmente o seu segundo mandato, elegeu como bandeira o combate à corrupção, levando figuras próximas e familiares do seu antecessor, José Eduardo dos Santos, visados em processos judiciais, a queixarem-se de perseguição e da seletividade da justiça angolana.
Segundo Sérgio Raimundo, aquilo a que se assiste é a uma “guerra interna para transferir a propriedade dos bens que os outros acumularam, das suas esferas jurídicas para esferas jurídicas da nova elite”, incluindo “a venda de bens apreendidos ao desbarato, com pouca transparência”.
“Amanhã vamos todos descobrir que estão na esfera jurídico-patrimonial daqueles que hoje estão a governar o país”, insinuou.
O advogado disse também que a forma como o combate à corrupção foi conduzido contribuiu para a destruição de empregos e desvalorização de ativos e que a falta de estratégia no combate à corrupção fez com que o resultado seja “desastroso”, acrescentando que “as pessoas têm que ser humildes e ter capacidade de aprender” para corrigir essa situação.
Questionado sobre a forma como a luta interna pode afetar as próximas eleições gerais, que se realizam em 2027, salientou que “o MPLA caiu num descrédito total”, lembrando que o partido que governa Angola desde a independência, em 1975, perdeu o principal bastião político, Luanda, para os adversários da UNITA nas últimas eleições.
“Isso aí não pode ser ignorado. Você tem bairros de Luanda hoje, que eram um coração do bastião do MPLA em Luanda, em que um militante do MPLA não pode entrar lá com a camisola do MPLA”, destacou.
Sobre 2027 disse esperar “que o pior [a derrota do MPLA] não venha a acontecer (…) e, em segundo, que ninguém deseja, é que o povo um dia se farte dessa confusão toda e se levante”.
O advogado fez uma avaliação “péssima” da justiça angolana, afirmando que o que se tem vindo a assistir “não engrandece” nem o país nem a justiça, que considerou “a última reserva moral de uma sociedade”.
Salientou, por outro lado, que, se se mantiver a atual imagem, “dificilmente as pessoas vão acreditar nas instituições” e Angola terá mais dificuldade em atrair investimento, porque “não há segurança jurídica” no país.
Para Sérgio Raimundo, “o problema de Angola está no sistema que está plasmado na Constituição”, pelo que o país precisa de uma reforma do Estado que comece por uma revisão profunda da Constituição.
Em causa, disse, estão questões como o funcionamento dos órgãos de soberania e o modelo de governação em que todos os poderes estão concentrados numa só pessoa.
“Enquanto isto permanecer, vai ser difícil falarmos de desenvolvimento do país, no desenvolvimento das instituições democráticas, da sua consolidação e afirmação”, resumiu.
Para o advogado, o próprio sistema presidencial que está consagrado na Constituição é “atípico”, pois o titular do poder executivo deveria prestar contas diretamente aos deputados da Assembleia Nacional.
“Quando não há prestação de contas, abre-se aqui um campo para especulação, para tudo mais alguma coisa”, enfatizou.
Considerou, por isso, que o combate à corrupção teria de começar por uma revisão da Constituição.
“Não sou contra o Presidente João Lourenço. Qualquer cidadão que for exercer as funções de Presidente da República neste modelo atual vai ter o mesmo resultado. Vai fazer igual ou pior”, sublinhou.
Sobre as divergências entre o Tribunal Supremo e o Tribunal Constitucional relativas ao caso “500 milhões”, que envolve um dos filhos do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, escusou-se a pronunciar-se sobre o caso, lembrando ser representante de uma das partes.
Raimundo disse que a última instância da justiça é a do Tribunal Constitucional “e, portanto, as decisões do Tribunal Constitucional devem ser de cumprimento obrigatório”.
Na semana passada, após o Tribunal Constitucional ter declarado a inconstitucionalidade do acórdão que condenou José Filomeno dos Santos “Zenu” e outros três arguidos por violação dos princípios da legalidade e do contraditório e de um julgamento justo, o Tribunal Supremo decidiu manter a condenação, por concluir que “as inconstitucionalidades suscitadas em sede de recurso ao Tribunal Constitucional (TC) estão devidamente expurgadas”.