Suspensão de emissões de televisão em Angola e incêndio à redacção do Canal de Moçambique, citados como exemplos de ataques à imprensa e jornalistas
Jornalistas e meios de comunicação nos países das regiões Oriental e Austral da África sofreram ataques crescentes no último ano, apesar do papel importante da imprensa na divulgação de notícias durante a pandemia da Covid-19 e outras crises na região.
A conclusão é da Amnistia Internacional (AI) num comunicado divulgado nesta segunda-feira, 3, Dia Mundial da Liberdade da Imprensa, no qual aponta que esse retrocesso acontece quando é maior a necessidade de acesso à informação.
“O que testemunhamos no ano passado, no que diz respeito aos meios de comunicação e liberdade de imprensa, só pode ser descrito como um período mau”, escreve Deprose Muchena, director da AI para a África Oriental e Austral.
“Em toda a região, trabalhadores da imprensa foram demitidos, estações de televisão suspensas ou encerradas, imprensa privada foi atacada e jornalistas foram intimidados, num duro golpe contra o direito à liberdade de expressão e acesso à informação”, segundo Muchena, para quem “este ataque flagrante ao jornalismo independente em toda a região envia uma mensagem assustadora de que a crítica e a revelação de verdades incómodas não serão toleradas”.
Para a AI, os Governos na região “devem parar com esse retrocesso da liberdade da imprensa e garantir que os profissionais da imprensa estejam seguros e protegidos para fazer seu trabalho”.
Deprose Muchena enfatiza que “uma imprensa vibrante, independente e livre é a pedra angular de qualquer sociedade livre porque permite o livre fluxo de informações e ideias que constroem os países”.
Angola e Moçambique
No relatório, a organização de defesa da liberdade e direitos humanos apresenta como exemplo a decisão do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MINTTICS) de Angola de suspender as licenças de três canais de televisão, que resulta na perda de centenas de postos de trabalho”.
“As três empresas de comunicação foram surpreendidas com a suspensão das licenças, por alegarem não terem recebido informação prévia ou notificação de qualquer procedimento administrativo contra elas”, até ao passado dia 19 de Abril, acrescenta a AI.
O incêndio na redacção do semanário independente Canal de Moçambique em Agosto de 2020 é referido como “um ameaça à liberdade da imprensa em Moçambique”.
A destruição das instalações e equipamentos por um grupo de desconhecidos que até hoje não foi descoberto nem levado à justiça ocorreu, como lembra a AI, “quatro dias depois de o jornal publicar uma reportagem investigativa que revelou aquisições alegadamente anti-éticas por indivíduos com fortes ligações políticas e altos funcionários do Governo, no Ministério dos Recursos Minerais e Energia, em negócios com empresas de gás natural em Cabo Delgado”.
Violações em toda a região
Outros países também são citados no comunicado, como a Somália, onde “os jornalistas enfrentam um ambiente de trabalho cada vez mais repressivo”.
Segundo a AI, profissionais da imprensa “foram espancados, perseguidos, ameaçados, submetidos a prisões arbitrárias e intimidados pelas autoridades, incluindo polícias, militares e outros funcionários do Governo, que restringiu o acesso às informações”.
Em 2020, três jornalistas foram mortos na Somália pelo grupo armado al-Shabaab e por outros indivíduos não identificados.
No Madagascar, as autoridades proibiram todas as estações de rádio e programas audiovisuais “susceptíveis de ameaçar a ordem e segurança públicas e ameaçar a unidade nacional”, mas, devido à pressão popular, a legislação foi substituida por outro decreto “que obriga as estações de rádio e programas de televisão a apresentar e manter uma ‘carta de compromisso’ com o Ministério responsável pelas comunicações em troca de ir ao ar” e probiu programas que podem “ameaçar a ordem e segurança públicas, danificar a unidade nacional ou encorajar a desobediência civil”.
Por seu lado, na Zâmbia, as autoridades ordenaram o cancelamento da licença de transmissão do canal de notícias de televisão independente Prime TV, depois de a emissora supostamente ter-se recusado a transmitir as campanhas de consciencialização pública sobre a Covid-19, devido às dívidas do Estado para com ela.
No Zimbabwe, a AI diz que as forças de segurança usaram as restrições como pretexto para justificar o assédio e a intimidação de jornalistas e outros trabalhadores dos meios de comunicação.
“Pelo menos 25 jornalistas foram agredidos e presos arbitrariamente” e frequentemente, os profissionais da imprensa foram “obrigados a apagar os seus vídeos ou fotos sem um motivo válido”.
Burundi na contramão
Entretanto, em sentido contrário, a AI destaca o que classifica de “desenvolvimentos positivos” no Burundi.
A AI congratula-se com o perdão presidencial concedido a quatro jornalistas condenados a dois anos e meio de prisão, alegadamente por ameaçar a segurança do Estado e a reabertura da rádio Bonesha FM em Fevereiro.
A AI sublinha que as autoridades devem fazer mais do que defender a liberdade de expressão da boca para fora.
“Elas devem proteger os jornalistas, garantir a liberdade da imprensa e oferecer um caminho para a correcção dos jornalistas cujos direitos foram violados”, conclui o comunicado do director da AI para a África Oriental e Austral Deprose Muchena.