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Angola: “5 décadas é muito tempo e não dá para esperar as coisas mudarem por si” – Marcolino Moco

Escrevi e li o texto que se segue, no “Chá de Domingo” do Eng. António Venâncio, no passado dia 15 deste mês de Agosto.

Houve um pequeno incidente. Um “chaísta”, não gostou nada que se tivesse traduzido “azar” por “kuxixima”, tradução que eu retirei do YouTube da canção de Nick e que confirmei no dicionário “Português-Kimbundu-Kikongo”, do Padre António da Silva Maia. No entanto, muitos “chaístas”, incluindo o nosso grande Dom Caetano, acharam a tradução aceitável, embora admitissem outras alternativas. Deve ser mesmo um problema de variantes do kimbundu. Talvez Luanda vs Ambaka vs Malange vs Katete, não sei. Bom foi mesmo que os meus amigos prometeram continuar a dar-me aulas de kimbundu, sem pagar nada. Eles sabem que não sou maribondo. Muito menos caranguejo rsrsrsrsrsr ….

Quanto ao conteúdo, houvesse tempo e eu o alteraria, especialmente, na parte que diz respeito a como poderíamos fugir do Kuxixima Kwetu, onde refiro que o PR poderia ser ainda o nosso comandante nessa possível salvação. Com a nomeação, ontem, da nossa novel Presidente do TC, membro do BP do CC do “glorioso MPLA”, corolário da ressurreição de todos os deuses que pareçam já enterrados com o Bajulação, o Ordens Superiores, etc., etc., não vou nomear os outros por falta de espaço, só se pode se pode pensar nas alternativas subsequente: o próprio MPLA, a oposição e a sociedade civil, juntarem-se, para tentarem negociar com o nosso “Odiango”. Convencê-lo que isso chega para todos.

Eis o texto:

‘Pequena teoria do azar angolano e nossas possibilidades de fuga

Eu já tinha dado este título a este texto que quis escrever para não divagar muito e falar à toa, neste momento tão delicado que parece conduzirmos a novos precipícios.E, a providência existe, calhou aparecer-me um vídeo daquela canção de Nick, devia ser dos anos 80, “Tia”. Aí, dizia ele a cantar, naquele jeito da canção tradicional urbana kimbundu, ritmo animado com letra triste, “Tia, kudile kiavulu, kubanze kiavulu, etu twangola twaxixima” (tia não chores e não penses tanto que nós os de Angola somos azarados).

Muitos artistas são autênticos profetas. Aqui Nick foi um verdadeiro profeta. Como o poeta Rui Duarte de Carvalho que já nessa altura, alguns anos apenas depois da Independência, com “esperanças” ainda não tão “idosas” dizia: “olha-me este país a esboroar-se em bolas de salitre”. Há tempos, ao tentar explicar quem é o “Ordens superiores”, eu já dizia em Umbundo: Odiangu, azar, afinal kuxixima, em kimbundu.

Não interessa se ele (este azar) é orgânico e por isso, como os partidos políticos que ele utiliza como chapas, também se renova na continuidade ou se é apenas um ciclone não palpável que incarna a mente dos que mandam no país, nas mais diversas fases da sua história, tendendo sempre a desviar-nos para o precipício. Mas que ele existe, existe mesmo.

Foi ele que nos levou para uma independência, a 11 de Novembro de 1975, em que quem que chegasse ao poder, por qualquer meio, proclamar-se-ia fundador de uma nação só baseada na ideologia do seu partido. Que vários anos depois, quando se tentou corrigir o tiro, empurrou-nos para uma guerra de mais dez anos. Estes terminados, ofereceu-nos o palco desolador da licença para o enriquecimento despudorado de uns poucos contra a miséria e a mendicidade de muitos.

Descansemos então no fim de quinze anos de demolidora ganância, eis que o kuxixima kuetu nos oferece um quadro de breve renovação de esperanças, hoje praticamente já mortas, quando, aparentemente, os insatisfeitos com a parte que lhes coube, do faustoso banquete que não parece terminado, aplicam nomes de animais aos supostos mais abastecidos da outra era e se entretém a castigar este últimos, em vez de se dedicarem ao fortalecimento e independência das instituições e à minimização da fome e da miséria de muitos.

Acerca do que se passa no norte de Moçambique, ainda ontem disse o Papa Francisco (mais ou menos isso): não se conte com a unidade de um país, onde se promova o ódio e a vingança. Muitos de vós aqui já leram ou devem ler o que dizem Acemoglu e Robinson (estão na moda), em “Porque falham as Nações”. Nunca haverá soluções para o desenvolvimento em países com sistemas que se fecham permanentemente e usam da exclusão como método de funcionamento das instituições. É o que o kuxima nos trouxe de novo, depois da pequena “primavera Lourencista” (palavras de Reginaldo Silva), entre 2017 e 2019 (mais ou menos): Presidência da República com todos os poderes possíveis e imagináveis (autarquias fora de todos os sonhos); Parlamento de forçada maioria qualificada que pouco atende a limites de ordem ético-moral e até constitucionais, se for necessário; poder judicial comandado pelo executivo e pelo partido no poder até à exaustão; comunicação social pública (a mais relevante) alargada, com alguns programas directamente comandada pelo “Ordem superior”; partidos políticos extintos, mortos à nascença ou ameaçados na sua sobrevivência quando não se submetem às regras do status quo; sociedade civil submissa e suas figuras proeminentes desmoralizadas quando não mesmo  submetidas ao risco de passar a fome, caso não aceitem trocar prebendas e sinecuras pelo silêncio e o louvatório.

E há quem diga que não vale a pena nos preocupar com isso, porque todos países passam ou passaram por isso. Não. A caminho de quase 5 décadas de independência é muito tempo e já temos uma elite experiente para não esperarmos que as coisas mudem por si. Não esperemos por mais revoluções que então deixariam isso sem uma pedra sobre a outra. Tenho ouvido dizer que isto é problema da população que ainda não tem cultura política adequada para pressionar que os políticos tomem outro rumo. Não. Então vamos pedir que os políticos sejam educados primeiro, vamos criar institutos de educação sobre: para que serve ser dirigente político num país ainda em construção como Angola. Servir e não empatar tudo para servir-se à custa do Estado. O sudanês-britânico Imo Ibrahim faz bem em premiar líderes como Pedro Pires, Joaquim Chissano ou Festus Mogae, por exemplo, pela forma exemplar como exerceram seus mandatos presidenciais com lisura. Mas talvez seja melhor pedir-lhe que invista numa instituição de formação para líderes africanos. É demais.

Como é que se pode combater, por exemplo, a corrupção, destruindo ou enfraquecendo todos os mecanismos que deviam ser permanentes e autónomos para inibir a impunidade dos crimes de colarinho branco que estão a ter lugar nos dias de hoje?

O que eu esperava do Presidente João Lourenço, quando houve aqueles sinais de aproximação era, justamente, ao contrário do que vejo hoje. Por isso defendi a não necessidade imediata da revisão formal da constituição, percebendo, na altura, que os enormes poderes o ajudariam a elevar-se sobre o nosso kuxixima. Mas, quer tenha sido desencorajado por circunstâncias, quer por vontade própria, tudo voltou à primeira forma. Não estou a falar da fome e da miséria que são consequências, mas da forma desestrada como se procede na gestão da transição dos dois consulados, no plano interno do partido no poder, para acto continuo se passar à luta sem tréguas pela desarticulação da oposição, no âmbito de uma pré-campanha eleitoral que não conhece limites éticos e morais minimamente aceitáveis.

Onde vão aparecer comunicados do partido conotado como o maior paladino da arracialidade a raiar à mobilização da xenofobia e do racismo, porque o maior partido da oposição elegeu como seu presidente um angolano mestiço; como se em pleno século vinte e um não tivesse ainda havido um Jerry Rollings no Gana, um Ian Khama no Botswana ou um Obama nos Estados Unidos. Ou um António Costa, em Portugal. E outro comunicado, agora, a tirar sem rebuços, o véu da subordinação do TC e a maioria dos seus muitos juízes, aos comandos de Sua Excia, o Senhor ordens superiores, motivo de saturação, por certo, do seu Presidente que acaba de renunciar ao cargo, depois de tanta palhaçada a que o submeteram.

Ainda vamos a tempo e não esperemos que o nosso povo amadureça primeiro, do só aplaudir quem lhe dê ou prometa mundos e fundos durante esta louca campanha que promete ser longa e de consequências imprevisíveis. O poder até pode vir conseguir conter certas manifestações de desespero, na base da demagogia e da repressão, mas o Odiango aprofundará ainda mais as nossas desgraças, no fim de mais esta jornada de loucura. A caminho de um desconcerto irreversível de um país, que em 1973/4, imediatamente antes da Independência, atingiu dos níveis mais altos de desenvolvimento.’

P.S.: Para os mais sensíveis aos erros ortográficos e outros, iremos corrigindo o que está mal. Mas de verdade mesmo, rsrsrsrss….

Eu termino repetindo aqui o venho dizendo, particularmente, desde um pouco antes das eleições 2012: não façamos de eleições uma questão de vida ou de morte. Façamos antes um pacto de regime em que fique claro que perder ou ganhar eleições não é nem o princípio nem o fim de tudo. Mas isso é mais profundo do que o simples distribuir de pastas ministeriais ou lugares nos conselhos da administração das grandes empresas. É criar condições de estabilização nacional em que depois das eleições ninguém se preocupe em saber de que partido somos, se defendemos este ou aquele líder, dentro dos nossos partidos, se os tivermos. Quem está em melhor condições para mobilizar o país, depois de convencer o Kuxixima que tudo chega para topos, é o Presidente da República pelos poderes que possui, pelos meios e tempo ao seu dispor.

 “Na segunda linha vem o próprio MPLA, que até ao momento, deixou a questão da devolução do poder ao Povo pelo meio; por isso ainda se diz, na letra e no espírito que o MPLA é o Povo e o Povo é o MPLA; para isso os militantes activos do MPLA, não devem limitar-se a aplaudir integralmente todos os discursos e sobretudo todas as atitudes do líder”.

Na terceira linha vêm os partidos políticos, que devem puxar para aquela direcção, embora se entenda a necessidade do tempo que têm de dispender para a mobilização para o voto e para a alternância que se impõe como o transcurso das águas de um rio. Na terceira linha, a sociedade civil que se deve organizar, pressionando nesse sentido. E não extremar ainda mais as partes de um jogo destrutivo.

 

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