A economista Juliana Evangelista considera que não basta haver riquezas para o país atrair investimento estrangeiro. Conforme defende, deve ser ponderado um conjunto de aspectos que são tidos em conta pelo investidor no processo de decisão de investimento, desde já, melhoria das infra-estruturas, ambiente de negócio, e os esforços para a estabilização das variáveis macroeconómicas, ou seja reduzir o individamento público para níveis inferiores a 50 por cento do PIB de casos agudos individuais e massivos .
Porque se diz que a economia de Angola é informal?
A economia angolana não é informal. É uma economia com excesso de informalidade na medida em que o sector informal representa entre 40 a 60 por cento do total da economia. É um peso excessivo e resulta da fraca capacidade do sistema económico em gerar um nível de eficiência que permita melhorar significativamente a combinação dos factores de produção e criar riqueza capaz de gerar bem-estar económico e social aos cidadãos. Por exemplo, num contexto recessivo, como o actual, existem poucas oportunidades de trabalho no sector formal porque a economia não cresce a um ritmo que permita absorver o nível de desemprego existente, cerca de 30 por cento da população economicamente activa, assim, as pessoas recorrem ao trabalho informal para obterem renda para a sua subsistência. Portanto, a economia informal “é um mal necessário” porque vem colmatar alguns problemas sociais. O que é nefasto é o excesso da informalidade e o ritmo descontrolado que o fenómeno apresenta.
O que é a economia informal e como identificá-la?
É aquela em que as actividades comerciais são exercidas de forma ilegal e os rendimentos obtidos, seja na produção de bens e serviços, seja a partir de transacções monetárias, não são declarados. Conseguimos identificá-la porque em regra são actividades exercidas à margem do cumprimento das normas estabelecidas por lei, como por exemplo o trabalho ilegal, venda de produtos e serviços em estabelecimentos não autorizados, venda ambulante, venda de rua, contrabando, tráfico de armas, serviços domésticos pagos sem contrato de trabalho, trabalho caseiro ou a partir de casa, comercialização de divisas “Kinguilas”. No entanto, só podem ser formalizadas aquelas actividades informais que a lei permitir.
Como vencer a informalização?
É importante referir que o mercado de trabalho formal aquece o PIB, enquanto que o mercado de trabalho informal arrefece. Porque no sector informal todo o volume de negócio gravita sobre a economia, não concorrendo para a contabilização do Produto Interno Bruto, nem para arrecadação de impostos, etc. É certo que num contexto recessivo, é muito difícil conter-se o crescimento do trabalho informal, uma vez que o grande desafio da reconversão é transformar todos os indivíduos desempregados, marginalizados, pobres e desfavorecidos em empreendedores. Nesta perspectiva, dentre um conjunto de soluções que podem concorrer para reverter esse quadro, cabe destacar a simplificação da estrutura regulatória para as PME’s e microempresários e a alteração das políticas públicas de educação que devem dar prevalência formação profissionalizante tendo em vista a melhoria dos níveis de qualificação profissional do cidadão, de modo a garantir uma maior inserção no mercado de trabalho formal, assim, é imprescindível capacitar (por via da formação profissional); formalizar agentes económicos e micro-empresários e assegurar o acesso a microfinanciamentos com acesso a diversos programas de financiamento e ao microcrédito.
Nos estudos que tem dedicado ao tema, o que realmente destaca e fundamenta a força e peso da economia informal no país e em África no geral?
Não podemos analisar a economia africana sem olharmos para o contexto histórico e a realidade específica de cada país. 50 anos são passados das independências, e salvo algumas excepções, grande parte desses países apresenta hoje os mesmos problemas estruturais – obsolescência da infraestrutura, fraca qualificação da mão-de-obra, fragilidade do tecido empresarial, etc. A este quadro associa-se a implementação de políticas económicas desajustadas que justificam o actual atraso económico do continente. Para além do desemprego que é um factor catalisador da informalidade, creio que a fraca qualificação dos trabalhadores informais e incapacidade dos Estados em garantir a requalificação profissional desses agentes são as forças que justificam a consistência do fenómeno. A informalidade só por si não é nenhum problema, o que é adverso é a extensão que apresenta, e a tendência de crescimento num contexto generalizado de recessão.
Quem e o que mais tem contribuído para os níveis altos de informalização do país?
Penso que a maior contribuição para os níveis de informalidade decorre do binómio – baixa qualificação do capital humano e incapacidade da economia em gerar postos de trabalho suficientes para empregar a população economicamente activa, resultando em desemprego. Quando o cidadão está desempregado, está propenso a ingressar no sector informal de forma a obter rendimentos para subsistência do agregado familiar.
Faça-nos uma caracterização dos últimos 10 anos?
Muitas pessoas e pequenas empresas que operam no sector informal representam mais de 80 por cento do emprego total os seus participantes e são vulneráveis mesmo em condições normais. As empresas informais dependem fortemente de familiares e agiotas para capital circulante, deixando-os expostos a interrupções repentinas de renda. Essas empresas constituem 72 por cento das empresas no sector de serviços. Os trabalhadores informais são predominantemente mulheres, e, geralmente, são jovens e pouco qualificados. A característica da mão-de-obra é fundamental para compreender o fenómeno quando perdem seus empregos ou sofrem graves perdas de renda, eles muitas vezes não têm recurso a redes de segurança social. Entretanto, o Governo angolano reforçou a formalização da rede de mercados nacionais num amplo programa de reestruturação da rede de abastecimento comercial, PRESILD, o Programa de Reestruturação do Sistema de Logística e de Distribuição de produtos essenciais à população.E por outro lado, no âmbito do Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017, foram implementadas várias iniciativas de formalização dos agentes económicos informais, de forma a tornar a economia mais competitiva – (Programa de Reconversão da Economia Informal).
Qual seria o cenário em previsão para os próximos cinco anos?
A previsão para os próximos cinco anos irá depender das estratégias adoptadas com base no processo de reconversão. Sou de opinião que as estratégias de combate à informalidade passem pela definição de metas de curto, médio e longo prazos, que permitirá reduzir gradualmente o excesso de informalidade. Portanto, podemos definir uma meta de redução de informalidade, mas tudo irá depender da retoma, e das reformas estruturais a serem implementadas com alcance na fiscalidade, privatizações e melhoria do ambiente de negócios etc.
Às vezes temos alguma dificuldade se abordamos a informalização ou a formalização da economia. Em termos de conceitos, uma implica necessariamente a outra?
A economia informal é uma extensão importante de qualquer economia, na medida em que grande parte da iniciativa empreendedora mesmo em países desenvolvidos começa no sector informal. O que é prejudicial é o excesso de economia informal, se um determinado Estado não tem capacidade de formalizar grande parte das suas iniciativas e se o sector informal estiver a crescer excessivamente não pode haver uma economia desenvolvida, porque estas actividades informais não são tributadas, estando à margem das leis de concorrência, ou seja enfraquecerá a economia como um todo. A economia informal nunca será extinta na sua totalidade, mais é preciso controlar e formalizar ao máximo as actividades informais consideradas legais.
Podemos ser bem sucedidos com a formalização deixando com o sector privado a liderança da economia e dos factores produtivos, atendendo a nossa realidade?
Sim. Estou de acordo. A história demonstra que a economia de mercado continua a ser o modelo mais eficiente, os mercados são imperfeitos, não resolvem todos os problemas da humanidade, porém, ao serem desenvolvidos podem trazer mais benefícios do que problemas. O fortalecimento do sector produtivo nacional e a liberalização de alguns sectores de actividade, e um forte programa de reconversão, poderão trazer benefícios significativos, elevando o bem estar económico e social dos cidadãos.
O salário mínimo facilita ou dificulta as actuais iniciativas de combate à informalidade?
Os cidadãos que beneficiam de um salário mínimo têm menos poder de compra para sustentarem os seus agregados familiares, e como consequência procuram reforçar as fontes de receitas desenvolvendo actividades no sector informal. Nesta perspectiva, com o salário mínimo baixo, que não satisfaz as necessidades básicas do cidadão, é certo que é um factor que propiciará a informalidade.
Como encara a perspectiva fiscal ou tributária que na maioria dos casos acompanha as abordagens da promoção da formalização da economia angolana?
O quadro fiscal actual ainda está em desenvolvimento, e permite vislumbrar a curto prazo uma justiça distributiva mais efectiva, na medida em que há maior alargamento da base de contribuintes naquilo que é a formação das receitas fiscais. No âmbito da promoção e formalização da economia, a implementação do IVA (Imposto de Valor Acrescentado) é certamente uma política fiscal mais inclusiva e dinâmica que permite controlar a faturação das empresas, e desta forma, estamos a caminhar para um sistema fiscal moderno, que contribuirá certamente para o aumento da competitividade da economia, permitindo também, captar impostos em sectores que tradicionalmente não contribuíam.
Face ao cenário de recessão prolongada que Angola vive, o que pode ser visto como solução para relançar-se o desenvolvimento económico interno?
Defrontamos problemas estruturais muito difíceis de ultrapassar, porque não se tomaram medidas em tempo oportuno para debelar os constrangimentos que hoje vivemos, não se fizeram um conjunto de reformas que hoje se tornam imprescindíveis. Não há dúvida que o futuro da economia angolana passa pela internacionalização, ou seja, a integração económica no contexto regional, de forma a aumentar as exportações e os níveis de competitividade. Para já temos que seguir o caminho da recuperação económica, devem ser reforçadas as medidas de reestruturação económica. O relançamento da economia obriga a que o país continue de facto as verdadeiras reformas, quer no que toca ao contexto de negócio que deve ser melhorado, quer no que se refere as reformas sectoriais(diversificação da economia, reforma fiscal, cortes nas subvenções dos combustíveis, reconversão da economia informal etc) no sentido de se liberalizar algumas actividades, por via de uma participação mais expressiva do sector privado. Por outro lado, continuar a incrementar a produção interna de forma a que a produção agrícola nacional possa abastecer, numa primeira fase o mercado interno, e posteriormente, servir para a exportação.
O OGE ainda continua preso à dívida interna e externa, e agora mais afectado pela Covid-19. Tudo isso agrava as perspectivas no curto prazo ou há alternativas reais para reanimar-se o mercado nacional?
A actual situação é realmente difícil. Com um nível de endividamento de cerca 120 por cento do PIB é insustentável em qualquer circunstância, enquanto não tivermos um nível de divida de 50 a 60 por cento do PIB, não seremos financiados autonomamente, irmos aos mercados captar linhas de financiamento mais interessantes para financiar as empresas e fazer crescer a economia. O dilema é o seguinte- com a divida ao nível em que se apresenta, não teremos recursos para pôr a economia a crescer, tudo que gerarmos será para abater a divida e não para financiar a economia. O peso significativo do endividamento público dificulta a reanimação do sector produtivo, e por este facto a recuperação poderá ser lenta.
Como vê o Programa de Privatizações?
Um dos problemas estruturais da economia angolana relaciona-se com o peso excessivo do Estado na economia, com um sector privado reduzido, e várias empresas públicas ineficientes. Sou de opinião que as privatizações devem ser vistas caso a caso, o facto de ser uma entidade estatal, não significa a priori que seja uma empresa ineficiente. Ou seja, há empresas públicas que não devem ser privatizadas, principalmente as que estão em sectores estratégicos, por funcionarem como mecanismos de promoção de desenvolvimento, ou garantirem, sob controlo do Estado, um serviço público essencial, pouco que por vezes requer investimentos muito elevados, e apresentam retorno lento, sendo por isso pouco atractivas para iniciativa privada. Por conseguinte, em actividades não estratégicas, será de todo urgente que o Estado abandone a actividade e privatize essas unidades. Mais do que privatizar é importante que haja boas políticas de regulação e concorrência, e que os processos de privatização ocorram de forma transparente, criem valor, e garantam o interesse das partes interessadas numa economia que se quer aberta e concorrencial.
E quanto aos subsídios aos combustíveis e outros?
A subvenção dos combustíveis tem sempre impacto acrescido nas despesas do Estado. Relativamente ao consumidor terá sempre um efeito de contaminação automático no aumento do poder de compra do consumidor. Num período de crise que o país enfrenta, é de todo pertinente que se efectue o corte no subsídio dos combustíveis, e acreditamos que o impacto do reajuste do preço do gasóleo e da gasolina dependerá do nível de reajuste dos preços dos combustíveis e não creio que o reajuste possa provocar distorções na economia.
Qual a sua opinião com a intervenção do FMI na economia angolana?
O pedido de ajuda das autoridades Angolanas ao Fundo Monetário Internacional (FMI) decorre da necessidade de fazer face à evolução económica mais recente, com vista a facilitar a implementação de políticas e reformas económicas definidas no Programa de Estabilização Macroeconómica. Ou seja, para suportar o Programa de Estabilização Macroeconómica e o Plano Nacional de Desenvolvimento o Governo Angolano recorreu a assistência técnica e financeira do FMI num contexto de crise económico-financeira. Foi uma decisão muito acertada, na medida em que o país tem acesso a financiamento com taxas de juros mais baixas, e beneficia de assistência técnica no âmbito do Fundo Monetário Internacional. Nesta perspectiva, esperam-se melhorias nos seguintes domínios: Aceleração da diversificação da economia; maior rigor na gestão de recursos; maior atenção especial às assimetrias no desenvolvimento das diferentes regiões do país; apoio financeiro externo; corte dos subsídios aos combustíveis; maior liberdade na venda de divisas aos cidadãos e às empresas para fazerem face a despesas no exterior, são oportunas e acertadas para vencer a crise, porque são acções que visam reduzir custos do Estado, aumentar a capacidade de produção interna e projectar para exportação, desenvolvimento em outras regiões do país. Com este esforço aumenta-se a receita tributária não-petrolífera e a optimização da receita pública.
Os resultados fazem-na mais confiante e favorável a continuidade para os próximos anos?
Apesar do efeito nefasto que a pandemia da Covid-19 trouxe a economia, penso que o resultado do programa de assistência técnica e financeira do FMI, será benéfico ao país e pode justificar a continuidade para os próximos anos, uma vez que tem havido o cumprimento das medidas contidas no programa.
Já traçou alguma vez Angola sem petróleo nem diamantes? Qual foi a saída?
Sim, já fiz este exercício. O futuro da economia angolana passa pelo desenvolvimento da Agro-indústria e a indústria do ambiente e turismo.
O que falta para trazermos nessa terra de enormes potenciais os investimentos internos e externos privados de que necessitamos?
Não basta haver riquezas para o país atrair investimento estrangeiro. Deve ser ponderado um conjunto de aspectos que são tidos em conta pelo investidor no processo de decisão de investimento, desde já, melhoria das infraestruturas, ambiente de negócio, e os esforços para a estabilização das variáveis macroeconómicas, ou seja reduzir o individamento público para níveis inferiores a 50 por cento do PIB; acelerar as reformas que vêm sido implementadas; melhorar as condições macroeconómicas; tornar a economia mais aberta ao capital estrangeiro. Quanto aos investimentos internos e externos, necessitamos de reforçar as estratégia de desenvolvimento de um conjunto de áreas prioritárias, designadamente, turismo, agro-indústria, energia, e o restabelecimento da rede de logística e de distribuição.
PERFIL
Nome: Juliana de Fátima Evangelista Jesus Ferraz
Estado civil: Casada
Filhos: Três (3)
Uma Frase: Crises são situações difíceis, desafiantes e constantes em todo o percurso de vida
Uma viagem: Japão
Sente-se realizada? Na medida do possível
Pojectos futuros: Estou a trabalhar há algum tempo no meu livro de auto-ajuda que realça os valores necessários para se empreender e sobreviver nas economias contemporâneas
Livro: A Juliana Evangelista é autora do livro “A economia informal”, que resulta da sua tese de doutoramento