Solidários, a generalidade dos africanos tende a partilhar com os familiares, amigos, vizinhos e até simples desconhecidos a sua dor e a sua alegria.
Geralmente, óbitos e festas são acontecimentos vividos não apenas por familiares, mas também por parentes, amigos, vizinhos.
Em 2018, poucos meses depois de ser investido nas funções de Presidente da República, João Lourenço deu uma expressão concreta à solidariedade que caracteriza os africanos. Ele ameaçou romper as relações com Portugal se as autoridades lusas levassem adiante o seu propósito de julgar o antigo vice-presidente angolano, Manuel Vicente, acusado de crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.
De acordo com a acusação, nas vestes de presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Manuel Vicente teria “molhado” as mãos do procurador da República Orlando Figueira, com respeitáveis 760.000.00 euros para que ele arquivasse um processo em que o dignitário angolano era suspeito de haver usado instituições financeiras lusas para disfarçar a proveniência de capitais ilícitos.
À data em que o procurador luso teria recebido o cheque, Manuel Vicente não era vice-presidente da República. Era presidente da Sonangol.
No dia 8 de Janeiro de 2018, o Presidente João Lourenço disse, durante uma conferência de imprensa, que o julgamento de Manuel Vicente em Portugal configuraria uma grave ofensa à Angola, que teria como consequência imediata o corte de relações entre os dois países.
O que ficou implícita na forte posição das autoridades angolanas é a mensagem, popularmente repetida, de que Manuel Vicente seria “nosso ladrão” e só aos angolanos competiria julga-lo.
As autoridades angolanas defendiam que Manuel Vicente não podia ser julgado em solo estrangeiro porque estava protegido por imunidades decorrentes do exercício, por ele, das funções de vice-presidente da República no último mandato de José Eduardo dos Santos. Reclamaram para si o processo, o qual prometeram dar sequência tão logo se esgotassem as imunidades que beneficiam o antigo patrão da Sonangol. Em Setembro do próximo ano, completar-se-ão 5 anos sobre a data em que Manuel Vicente cessou as funções da vice-presidente da República e nessa altura ver-se-á se as autoridades angolanas levarão, ou não, adiante a promessa de sentar o antigo número 2 de José Eduardo dos Santos no banco dos réus.
Nos primeiros dias de Dezembro de 2021, o Departamento de Tesouro dos Estados Unidos impôs sanções aos generais Dino e Kopelipa.
As sanções implicam o congelamento de todos os activos pertencentes ou reclamados pelos dois antigos homens fortes ao tempo de José Eduardo dos Santos.
Num comunicado, o Departamento do Tesouro dos EUA afirma que os dois generais “conspiraram com outros indivíduos angolanos para desviar fundos destinados ao desenvolvimento de projetos de infraestrutura, socorrendo-se da criação de projetos-fantasma”.
Muito próximos do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, Dino e Kopelipa são sancionados “pelo seu envolvimento em corrupção significativa através do desfalque e apropriação indébita para benefício pessoal de milhares de milhões de dólares em fundos públicos”.
No texto, o Departamento do Tesouro norte-americano esclarece que as sanções decretadas implicam que “todos os bens e interesses na propriedade das pessoas acima que estejam nos Estados Unidos ou na posse ou controle de pessoas dos EUA estão bloqueados e devem ser informados ao OFAC”, acrescenta-se ainda na note.
Para além disso, “quaisquer entidades que pertençam, direta ou indiretamente, 50% a uma ou mais pessoas bloqueadas, também são bloqueadas”, não podendo qualquer ativo ser transacionado nem beneficiar de contribuições ou fornecimentos de fundos, bens ou serviços envolvendo as pessoas hoje sancionadas.
O Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) também está a designar [para ser alvo de sanções] uma entidade, Baia Consulting, detida ou controlada pelo general Kopelipa e a sua mulher, Luísa de Fátima Giovetty.
Antigos homens fortes de José Eduardo dos Santos, é certo, tanto Leopoldino Fragoso do Nascimento (Dino) quanto Manuel Hélder Dias Júnior (Kopelipa), são ambos angolanos e como antigos generais das Forças Armadas Angolanas deveriam (ou deverão) beneficiar de alguma protecção do Estado.
Mas a verdade é que, até hoje, as autoridades angolanas não disseram uma palavra de solidariedade aos compatriotas agora cercados pelos Estados Unidos.
Aliás, Rui Verde, um jurista português que ultimamente tem revelado repetidas “coincidências de pontos de vista” com as autoridades angolanas, diz que as sanções americanas a Dino e Kopelipa só foram impostas “porque o Governo angolano resolveu atuar”.
É paradoxal, mas os dois generais merecem a indiferença das autoridades angolanas.
Como também deveria tê-la merecido e justificado o antigo vice-presidente, Manuel Vicente.
A nossa solidariedade, a nossa comunhão não devem ser irrestritas e extensivas a malfeitores.
Os generais Dino e Kopelipa, bem como o antigo “boss” da Sonangol, não merecem que partilhemos com eles a dor e o sofrimento por que agora passam. Pelo contrário, as autoridades angolanas deveriam dar o melhor de si para o agravamento dos constrangimentos impostos ao duo.
Dino e Kopelipa injectaram no circuito financeiro internacional os fabulosos recursos financeiros que desviaram do nosso erário.
“Distraídos”, sempre julgaram que a sua cotação no “mercado mundial” seria proporcional aos cifrões que desviavam do erário angolano.
Egoístas, a nenhum deles ocorreu que, com uma pequena parte dos fabulosos recursos que roubavam, poderiam construir escolas, postos médicos ou outras infraestruturas para beneficiar os seus concidadãos.
“Distraídos”, a nenhum deles ocorreu que construir e oferecer à comunidade um hospital ou uma escola poderia, de alguma forma, “lavar” o dinheiro que roubavam.
Não há muito tempo, um desses generais percorreu o mundo inteiro à procura de cura para um filho atingido pela hidrocefalia. Não obstante os milhões que empatou, perdeu a guerra.
Se fosse menos egoísta e exibicionista, o desolado pai teria se inspirado na própria experiência pessoal para construir e doar à comunidade um hospital especializado em hidrocefalia. E assegurar-lhe o devido e necessário patrocínio financeiro. É assim que procedem milionários de outras paragens do mundo.
A generalidade dos ricos de países do chamado primeiro mundo destina, quase sempre, parte das suas fortunas a causas sociais.
Uma das maiores fortunas do mundo, Bill Gates destina parte do seu dinheiro à campanha de combate à malária em África.
Outros bilionários norte-americanos patrocinam bolsas de estudo, investigações científicas, patrocinam e dão nomes a instituições de caridade.
Entre nós, não é conhecido um único patrocinador individual de instituições como o Beiral ou o hospital da lepra, na Funda.
Deslumbrado com a fortuna caída do nada, o novo (e boçal) rico angolano injecta o dinheiro roubado nos circuitos financeiros internacionais, onde permanece ocioso até cair nas malhas da justiça.
Julgando-se mais esperto do que os outros, Manuel Vicente entendeu que países como Singapura ou Malásia seria esconderijos mais seguros para as fortunas que roubou de Angola. A verdade é que, conhecendo-lhes a origem ilícita, os gestores do dessas fortunas estão a desbasta-las a ritmos crescentes.
Perante a impotência de Manuel Vicente, que não sabe onde, como e nem a quem queixar-se, as contas bancárias que escondeu nos chamados Tigres Asiáticos emagrecem a cada dia que passa.
É verdade que o dinheiro não voltaria aos cofres públicos, mas se milionários como Manuel Vicente, São Vicente, Kopelipa, Orlando Veloso, Isabel, Marta e Zenu dos Santos, Joaquim Sebastião, Higino Carneiro, José Pedro de Morais e outros fossem dados ao altruísmo ou à filantropia, Angola não estaria no primeiro mundo, mas, seguramente, os cofres públicos poderiam ser poupados de alguns encargos.
Se cada um deles destinasse uma ínfima parte do dinheiro roubado para a construção e apetrechamento humano e material de bons hospitais de Oncologia, por exemplo, hoje não andariam – como andam – a “zungar” pelo mundo fora a procura de tratamento para os diversos tipos de cancro que afecta quase todos eles.
Um país com tantos multimilionários, Angola não tem uma única instituição de saúde, de pesquisa científica ou filantrópica com o nome de nenhum deles.
Num país com tanto multimilionário por metro quadrado, contam-se pelos dedos de uma mão – e ainda sobrarão alguns – os empresários que foram capazes de gerar mais do que 1000 postos de trabalho.
Mesmo quando fingiu algum altruísmo, assumindo a presidência da Cruz Vermelha de Angola, Isabel dos Santos usou a instituição para eximir as suas empresas do pagamento de direitos aduaneiros e outras obrigações fiscais.
A miopia dos deslumbrados endinheirados angolanos é de tal sorte que nenhum deles se lembrou de perenizar os seus nomes nos bairros onde nasceram ou nas ruas onde brincaram.
Não temos em Angola uma avenida baptizada com o nome de Manuel Vicente. Mesmo no Rangel, onde se diz que nasceu e cresceu, não há um fontenário, um posto médico, uma escola de artes e ofícios que o milionário tivesse oferecido à comunidade local. O mesmo se passa com os generais Kopelipa, Dino, Isabel dos Santos e outros que ficaram multimilionários sem saber ler e nem escrever…
A Universidade José Eduardo dos Santos deve o nome mais à bajulação do que a qualquer obra do patrono no domínio da educação; o mesmo se passa com o Hospital Ana Paula dos Santos, em Viana. O recauchutado Hospital Sanatório foi reaberto com outras valências, mas também com outro nome, que não é nenhuma homenagem a qualquer registo notável do Arcebispo Alexandre do Nascimento no domínio da saúde. É uma “pomada” à Igreja Católica.
Tal como deveria ter acontecido com Manuel Vicente, o Estado angolano não tem de estender as mãos a quem lhe roubou descarada e despudoradamente.
Pena é que a inépcia da justiça angolana torne irrecuperavelmente perdidos a favor de estrangeiros os fabulosos recursos financeiros que Kopelipa, Dino, Manuel Vicente, Isabel dos Santos e outros roubaram à luz do dia.
Agora que todos esses senhores têm os dinheiros roubados congelados em bancos de países estrangeiros, a pergunta que qualquer anciã angolana lhes faria é: assim está bom?