Sem o alarido e o folclore que normalmente envolvem todos os seus actos, mesmo os mais triviais – como uma deslocação à vizinha cidade do Caxito ou uma proposta de revisão constitucional, rapidamente atribuída a um génio dotado de uma invulgar capacidade de surpreender os adversários – por via do Decreto Presidencial n.º 294/21, de 9 de Dezembro, o Presidente da República aprovou o Estatuto Orgânico da Casa Militar, que, no essencial, concentra no titular da pasta os restos de poder de que se jactavam responsáveis de alguns departamentos ministeriais.
Ou seja, o novo Estatuto Orgânico da Casa Militar do Presidente da República esvazia completamente os Ministérios da Defesa e Interior, bem como os diferentes serviços de inteligência.
Com a coordenação de toda a malha securitária do país atribuída à Casa Militar agora, sim, pode dizer-se que os responsáveis de alguns departamentos só terão acesso ao Presidente da República depois de passarem por cima do general Francisco Furtado.
À luz do seu Estatuto Orgânico são atribuições da Casa Militar do Presidente da República “auxiliar o Presidente da República na formulação, direcção e controlo da execução da política e da estratégia de segurança nacional”, “prestar assistência, assessoria e apoio técnico ao Presidente da República em matéria de defesa nacional, de protecção interior, preservação da segurança do Estado e da preservação complementar da segurança nacional”, “assegurar a ligação, articulação e coordenação institucional com os Órgãos do Sistema de Segurança Nacional, bem como os órgãos e instituições com responsabilidade na execução da política de segurança nacional”.
Nos termos desse Estatuto Orgânico, são ainda atribuições da Casa Militar do Presidente da República realizar “com recurso ao poder de polícia, conferido aos seus órgãos especiais, “a segurança e protecção do Presidente da República, da sua família, do palácio presidencial e demais instalações presidenciais, bem como de outras autoridades e instalações, determinadas pelo Presidente da República”, “assegurar a transportação do Presidente da República e sua família”, “assegurar e coordenar as actividades de inteligência e informações relacionadas com a segurança e defesa presidencial”, bem como “articular os aspectos de segurança em eventos e cerimónias com a participação do Presidente da República”.
Na sua estrutura orgânica a Casa Militar do Presidente da República compreende um órgão de direcção, integrado pelo Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar e um Chefe-Adjunto da Casa Militar. Os Órgão Colegiais Consultivos da Casa Militar são compostos por um Conselho Técnico Superior, Conselho Estratégico Operacional, Conselho de Pessoal e Quadros. O Estatuto Orgânico contempla, ainda, Serviços de Assistência e Apoio Instrumental dos quais fazem parte o Gabinete do Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar, Gabinete dos Consultores, Gabinete de Assuntos Jurídicos, Contratação e Intercâmbio.
Os Órgãos Executivos da CMPR integram a Secretaria Executiva e de Coordenação da Segurança Presidencial, Secretaria para os Assuntos de Defesa Nacional, Veteranos da Pátria e Forças Armadas, Secretaria para os Assuntos do Interior e Polícia Nacional, Secretaria para os Assuntos de Inteligência e Segurança do Estado.
Nos termos do seu novo Estatuto Orgânico, os consultores, o director do Gabinete do Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar, o chefe do Centro de Gestão Electrónica e o director do Gabinete Jurídico, Contratação e Intercâmbio são equiparados a secretários de Estado “para efeitos de remuneração e precedência protocolar”.
Integram a Casa Militar do Presidente da República a Unidade de Segurança Presidencial, Unidade de Defesa Presidencial e funcionam sob sua tutela os Gabinetes de Estudos e Análises Estratégicas, de Voo Presidencial, Obras Especiais, a Clínica Multiperfil.
Ao confiar no respectivo titular a função de “auxiliar o Presidente da República em matéria de segurança nacional” e prestar “assistência, assessoria nos domínios da defesa nacional, protecção, preservação da segurança do Estado e da preservação complementar da segurança nacional”, o Estatuto Orgânico atribui ao chefe da Casa Militar do Presidente da República a dupla função de filtro e dique. Ou seja, doravante, os titulares dos departamentos ministeriais que atendem a áreas da defesa nacional, interior e segurança só chegarão ao Presidente da República depois de passarem pelo “filtro” e dique que é o Chefe da CMPR.
Antes de transporem as portas da sala do chefe da CMPR, os directores do SINSE, SIE SISM terão de passar “por cima” do secretário para os Assuntos de Inteligência e Segurança do Estado, a que, compete “coordenar e controlar as tarefas relacionadas com a assistência ao Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar em matéria de informação, inteligência e segurança do Estado” e, ainda, “assegurar as ligações e contactos funcionais e institucionais com o Serviço de Informações e Segurança de Estado, Serviço de Inteligência e Segurança Militar e Serviço de Inteligência Externa”.
Também os titulares do Interior e da Polícia Nacional só transporão as portas do gabinete do chefe da CMPR depois de previamente “filtrados” na Secretaria para os Assuntos do Interior e Polícia Nacional.
Com número indeterminado de efectivos das Unidades de Segurança Presidencial e Unidade de Defesa Presidencial, e com a equiparação de consultores, do chefe do Centro de Gestão Electrónica e dos director dos gabinete do chefe da CMPR e Jurídico, Contratação e Intercâmbio a secretários de Estado, o novo Estatuto Orgânico da Casa Militar do Presidente da República implicará um significativo aumento da despesa pública.
Em suma, e sem alarido, João Lourenço está a repaginar a Constituição do país, puxando para si ou para os seus próximos, os poucos poderes reais dispersos por alguns departamentos ministeriais.
Nota importante nessa repaginação é a notória perda de terreno dos titulares dos diferentes serviços de inteligência.
Se o compromisso de redução de gastos públicos, reiteradamente prometido aos angolanos e às instituições financeiras multilaterais, fosse tomado a sério, à publicação do Estatuto Orgânico da agora novamente designada Casa Militar do Presidente da República seguir-se-ia, de imediato, a extinção de vários departamentos ministeriais bem como a generalidade dos serviços de inteligência.
Na sua nova configuração, a antiga Casa de Segurança do Presidente da República torna verdadeiramente dispensáveis departamentos ministeriais como Defesa, Saúde, Transportes, Interior e também torna inúteis a existência do SINSE, SISM e SIE.
O Estatuto Orgânico da Casa Militar do Presidente da República confere-lhe incumbências paralelas ou superiores às do Executivo.