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Angola: Acusação de empresário Carlos São Vicente aponta ex-vice-presidente angolano como parceiro”

O antigo vice-presidente de Angola e ex-presidente da Sonangol, Manuel Vicente, é apontado, no despacho de Acusação do empresário Carlos São Vicente, como o parceiro com quem o arguido terá montado “um plano de apropriação ilícita de rendimentos e lucros”

A justiça angolana, no despacho de Acusação contra o luso-angolano Carlos São Vicente a que a Lusa teve acesso, considera que o antigo número dois do Presidente José Eduardo dos Santos cedeu, quando era presidente da administração da Sonangol, a participação da petrolífera estatal na seguradora AAA Seguros ao arguido, de modo gratuito e sem conhecimento dos restantes administradores.

Esta transferência da propriedade da seguradora, detentora do monopólio dos seguros do petróleo no país, permitiu a Carlos São Vicente a criação um império empresarial, que é agora visado pela justiça angolana por fraude fiscal superior a mil milhões de euros, entre outros crimes.

Entre 2000 e até novembro de 2005, Carlos São Vicente, que já era quadro da petrolífera estatal Sonangol desde 1983, desempenhou a função de diretor de gestão de riscos, área que tratava dos seguros dos trabalhadores e de toda a atividade petrolífera. Manuel Vicente foi presidente do conselho de administração (PCA) da Sonangol entre 1999 e janeiro de 2012, ainda antes de ser vice-presidente da República.

Neste período, em que se cruzaram nos dois cargos, de acordo com o despacho de acusação, a que a Lusa teve acesso, e com base na Lei das Atividades Petrolíferas, o Estado angolano desenvolveu uma estratégia de gestão de riscos das operações petrolíferas.

Assim, neste novo contexto, e “no sentido de conformar a atividade seguradora da Sonangol. EP., a 01 de abril de 1999, por iniciativa do arguido [Carlos Manuel de São Vicente], detendo esta [Sonangol] 100% do capital social, foi criada como Resseguradora Internacional, uma empresa offshore denominada Mirabilis Insurance Limited”, nas Bermudas.

Porque, segundo Manuel Vicente [que foi ouvido pelo Ministério Público no âmbito deste processo, mas não acusado], “todas as restantes companhias petrolíferas expressivas no mundo tinham seguradoras cativas naquele país”.

Esse foi o momento a partir do qual Carlos São Vicente, “devidamente mancomunado [combinado] com o declarante Manuel Vicente, passou a engendrar um plano de apropriação ilícita de rendimentos e lucros, que viriam a ser produzidos com a implementação do sistema de seguros e resseguros no setor de exploração petrolífera, com vista a evasão de divisas do país e ao enriquecimento ilícito”, lê-se no despacho de acusação.

Já de 2001, qualquer companhia petrolífera internacional tinha a obrigação de criar uma parceria com a Sonangol Holding.

No mesmo ano, com a publicação de um outro decreto, foi constituído o cosseguro para os riscos petrolíferos, cobrindo todas as operações em curso no território angolano, “o que retirou o monopólio então atribuído à empresa pública ENSA, concedendo-o à AAA Seguros”.

Coube à direção de gestão de riscos da Sonangol a responsabilidade de implementar a estratégia e gestão de riscos das atividades petrolíferas e a Carlos São Vicente “a missão de negociar com as companhias os termos dos contratos de exploração e produção de petróleo”.

Em 2000, já tinha sido constituída a Sociedade AAA Serviços Financeiros, apresentada como uma holding, enquanto coordenadora das atividades em Angola e incluía quatro subsidiárias, tendo o Estado angolano 100% do capital social de todas elas.

No intuito de globalizar a empresa AAA, o “arguido com a conivência do declarante Manuel Vicente, oportunamente lançou mão da então offshore Mirabilis Reinsurance Limited, sedeada nas Bermudas, alterando a sua designação, em 2003, para AAA Reinsurance Limited”, lê-se no despacho de acusação.

“Com a estrutura acima concebida, desde o início da sua constituição, inusitadamente, mediante um ‘acordo verbal’ estabelecido entre o arguido e o declarante Manuel Vicente, ficou assente que o grau de participações da Sonangol. EP. no Grupo AAA, deveria ir-se reduzindo e, em contrapartida, a posição do arguido iria gradualmente aumentar como acionista da AAA Seguros Lda, ao longo do tempo”, adianta o documento.

Entretanto, Carlos São Vicente foi nomeado por Manuel Vicente para o cargo de presidente do conselho de administração (PCA) da AAA Seguros SA, numa altura em que simultaneamente “num manifesto e gritante ato de conflito de interesses exercia igualmente o arguido a função de diretor” na petrolífera, realça a acusação.

“Desde essa altura, a relação entre a Sonangol EP e o grupo de empresas AAA foi sendo direta e convenientemente estabelecida entre o arguido e o declarante Manuel Vicente, cabendo a este último a supervisão de Gestão de Riscos no quadro do conselho de administração” da petrolífera angolana.

“A partir de 2001, colocando o arguido em prática o ‘acordo verbal’ estabelecido com o declarante Manuel Vicente e com a implantação do negócio e o monopólio dos seguros atribuído à AAA Seguros SA, sem qualquer benefício para a Sonangol EP, a estrutura acionista do grupo AAA começou a sofrer várias alterações substanciais”, referem os promotores.

“Foi assim, que com as cedências de ações de valores avultados ‘presenteadas’ pelo declarante Manuel Vicente, sem que autorização tivesse da autoridade competente e, aproveitando-se da sua qualidade de PCA da Sonangol EP, permitiu a redução drástica das ações detidas pela Sonangol EP na AAA Seguros SA, de 100% para 10% em benefício do arguido, que se tornou, deste modo, detentor maioritário de 87,89% do capital”.

Para a justiça angolana, “as alterações que se ocorreram e que (…) culminaram com a perda da condição da Sonangol EP como acionista maioritária do grupo AAA, em benefício do arguido, desencadearam-se de forma ardilosa, sob a falsa aparência de que se cumpriam todas as formalidades legais”.

Além disso, as sessões presididas por Manuel Vicente no conselho de administração da Sonangol, que resultaram em deliberações exaradas pelo Conselho e que, em consequência, vincularam os restantes membros da administração da petrolífera, visando a cedência das participações da AAA, “foram realizadas na ausência” dos outros elementos da administração, acusam os promotores.

 

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