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Angola: Advogado insta OAA para submeter ao TC a apreciação do Decreto que Proibe manifestações

Ao Conselho Nacional da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) Com cópia para o conhecimento dos seguintes órgãos: – Bastonário da OAA -Conselho Provincial de Luanda da OAA Sumário: Requerer em processo de fiscalização sucessiva abstracta a inconstitucionalidade do artigo 29.º no Decreto Presidencial n.º 276/20 de 23 de Outubro na interpretação que o considera como uma proibição do direito de manifestação Mui ilustres Colegas,

Previamente, com a convicção de que a presente petição merecerá o vosso douto acolhimento, e com cordiais saudações, José Luís A. Domingos, de nacionalidade angolana, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola, Advogado, inscrito na Ordem de Advogados de Angola, sob número 685, vem expôr e requerer o seguinte:

2 I-Motivação 1-A coberto da actual pandemia Covid-19, o Presidente da República restringiu, entre outros direitos, de forma implícita o direito de manifestação, enquanto vigorar a situação de calamidade, através do Decreto Presidencial n.º 276/20, de 23 de Outubro, artigo 29.º; 2-A sobredita restrição apesar de justificada pela necessidade do reforço do cumprimento das regras de biossegurança para evitar a propagação do vírus SARSCOV- 2,- vid. a breve nota preambular do sobredito normativo- surge em um momento em que se acentua o interesse expresso de vários cidadãos em exercerem o seu direito de manifestação contra algumas decisões e atitudes do actual Executivo;

3- Perante este embaraço, tem-se constatado o seguinte: por um lado, o executivo detentor do aparato repressivo impede a realização de manifestações e, por outro, os manifestantes trilham o caminho da desobediência civil, por julgarem inconstitucional o referido normativo proibitivo;

4- Neste jogo de forças, absolutamente desigual, a verdade é que já foram relatados vários casos de excesso policial, cujo saldo mais grave, até ao momento, foi a morte de um cidadão angolano e jovem;

5- A tese que tem feito vencimento entre juristas sufraga a inconstitucionalidade da norma proibitiva ínsista no referido diploma, por terem sido restringidos ou suspensos direitos fundamentais dos cidadãos por uma forma que a Constituição não admite;

6- A figura -se indiscutível de que o carácter importantíssimo da situação exposta não deva ficar à revelia do controlo do Tribunal Constitucional (TC), ou seja, a plena garantia da constituição só se alcança envolvendo o guardião da Constituição;

7- Porém, para que este órgão de soberania (TC) se possa pronunciar sobre a validade ou não do normativo em causa, está sempre adstrito a uma iniciativa das entidades legitimadas constitucionalmente para o efeito (princípio do pedido). Nessa medida, sob pena da situação continuar a ser julgada, apenas, na praça pública como se a mesma fosse um “Órgão de Soberania” e com funções jurisdicionais, há que recorrer ao Tribunal Constitucional.

Disto isto, 8-Felizmente, a nossa OAA, na qualidade de órgão independente defensor dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, integra os sujeitos investidos constitucionalmente da possibilidade de requererem a sindicância de qualquer norma junto do TC, de acordo com a alíneas f) do n.º 2 do artigo 230.º da CRA;

9-Nestes termos, em sede de um processo de fiscalização sucessiva abstracta, vem-se instar a nossa OAA, no sentido de requer a pronúncia do TC em relação a validade da norma em questão, com base na seguinte fundamentação: II-Norma constitucional violada

10- A norma constitucional violada é a seguinte:

ARTIGO 47.º

1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei.

2. As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei.

11- É o seguinte o conteúdo do articulado editado pelo Titular do Executivo, ínsita no Decreto Presidencial n.º 276/20 de 23 de outubro, cuja “potencial” inconstitucionalidade é notória:

 

ARTIGO 29.º (Ajuntamentos na via pública)

1. Não são permitidos ajuntamentos, de qualquer natureza, superiores a 5 (cinco) pessoas na via pública.

2. Para efeitos do número anterior, as forças de segurança e ordem pública asseguram a circulação dos cidadãos, intervindo sobre os aglomerados de mais de 5 (cinco) pessoas, sendo que a resistência às ordens directas das autoridades é sancionada como crime de desobediência, nos termos do artigo 24.º da Lei n.º 28/03, de 7 de Novembro, com a redacção dada pela Lei n.º 14/20, de 22 de Maio, sem prejuízo das sanções administrativas aplicáveis.

3. A violação do disposto no presente artigo dá lugar à aplicação de multa que varia entre os Kz: 200.000,00 (duzentos mil kwanzas) e os Kz: 400.000,00 (quatrocentos mil kwanzas).

4. A multa prevista no número anterior é da responsabilidade da pessoa, individual ou colectiva, promotora do ajuntamento.

5 12-Eis, sucintamente, os argumentos aduzidos para sustentar a nossa pretensão: a)Consagrado no art.º 18º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art.º 18º, nº 1 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no art.º 8º da Carta Africana dos Direitos Fundamentais, o direito de manifestação, que obteve consagração constitucional na Lei Constitucional de 1992 (artigo 32.º) encontra-se plasmado no art.º 47º da CRA, como já foi referido.

b) Destinado à formação de opinião pública e da consciência cívica – deriva da própria ideia de dignidade da pessoa humana- integra o leque dos direitos fundamentais democráticos, conferindo ao cidadão a faculdade de manifestar, pacificamente, sem impedimento e sem a necessidade de autorização prévia, apenas mediante comunicação anterior às autoridades competentes.

c) A informação que lhes é dirigida serve apenas para efeitos de coordenação da manifestação (v.g, conhecimento dos percursos e tomada de medidas administrativas para a manutenção da ordem pública. Não existe qualquer poder público discricionário que possa ou não autorizar a manifestação.

d)Por ter dignidade constitucional, o direito de manifestação é directamente aplicável e vincula todas as entidades públicas e privadas (artigo 28.º, n.º 1 da CRA);

e) Nesta lógica, tem uma garantia constitucional reforçada e só pode ser restringido ou limitado nos termos do artigo 58.º, n.º 1 da CRA, que estabelece: O exercício dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos apenas pode ser limitado ou suspenso em caso de estado de guerra, de estado de sítio ou de estado de emergência, nos termos da Constituição e da lei, sem que lhes seja condicionado de alguma forma o exercício do direito, f) Portanto, fora desta situação de limitação ou suspensão dos direitos, liberdades e garantias, existe sempre um direito de manifestação.

g) Poder-se-á considerar que em determinadas situações, como a presente que diz respeito à pandemia Covid-19 se está perante um conflito de direitos fundamentais, por um lado o direito à vida e saúde, por outro lado, o direito de manifestação. Porém, a solução é facilmente extraída do referido artigo 58.º da Constituição. Para salvaguardar a vida e a saúde é bastante o decretamento de um dos estados de excepção constitucional aí previstos.

h)A isto acresce que a matéria dos direitos fundamentais se encontra em área de reserva do parlamento. Qualquer restrição ou limitação só pode ter lugar por via parlamentar ou parlamentarmente autorizada. Significando tal que qualquer conflito de direitos fundamentais nunca será resolvido pelo poder executivo, outrossim pelo poder legislativo atribuído à Assembleia Nacional (cfr. artigo 164.º b) da CRA).

i) Ora, por si só, o facto de o diploma que restringiu direitos fundamentais ter sido produzido pelo Executivo, sem quaisquer autorização legislativa prévia do parlamento e, mais, sem que se tenha declarado previamente quaisquer dos estados de excepção constitucional ( o estado de guerra, de estado de sítio ou de estado de emergência, conforme o já citado artigo 58.ºCRA) constitui base suficiente para se presumir a existência de inconstitucionalidade da referida norma.

j) Embora, a Constituição admite que, embora o direito de manifestação não possa ser suspenso a não ser nos casos do artigo 58.º, a lei ordinária pode estabelecer regulações e condicionantes para o exercício desse direito. Logo, em determinadas situações , a lei pode fixar determinadas condições (cfr. artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 16/91, de 11 de Maio, Lei sobre o Direito de Reunião e de Manifestação).

k) Assim, torna-se evidente que a lei ordinária não pode proibir manifestações, mas pode estabelecer determinados requisitos (v.g. por razões de saúde, tendo em atenção a actual situação pandémica, exigir a triagem prévia da temperatura de cada integrante da manifestação; bem como a higienização das mãos; fixar o distanciamento mínimo entre os mesmos, etc).

13-Sendo desnecessário outros desenvolvimentos e remetendo, pois, para a fundamentação da abundante jurisprudência e doutrina existente sobre a reserva de Lei parlamentar, como pressuposto para restrição ou limitação de direitos fundamentais, entre outros condicionalismos.

Em conclusão:

-Afigura-se límpido concluir de que o artigo 29.º do Decreto Presidencial n.º 276/20 de 23 de Outubro na interpretação que o considera como uma proibição do direito de manifestação viola de forma incontornável o imperativo constitucional estabelecido pelo legislador constituinte nos artigos 47.º, 57.º, 58.º, entre outros; -Logo, a mesma é invalida e deve ser submetida ao crivo do Tribunal Constitucional, em processo de fiscalização sucessiva abstrata, nos termos, entre outros, do artigo 230.º do CRA, para que seja removida definitivamente da ordem jurídica.

-E mais, caso exista fundamentação factual relevante, o acto inconstitucional pode ser gerador de responsabilidade civil objectiva do Estado, vid. artigo 75.º da CRA.

Ilustres colegas, Assim, para que as dúvidas sobre a inconstitucionalidade do sobredito decreto não sucumbam, como já é habitual, apena na praça pública e para que não persista este ambiente de tensão entre o Executivo e os Manifestantes, gerado pela entrada em vigor do referido normativo proibitivo; Em face do sobredito, cônscio de que este é o caminho para a edificação de um verdadeiro Estado de Direito, apraz requerer a douta intervenção deste Conselho, no sentido de submeter a sindicância do referido normativo junto do Tribunal Constitucional. Por último, «só haverá justiça quando ter “poder” não for sinónimo de ter “razão».

 

José Luís A. Domingos

O Advogado 

 

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