O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos negou, terça-feira, em Luanda, que o crime de “Ultraje ao Estado, seus símbolos e órgãos”, previsto no artigo 333º do novo Código Penal (CP), tenha sido introduzido para impedir que se faça críticas às acções do Presidente da República.
O nº 1 do referido artigo estabelece que “quem, publicamente, e com intuito de ofender, ultrajar por palavras, imagens, escritos, desenhos ou sons, a República de Angola, o Presidente da República ou qualquer outro Órgão de Soberania é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou multa de 60 a 360 dias”.
Na “Grande Entrevista” da TPA, na terça-feira, Francisco Queiroz sublinhou que aquele artigo protege o bom nome, a honra e a dignidade das pessoas, mas esta protecção está, agora, mais reforçada porque é aplicada aos símbolos nacionais e ao Presidente da República.
Ainda assim, deixou claro que “todos (os cidadãos) têm o direito ao bom nome, à reputação, honra e dignidade”. Apontou como crimes que se cometem para atentar contra aqueles direitos a injúria, difamação e calúnia.
“Não é crime falar-se em privado sobre esta ou aquela pessoa. Eu posso desabafar ou, até, chamar nomes em privado”, disse o ministro, alertando que o mesmo já não se pode dizer em público, sobretudo quando se trata de símbolos nacionais e, por maioria de razão, do Presidente da República.
“Nada impede que sejamos críticos ao Presidente da República. Pelo contrário, isso faz parte do nosso dever de cidadania – olhar para os governantes e termos uma apreciação crítica. Mas há que ter regras”, defendeu.
Francisco Queiroz considerou que, da mesma forma que não se pode imputar factos ilícitos a qualquer pessoa, o mesmo acontece com o Chefe de Estado. “Mal de nós se pudéssemos falar do Presidente da República de forma ofensiva, imputando-lhe falsidades”, referiu.
Caricaturas sim mas com limites
O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos garantiu que, com a entrada em vigor do novo Código Penal, não é proibida a divulgação de caricaturas, contrariando assim receios de alguns fazedores de opinião.
Francisco Queiroz reconheceu que as caricaturas são uma forma de comunicação e de expressão. “Agora, é preciso que, ao usar esta forma artística de comunicação, se tenham em conta os limites”, alertou.
Segundo o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, não se pode usar uma caricatura extravasando os limites da protecção da honra, dignidade e bom nome da pessoa, imputando-lhe coisas falsas.
Na entrevista à TPA, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos começou por fazer a distinção entre o Código Penal (CP) e o Código do Processo Penal (CPP). O CP, disse, define as penas e tipologias dos crimes, enquanto o CPP apresenta todo o procedimento de aplicação das penas.
Para Francisco Queiroz, a aprovação do novo CP e do CPP, que entram em vigor dentro de três meses, representa um acto e símbolo de soberania, após mais de dez anos de reformas, no âmbito da Justiça e do Direito.
O novo CP, disse, reflecte a realidade política, económica, social e cultural do país e está alinhado aos princípios fundamentais consagrados na Constituição da República, aprovada em Fevereiro de 2010.
Vice-procurador-geral Mota Liz: “Norma existe há dez anos”
O vice-procurador-geral da República, Mota Liz, desdramatizou as preocupações sobre o artigo 333º do novo Código Penal, que condena o ultraje ao Presidente da República e órgãos de soberania, referindo que a lei existe há mais de dez anos.
Mota Liz, que falava à Rádio Nacional de Angola, manifestou-se surpreendido com a “polémica social que surgiu em volta deste artigo”, que disse tratar-se de uma norma repescada da Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado, de 2010, para o novo Código Penal angolano. “Não compreendo a razão de tanto alarido, esta norma existe há dez anos, como ela é vai completar cerca de dez anos agora em Dezembro desde a sua entrada em vigor em 2010, por via da Lei dos Crimes contra a Segurança do Estado, a Lei 23/10”, indicou.
Segundo Mota Liz, esta norma tem uma relação intrínseca com os crimes em defesa da honra, os crimes contra a dignidade das pessoas, dos crimes contra a honra em particular, lembrando que o sistema de direito angolano segue o modelo germano-romano, o europeu continental, que igualmente defendem com intervenção do Direito Penal a honra e dignidade das pessoas.
“O nosso modelo penal é inspirado no Código Penal português e a parte final, até, foi feita por um penalista português, o professor Figueiredo Dias, e tem uma norma semelhante que defende a honra do Presidente da República de Portugal e em várias outras latitudes, que com mais ou menos diferença, protegem o mesmo bem jurídico e têm as mesmas penas. Não sei porque é que agora vêm vozes, que isso seria a maior ditadura, que ditadura? Onde é que vão buscar isso?”, questionou.
O magistrado frisou que “o legislador de 2010 quis dar uma protecção especial à figura do Presidente, que, embora a sua honra seja pessoal, mas enquanto titular de um órgão de soberania precisava de uma protecção especial contra os crimes de injúria, difamação, calúnia, para que a função Presidente, essencial para a realização do Estado de Direito, esteja mais ou menos preservada”.
Segundo Mota Liz, o erro dos comentaristas, “as pessoas que vão criando uma espécie de hipocondria à volta disso”, é não perceberem que esta protecção também encontra limites na realização de outros direitos, nomeadamente no direito à liberdade de imprensa, à crítica.
“Não pressupõe, em nenhum momento, que se pode ler daquilo, que não se façam caricaturas, desde que se façam críticas à actuação do órgão de soberania e do PR, não está fechado à crítica”, reafirmou.
O que se quer, acrescentou, é que a crítica seja objectiva e manifestada em expressões, publicações, escritos, em cartoons e se refira a factos, a actuações, procedimentos, do Presidente da República ou qualquer órgão de soberania. “Não se pode é, de qualquer maneira, atirar para a lama a figura do Presidente da República”, sublinhou o magistrado.