Sete pastores brasileiros da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) foram notificados pelos serviços de migração angolanos para abandonarem o país no prazo de oito dias, segundo documentação a que a Lusa teve hoje acesso
Entre os pastores brasileiros, consta o pastor brasileiro Israel da Silva Gonçalves, e a sua esposa, Maria Gonçalves, de acordo com a Notificação de Abandono do Serviço de Migração e Estrangeiros (SME).
O documento, com a data de 08 de abril de 2021, refere que foram cancelados os vistos de permanência temporária concedidos aos pastores e bispos “por cessação da atividade eclesiástica em território nacional”, depois de o Governo ter decidido reconhecer apenas como legítimo o ramo nacional da IURD, num processo que tem causado polémica em Angola e Brasil.
Na notificação, pode ler-se que Israel da Silva Gonçalves deve “abandonar voluntariamente o país, no prazo não superior a 08 dias, a contar da data da tomada de conhecimento da presente notificação, nos termos do artigo 31º da Lei nº 13/19, de 23 de maio, Lei sobre o Regime Jurídico dos Cidadãos Estrangeiros na República de Angola”.
Em declarações hoje à Lusa, a porta-voz do ramo brasileiro da IURD, Ivone Teixeira, explicou que os pastores receberam a notificação de abandono, quinta-feira, sem aviso prévio, depois de uma primeira decisão nesse sentido ter sido objeto de recurso.
Segundo Ivone Teixeira, além de pastores brasileiros, num total de 59, estão ao serviço da IURD pastores de outras nacionalidades (28), moçambicanos, são-tomenses, argentinos e um espanhol, que deverão ser igualmente notificados a abandonar o território angolano.
Para Ivone Teixeira, trata-se de “um golpe” feito “pela ala angolana da IURD, que está a ser sustentada por alguns organismos” estatais.
“O poder executivo, no caso o INAR [Instituto Nacional para Assuntos Religiosos] não pode validar um processo que ainda está no fórum judicial e que ainda não foi decidido, estamos à espera ainda dessa decisão, são várias lacunas”, disse a porta-voz da IURD, referindo-se ao reconhecimento pelo executivo da ala angolana como a única com legitimidade para liderar em Angola a instituição religiosa fundada no Brasil por Edir Macedo.
Ivone Teixeira manifestou-se confiante na justiça angolana e num recuo da decisão tomada.
“Assim que esses processos tramitarem para o judicial há muita coisa a reverter a nosso favor, porque, primeiro, tomaram de assalto as igrejas, e estão a certificar um grupo de golpistas de uma forma totalmente ilegal”, frisou Ivone Teixeira, considerando que existe um “estado de revolta” entre os pastores e membros da IURD.
“O povo, os pastores angolanos que cá se encontram, mais de 200 pastores, está tudo muto chateado, mas já tomamos todas as providências judiciais, já recorremos hoje e vamos esperar”, salientou.
A porta-voz considerou a situação preocupante por haver pastores brasileiros que constituíram famílias com mulheres angolanas.
O processo de notificação está a ser realizado de forma faseada, informou Ivone Teixeira, acrescentando que hoje foi notificado o pastor que estava indicado para a província de Benguela.
Em março passado, o ministro da Cultura, Turismo e Ambiente de Angola, Jomo Fortunato, afirmou que a nova direção local da IURD é a interlocutora formal do Estado angolano.
Jomo Fortunato destacou, em entrevista à Televisão Pública de Angola, que “já não há conflito” no seio da IURD, depois da eleição, pela ala angolana, do bispo Valente Bizerra Luís, no início de fevereiro passado, pondo fim à comissão de reforma, em funções desde novembro de 2020.
A legitimidade desta assembleia-geral tem sido contestada pela anterior direção da IURD Angola, afeta à hierarquia brasileira, da qual saiu a ala dissidente agora legitimada pelo Governo depois das suas deliberações terem sido confirmadas pelo INAR.
A IURD tem estado envolvida em várias polémicas em Angola, depois de um grupo de dissidentes se afastar da direção brasileira, em novembro do ano passado.
As tensões agudizaram-se em junho com a tomada de templos pela ala reformista, entretanto constituída numa Comissão de Reforma de Pastores Angolanos, com troca de acusações mútuas relativas à prática de atos ilícitos.
Os angolanos, liderados pelo bispo Valente Bezerra, afirmam que a decisão de romper com a representação brasileira em Angola encabeçada pelo bispo Honorilton Gonçalves, fiel ao fundador Edir Macedo, se deveu a práticas contrárias à religião, como a exigência da prática da vasectomia, castração química, práticas de racismo, discriminação social, abuso de autoridade, além da evasão de divisas para o exterior do país.
As alegações são negadas pela IURD Angola que, por seu lado, acusa os dissidentes de “ataques xenófobos” e agressões a pastores e intentou também processos judiciais contra os dissidentes.
A IURD Angola acusou anteriormente as autoridades judiciais angolanas de terem feito apreensões ilegais e atentarem contra a liberdade religiosa.
Neste momento correm os seus trâmites nos tribunais angolanos vários processos judiciais relacionados com a IURD Angola.
O conflito deu origem à abertura de processos-crime na PGR de Angola e subiu à esfera diplomática, com o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, a pedir ao seu homólogo João Lourenço garantias de proteção dos pastores brasileiros e do património da Igreja, tendo o chefe de Estado angolano prometido um “tratamento adequado” do assunto na justiça.