Sociedade civil saiu à rua para exigir uma solução para os moradores das Salinas, expulsos no âmbito das demolições de junho de 2020. Mais de 300 famílias vivem em “péssimas condições” e querem voltar ao bairro.
A forma como está ser tratado o “caso das Salinas” no tribunal de Benguela levou a sociedade civil a manifestar-se para exigir celeridade no processo. Este sábado (24.04), os manifestantes marcharam desde o Liceu Comandante Cassanje até ao Largo África para pedir uma solução para os moradores expulsos do bairro das Salinas, em junho de 2020, e a responsabilização criminal dos mandantes das demolições das residências, escolas e posto médico do bairro.
Segundo o porta-voz dos moradores, João Valeriano, 309 famílias vivem atualmente no Magistério Primário, a escola onde foram realojadas há quase um ano. O porta-voz explica que os antigos moradores das Salinas receberam a vista do novo governador de Benguela, Luís Nunes, mas, até agora, nada foi feito para melhorar as suas condições de vida.
“Fez algumas promessas que não são muito credíveis, porque até hoje não vimos nada de concreto. Ele prometeu, falou connosco apenas e deu-nos uma proposta: se arranjasse um sitio para alojar essa pessoas, o que é que nós faríamos? Nós apenas respondemos com clareza que a nossa intenção é voltar ao nosso bairro, só isso”, explica.
Os moradores interpuseram um processo no tribunal de Benguela em que pedem a responsabilidade criminal de Delta Matias, atual administradora municipal, e Leopoldo Muongo ex vice-governador da província.
Ativistas falam em “má fé”
“O ponto principal [do protesto] é ajudar o povo das Salinas a regressar à sua área de origem, as Salinas, o bairro que é de direito deles”, afirma Finúria Silvano, membro da organização do protesto. “Nós estamos a ajudar para que eles regressem ao sítio deles. Porque é que este povo foi expulso das Salinas?”, questiona.
Finúria Silvano vê “algo de má fé por parte da administração de Benguela e do governo provincial”. O povo, explica, está nas Salinas desde 1950, mas as autoridades afirmam que estão lá ilegalmente. “Isso não condiz com a verdade, porque nós temos provas, fomos buscar documentos e factos que comprovam que esse povo é antigo ali [nas Salinas] e nós estamos aqui para lutar até ao fim desse caso”, garante a ativista.
“Vivem em condições péssimas em todos os sentidos, a escola [Magistério Primário] não reúne condições, a escola não é casa para as pessoas viverem”, sublinha.
20 famílias numa sala de aula
A moradora das Salinas Apolinária Lussati, presente na manifestação, confirma as condições “péssimas” em que vivem as vítimas das demolições. À DW, conta que numa sala de aula residem 20 famílias e sublinha que “as crianças não estão a estudar”.
O ativista Antônio Pongote, membro da integrante do Movimento Revolucionário de Benguela, remete para a Constituição da República angolana e o seu artigo 85, para lembrar que o Estado tem a obrigação de dar habitação e qualidade de vida ao povo. “O que nós encaramos foi uma autêntica violação dos direitos humanos”, sublinha.
“19 anos de paz e nessa paz não temos consumido aquilo que é a tal obrigatoriedade, uma convivência social. É lastimável termos um Governo que ainda abusa e pisa a dignidade da pessoa humana. Afinal de contas, essa Angola é de todos”, lamenta o ativista.
Dedo apontado a Falcão, Muongo e Matias
Rui Falcão, ex-governador de Benguela, Leopoldo Muongo, antigo vice-governador para infraestruturas e Delta Matias, atual administradora municipal de Benguela, são apontados como os principais causadores desses problemas, segundo o ativista Mither. Para este membro da organização do protesto, a atitude certa é devolver as terras ao povo. “O caso das Salinas é violação dos direitos humanos, por isso estamos a exigir às entidades de direito que o processo seja mais célere”, sublinha.
Justino Pinto de Andrade, presidente do Bloco Democrático e deputado à Assembleia Nacional, constatou no sábado o atual cenário em que vivem aquelas famílias no bairro das Salinas. Em entrevista à DW África, fala num “desastre” e “uma autêntica vergonha”. Justino Pinto de Andrade também se juntou à marcha a favor do povo das Salinas.
Em nome das crianças, a ativista mais jovem da província de Benguela, Florência, lamenta que, quando foi demolido o bairro das Salinas ninguém tenha pensado nas crianças que ali vivem. “Eles sabem muito bem que há crianças, há bebés que nasceram lá e estão a crescer lá, já que eles não querem dar voz às crianças, eu vou perguntar por elas. Se eles vivem na escola, onde vão estudar?”, pergunta.