Nasceu José Adelino Barcelo de Carvalho Bonga, em Angola, no ano de 1942, mas foi apenas com um apelido que, três décadas mais tarde, viria a correr as bocas do mundo. Hoje é conhecido pelo estilo de música semba, que fez voar além das origens.
“Para termos uma ideia é só a gente ouvir o samba brasileiro. A experiência que eu tenho é de ver o público levantar-se cada vez que a gente interpreta esta música de Angola específica, que é de alegria, é de paz, é de harmonia, uma vibração muito positiva”.
A voz da descolonização
Foi em Angola que Bonga começou a carreira, de pés na pista, mas ainda longe dos palcos.
Aos 23 anos, enquanto promissor atleta, rumou a Portugal para ingressar no Benfica, onde se consagrou recordista de 400 metros.
Mas os ideais políticos e a defesa da independência de Angola, na altura uma colónia portuguesa, forçaram-nos ao exílio, nos Países Baixos.
“Deixei o atletismo com muita mágoa minha, porque gostava imenso do desporto, do Benfica e da vivência aqui. Mas tive que abandonar, porque fazia parte de uma célula, não é verdade, política, não é, e os outros já tinham sido presos em Angola. Claro que depois de receber [esta] informação, eu saio de Portugal”, conta o músico.
A viver actualmente em Lisboa, Bonga reflete sobre aqueles anos.
Foi ainda sob a ditadura, durante o exílio, que decidiu dedicar-se a tempo inteiro à música. E, em 1972, lançou um álbum controverso: “Angola 72”.
“Havia muita gente calada, muita gente acobardada, muita gente situada. Os situacionistas, que ganhavam algum dinheiro com a colonização, fossem eles brancos ou negros. É um disco que foi falar de todas essas coisas”.
Bonga tornou-se num grande sucesso em Angola, Portugal e um pouco por todo o mundo, chegando a ser homenageado em França pela contribuição que deu às artes.
África: a herança, um legado
Hoje, aos 78 anos, tem quase 40 álbuns editados e continua a produzir.
“Kúdia kuetu” é a mais recente canção do músico e é inspirada na comida angolana.
“Kúdia kuetu quer dizer ‘a nossa comida’, ‘a nossa gastronomia’. E por conseguinte faz parte da nossa tradição esse tipo de comidas e esse prato chamado que é chamado de funge. Também se pode chamar calulu”.
Com amigos e a família, gosta de apreciar sabores de Angola.
África senta-se à mesa em Lisboa e sente-se desde sempre em casa, onde Bonga partilha afetos e um legado para os mais novos.
A herança é recordada pela sobrinha Erika Jâmece, que, em jeito de homenagem, pintou um quadro do tio.
“O Bonga sempre foi muito representado nas famílias em Angola. Crescemos a ouvir Bonga, mesmo muito proibidamente, mas as famílias ouviam. Isso mexia muito com as crianças. O cantar, o ir buscar coisas que nós não conhecíamos da terra”.
No entanto, Bonga faz questão de afirmar que esse legado não é caso para vaidade. mas sim para continuar tal como começou.
“Chamam-me embaixador, por exemplo, da música africana, da música angolana, protagonista de coisas de humanismo. Tudo isso está muito bom. Mas isso não me traz vaidade. Pelo contrário, obriga-me a trabalhar muito mais e a ter uma coerência de acordo com o que penso na cabeça”.