“A governação angolana não está católica, protestante ou muçulmana, não está nada”, diz Justino Pinto de Andrade. Em entrevista exclusiva à DW África, o deputado fala do “ato bárbaro” em Cafunfo e pede uma investigação da ONU.
Na entrevista à DW África, Justino Pinto de Andrade começa por analisar os últimos acontecimentos na região diamantífera de Cafunfo, província angolana da Lunda Norte, onde a polícia reprimiu de forma violenta, no passado sábado (30.01), uma manifestação convocada pelo Movimento do Protetorado Português da Lunda Tchokwe. O número de vítimas mortais continua incerto.
“É um ato horrível. Ainda por cima com invenção. O que é mais grave não é só o facto de se ter morto as pessoas, o que é mais grave é ter-se encontrado um enredo para justificar aquele ato bárbaro”, afirma o presidente do Bloco Democrático.
Questionado sobre se já era tempo de o Presidente João Lourenço se pronunciar sobre este caso, o deputado da CASA-CE responde: “Já passou o tempo. Ele devia ter-se pronunciado logo no mesmo dia. Nos países democráticos, os chefes de Estado quando têm conhecimento de situações deste género, eles imediatamente se pronunciam:”
O político da oposição defende a intervenção da ONU para uma investigação independente sobre o caso Cafunfo. “Devia-se exigir das mais altas instâncias internacionais um inquérito rigoroso, feito por pessoas sérias, para nós tomarmos conhecimento de tudo quanto aconteceu, penalizar essas pessoas que cometeram aquele crime e os responsáveis políticos”, diz.
Medo de eleições de “quem está na corda bamba”
Em relação à realização ou não de eleições gerais em 2022, em função do contexto da pandemia da Covid-19, o professor da Universidade Católica de Angola (UCAN) diz que há outras situações que podem adiá-las, inclusive o que chama de “medo de eleições” por parte de “quem está na corda bamba.”
“Quem está na corda bamba é quem está a governar porque está a governar e não está a governar bem”, justifica o académico, que considera que a má governação está resultar em insatisfação popular e o nível da abstenção caso venham ser realizadas poderá ser maior.
Justino Pinto de Andrade é peremptório em afirmar que a governação de João Lourenço não está bem, apesar de ter trazido alguma esperança ao povo no princípio do seu mandato. “Não está católica, não está protestante, não está muçulmana, não está nada”, conclui.
“O meu sonho era de uma Angola próspera”
E é esta Angola que sonhou quando lutou para independência angolana? “O meu sonho era de uma Angola próspera, livre e democrática. Nós não temos uma Angola democrática, temos um projeto de democracia. Também não temos uma Angola próspera, estamos cada vez mais pobres”, responde Justino Pinto de Andrade.
A discussão da proposta de lei sobre a institucionalização das autarquias locais começa este mês no Parlamento angolano. O deputado acha que haverá autarquias este ano? “Eu não sou feiticeiro. A parte fraturante começa agora. E eu penso que se não conseguir chegar a um acordo justo sobre estas partes fraturantes, então vamos entrar num período de convulsão”, alerta.
Quanto à “cruzada contra a corrupção”, bandeira do Presidente João Lourenço, Pinto de Andrade diz não está a gostar da forma como está a ser levada a cabo. Entende, por exemplo, que seria bom se essa luta se traduzisse no bem estar da população.
Luta contra a corrupção não se traduz em bem-estar
“O que está acontecer é que a dita luta contra a corrupção não se está a traduzir em bem-estar porque as pessoas estão cada vez piores. Nós temos muita gente desempregada, a perder os seus empregos, há pessoas a ficaram cada vez mais pobres, o poder de compra está cada vez pior, mesmo até os locais de compra estão a ficar cada vez mais vazios. Se olharmos para os supermercados hoje vemos que estão praticamente a ficar vazios”, lembra o deputado.
Sobre o futuro da economia angolana, Justino Pinto de Andrade, que também é economista, reprova as políticas económicas do governo, embora reconheça que a situação da pandemia esteja a contribuir negativamente para não recuperação económica.
Para Pinto de Andrade, a diversificação da economia parece ser uma miragem. “Eu não me entusiasmo por encontrar na rua mandioca e laranja. Economia não é só mandioca e laranja. É muito mais do que isso. O peso disso na economia não é nada. Eu só posso falar em diversificação da economia quando as diversas áreas da nossa economia estiverem realmente em atividade. A indústria está onde?”, questiona.
Chivukuvuku no Bloco Democrático?
O Bloco Democrático (BD) realiza este ano a sua convenção nacional para escolher um novo presidente, mas Justino Pinto de Andrade já não concorre à sua própria sucessão. Questionado sobre se o BD abandona a CASA-CE em 2022, o político diz que poderá ou não renovar o pacto.
E o Bloco Democrático acolherá Abel Chivukuku? “Eu pessoalmente gostaria que ele entrasse. Ele e aqueles que o acompanham, porque penso que tudo aquilo que enriquece a oposição deve ser aplaudido”, responde.
Justino Pinto de Andrade revela ainda como gostaria de ser lembrado pelo Estado angolano: “Quero ser lembrado como um bom patriota.”