A organização de direitos humanos angolana Mosaiko denunciou hoje a “ação intimidatória” da polícia na vila mineira de Cafunfo, palco de incidentes em 30 de janeiro, de que resultaram várias mortes
Segundo um ‘post’ publicado nas suas páginas das redes sociais Facebook e Twitter, a equipa da Mosaiko e da Rede de Defensores de Direitos Humanos que está em Cafunfo para uma visita de constatação e apoio à Comissão de Justiça e Paz, assim como aos missionários locais, encontra-se sob vigilância policial.
“Esta ação intimidatória começou ontem [quarta-feira], quando, por volta das 20:00, dois polícias apareceram na residência paroquial, alegando ter um recado para o padre. Esta manhã, uma funcionária da casa tentou sair, mas foi avisada pela polícia que se encontrava à porta, de que se saísse, já não poderia voltar.
A Mosaiko acrescenta que a casa paroquial está sob vigilância policial e um agente informou a equipa que tem “ordem para não permitir que os quatro elementos saiam da casa”.
A informação foi confirmada à Lusa pelo responsável da casa paroquial, José Alceu, segundo o qual a equipa que se deslocou a Cafunfo para recolher informações sobre os incidentes de 30 de janeiro está retida sob alegações de quarentena, no âmbito das medidas preventivas face à covid-19.
“Esta manhã, cerca de oito agentes que não se quiseram identificar, apenas um disse ser representante do SIC (Serviço de Investigação Criminal), no Cafunfo. Primeiro, começaram por exigir que a equipa de quatro elementos os acompanhasse até à esquadra para prestar declarações. Ao que a equipa respondeu que não cometeu crime algum e não pode ser obrigada a deslocar-se à esquadra”, lê-se na página de Facebook da Mosaiko.
“Uma vez que não conseguiram levar a equipa até à esquadra, solicitaram os testes à covid-19 e fotografaram os resultados dos testes de todos. A partir daí a conversa passou a ser de aconselhamento em relação ao coronavírus para chegar à necessidade de a equipa se submeter a uma quarentena”, descreve ainda a organização.
Segundo o mais recente decreto presidencial relativo à situação de calamidade pública, as entradas e saídas de Luanda, a única província sob cerca sanitária, estão condicionadas à realização de um teste serológico, com resultado negativo, válido por sete dias, aplicando-se a quarentena apenas a quem é proveniente do exterior do país.
A vila mineira de Cafunfo foi palco de incidentes entre a polícia e populares no passado dia 30 de janeiro, de que resultaram um número indeterminado de mortos e feridos, estando sob um forte dispositivo das forças de segurança (polícia e exército) desde essa altura.
Nesse dia, segundo a polícia angolana, cerca de 300 pessoas ligadas ao Movimento do Protetorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), que há anos defende a autonomia daquela região, tentaram invadir uma esquadra policial, obrigando as forças de ordem a defender-se, provocando seis mortes.
A versão policial é contrariada pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição e sociedade civil local, que alegam que se tratou de uma tentativa de manifestação, previamente comunicada às autoridades, e que os manifestantes estavam desarmados.
Na passada terça-feira, deputados da União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA), da Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE) e do Partido da Renovação Social (PRS), oposição angolana, anunciaram que os incidentes de Cafunfo resultaram em 23 mortos, 21 feridos e 10 pessoas desaparecidas, afirmando que as forças policiais “dispararam indiscriminadamente contra os cidadãos”.
Na quarta-feira, a UNITA reviu estes números, ao divulgar um relatório dos cinco deputados daquele partido que se deslocaram a Cafunfo, juntamente com dois ativistas cívicos, mas que foram impedidos pela polícia de entrar na vila mineira, referindo que pelo menos 28 pessoas morreram de forma “bárbara, hedionda e fria” e 18 ficaram feridas.
No documento, que contraria a versão de ato de rebelião e fala em protesto com 93 manifestantes, os deputados da UNITA pediram “responsabilidades aos atores do massacre”.
O Bureau Político do Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA), partido no poder, defendeu a atuação do Estado e criticou o posicionamento de líderes políticos e personalidades da sociedade civil e da igreja que condenaram os incidentes.
O órgão sublinhou que a abertura democrática desde a eleição do Presidente angolano, João Lourenço, em 2017, “é algo que veio para ficar”, mas sustentou que o Governo tem constatado que esta maior liberdade de imprensa, de expressão, de reunião e de manifestação, “está a servir para promover o desrespeito à Constituição e à lei, aos símbolos nacionais, o desrespeito à autoridade instituída, ao património público e à propriedade privada”.
Numa nota divulgada na semana passada, salientou que “os que querem a instabilidade de Angola deviam saber que quando um grupo de cidadãos nacionais e estrangeiros munidos com armas de fogo, armas brancas e objetos contundentes” atacam de madrugada uma esquadra policial, um quartel militar ou algum órgão de soberania, “não está a fazer uma manifestação, mas sim uma rebelião armada que merece da parte de qualquer Estado vigorosa reação”.
Num comunicado divulgado na terça-feira após a 3.ª reunião ordinária do Secretariado do Bureau Político do Comité Central do MPLA, orientada pela vice-presidente, Luísa Damião, o partido voltou a condenar o incitamento à instabilidade, reiterando que “a República de Angola é indivisível, inviolável e inalienável”, pelo que “serão combatidas, de forma enérgica, todas as tentativas de divisão dos angolanos ou de violação da soberania nacional”.