Santa Manuel, de 14 anos de idade (na foto principal), faleceu às primeiras horas da manhã no Hospital Regional de Cafunfo, vítima de um disparo efectuado ontem, depois das 22h00, por um soldado das Forças Armadas Angolanas (FAA), no bairro Gika.
Esta manhã, a 52.ª Brigada das FAA montou um forte aparato militar no hospital e respectivo perímetro, com receio de uma acção hostil por parte de familiares, vizinhos e moradores solidários do bairro Gika que acorreram ao local. A imagem de tantos soldados armados, incluindo uma metralhadora PKM e um lança-granadas, viola o espírito de paz e tranquilidade que a população merece.
De acordo com a testemunha André Cassule, de 32 anos, o segundo-cabo Joaquim Luís, destacado na 52.ª Brigada das FAA, começou por interpelar “um maluco que não lhe respondia”. Passados alguns minutos, o cabo foi ao encontro de um grupo de cinco jovens, incluindo o dito interlocutor, que conversavam na rua.
Nesse instante, quatro adolescentes, que tinham ido comprar bolachas, passaram pelo grupo. Entre elas estava Santa, a menina que levava consigo três pacotes de bolachas, refere a testemunha.
“O soldado tentou abordar também as crianças. O único rapaz do grupo gritou ‘quioco’ [tchokwe]. Sem nos dar qualquer satisfação, o militar deixou-nos e começou a correr atrás das crianças a gritar ‘vou vos matar e nada me vai acontecer’”, explica André Cassule.
“Fez dois disparos e atingiu a Santa pelas costas [atingindo-a no antebraço esquerdo]”, continua.
De acordo com o testemunho de Cardoso Mateus Ugito, que se encontrava no mesmo grupo de André Cassule, o cabo das FAA encontrava-se de folga: “Não compreendo o que ele fazia na rua, de arma na mão, àquela hora.”
Um dos tios da jovem, presente no hospital, afirma que “os bandidos aqui não nos estão a matar. É a própria tropa. Porquê?”, questiona-se.
Helena Fonseca, de 40 anos, deu à luz cinco filhos. Perdeu a segunda, Santa Manuel, e não tem palavras para descrever a sua dor. As lágrimas e os gritos falam por si.
“Repudiamos veementemente este acto de homicídio por um colega nosso. Temo-nos empenhado para manter a ordem e a tranquilidade”, nota um oficial da polícia, que prefere não ser identificado.
Por sua vez, um oficial das FAA no local garante que a justiça será feita: “Não há outra solução.”
Segundo fontes da investigação criminal, o cabo Joaquim Luís, autor do crime, já se encontra detido.
Porém, segundo fontes locais, alguns soldados das FAA, destacados para auxiliar a polícia local na manutenção da ordem pública, decidiram abandonar os seus postos, em protesto contra a detenção do colega.
A poucos metros do local do incidente, horas antes, um outro soldado das FAA, segundo testemunhas, embriagou-se ao ponto de ter penhorado, na cantina, parte do uniforme militar que vestia (o casaco) para continuar a consumir sem pagar. A sua conta, em cervejas, atingiu os seis mil kwanzas, e o referido soldado saiu da cantina apenas com as calças e a camisola branca que vestia por dentro. Encontrámos e fotografámos o casaco na cantina, para dissipar quaisquer dúvidas.
Contam as testemunhas que, pouco depois, o mesmo soldado regressou de arma em punho proferindo ameaças de morte contra alguns dos clientes que se encontravam na cantina. Entre outras várias medidas desesperadamente necessárias, as FAA têm de rever urgentemente os protocolos sobre o uso de armas de fogo pelos seus efectivos.
Entre outras várias medidas desesperadamente necessárias, as FAA têm de rever urgentemente os protocolos sobre o uso de armas de fogo pelos seus efectivos.