Na vila mineira de Cafunfo, os confrontos que há um ano resultaram em vários mortos e feridos parecem hoje uma recordação tão longínqua como as promessas dos governantes que visitaram o local após o protesto violento, garantindo resolução para os problemas.
Depois do protagonismo mediático, de verem o seu conflito retratado em livro, dos processos judiciais movidos contra os líderes do Movimento do Protetorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT) que promoveram a manifestação de 30 de janeiro de 2021, os habitantes de Cafunfo continuam a sentir-se abandonados, à espera da água, da luz e da estrada prometida.
A única via pública de acesso à povoação, cujas condições indignam e revoltam os moradores de Cafunfo, continua hoje impraticável, apesar de o governador da província, Ernesto Muangala, que visitou Cafunfo após os incidentes, ter anunciado obras de reabilitação na ligação entre a vila de Cafunfo e a sede municipal do Cuango no primeiro trimestre do ano passado.
Sem alternativa, habitantes e visitantes veem-se obrigados a passar pela estrada do projeto mineiro do Cuango, sujeitando-se às regras e limitações impostas pelos responsáveis da mina.
A partir das 16:30, “fecham-se as cancelas e sem autorização prévia nenhuma viatura transita, o que obriga quem percorre longas distâncias e chega ao local após esta hora a pernoitar no local, por impossibilidade de contacto com os responsáveis da mina como aconteceu com a equipa de reportagem da Lusa, após quatro horas de tentativas infrutíferas”.
No Cafunfo tudo parece igual passado um ano, exceto a ausência de polícias e militares fardados, revelador do alívio da tensão: mantêm-se, no entanto, as ruas enlameadas e atapetadas de lixo, os bandos de crianças sorridentes e curiosas, os motoqueiros que incessantemente cruzam as ruas fintando pedras e buracos, as mães com filhos amarrados às costas e pesadas bacias na cabeça.
Também os primeiros moradores de Cafunfo que falaram à Lusa após os confrontos entre manifestantes e polícias de 30 de janeiro de 2021, André Candala e Alfredo Moisés, não mudaram muito. E lamentam que, apesar das visitas oficiais, e de toda a atenção que a localidade recebeu durante alguns meses, as promessas não tenham passado disso mesmo.
“Nada mudou, mesmo com a promessa do governador provincial que disse que tinha lançado a pedra para reabilitar a estrada, mas não estão a fazer terraplanagem, estão a tapar buracos”, disse à Lusa André Candala, sublinhando que as pessoas continuam a ter apenas como alternativas a estrada da mina e uma outra picada (estrada de terra batida).
Lamenta também que não se tenham criado empregos, empurrando os jovens para a delinquência, roubo e marginalidade, bem como a falta de luz e água, e as más condições das escolas e das unidades de saúde, queixas partilhadas por Alfredo Moisés.
“Eles prometem fazer mais, prometem que vão fazer isto e aquilo, prometeram abrir a estrada, muito rapidamente, mas até hoje nunca vimos uma máquina a passar, continuamos a viver na mesma”, diz Alfredo Moisés, acrescentando que a única melhoria sentida foi “a tranquilidade do povo”, resultante de um melhor relacionamento entre população e forças de defesa de segurança.
“Desde aquela data houve mais liberdade em Cafunfo, aquele povo que morreu deu a liberdade a outro povo”, continua Alfredo Moisés, que falou desta vez à Lusa sentado numa cadeira, com a perna, que partiu há dois meses, estendida sob a cama, envolvida numa tala e ervas medicinais, o tratamento medicinal que lhe está a ser administrados por um curandeiro à falta de melhor assistência de saúde.
“A situação está menos tensa, mas quando há casos de buscas são maltratados, como animais”, comenta André Candala, considerando “desumano” que uma pessoa que cometeu um crime que não é grave seja algemada.
André Candala diz ter sido convidado para integrar um comité municipal dos direitos humanos, para trabalhar em conjunto com o executivo angolano. Mas “desde aquela data, nunca ouvimos nada, nunca reunimos para apresentar as questões que afetam a população”, diz.
Quanto ao número de mortos, continua a ser uma incógnita. Os números oficiais são inferiores a 10, o investigador e jornalista Rafael Marques contabilizou 13 no seu livro “Miséria e Magia. Revolta em Cafunfo”, partidos políticos da oposição e organizações da sociedade civil falam em mais de 20.
André Candala, que em declarações à Lusa, quatro dias após os confrontos, apresentou uma lista com 25 mortos, aponta agora para um balanço de 91 mortos, enquanto Alfredo Moisés conta cerca de 40.
Segundo André Camdala, que integra a Comissão de Justiça e Paz pelos Direitos Humanos, a discrepância deve-se ao facto de as famílias terem medo e por “desconfiança” não se queixarem sobre a morte ou desaparecimento dos seus familiares.
“Nós passámos casa a casa para apurar esse número”, explica.
Quanto a Alfredo Moisés, integrante da comunidade da Paroquia São José, referiu que as pessoas confiam nos “homens da igreja” para dar os seus testemunhos e sublinha que os corpos continuaram a aparecer vários meses após a violência de 30 de janeiro de 2021.
Segundo a polícia angolana, cerca de 300 pessoas ligadas ao MPPLT, que há anos defende autonomia daquela região rica em recursos minerais, tentaram invadir, na madrugada daquele dia, uma esquadra policial de Cafunfo, e em defesa as forças de ordem e segurança atingiram mortalmente sete pessoas.
A versão policial é contrariada pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição e sociedade civil local que falam em mais de uma dezena de mortos.
Zeca Mutchima é apontado pelas autoridades como cabecilha deste alegado “ato de rebelião”, que para os cidadãos locais era uma “manifestação pacífica”.
O líder do MPPLT, Jose Mateus Zecamutchima e outros arguidos alegadamente envolvidos na manifestação ilegal começaram a ser julgados esta sexta-feira, no tribunal da comarca do Chitato, no Dundo (Lunda Norte)
São acusados da prática dos crimes de rebelião, ultraje ao Estado e seus símbolos e associação de malfeitores.