Já chegou à ONU a queixa apresentada pela defesa do empresário luso-angolano Carlos São Vicente “por detenção arbitrária e violação do direito a um julgamento justo”. Jurista diz que a queixa não tem eficácia jurídica.
Os advogados do empresário luso-angolano Carlos São Vicente apresentaram uma queixa contra Angola nas Nações Unidas, por “detenção arbitrária e violação do direito a um julgamento justo”. Ao que apurou a DW, o Grupo de Trabalho da Organização das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária já terá recebido a queixa em nome do empresário, detido em Luanda desde 22 de setembro passado, acusado de peculato, tráfico de influências e branqueamento de capitais.
A queixa sustentada pelos advogados François Zimeray e Jessica Finelle refere que a detenção ordenada e prolongada pela Procuradoria-Geral da República de Angola “não é razoável” e foi feita “sem o controlo de um juiz”.
Em declarações à DW África, o advogado François Zimeray não quis argumentar mais do que o sentido da queixa: “Ninguém está acima da lei, nem mais o meu cliente, o senhor Vicente, que um outro. Mas ele tem direito ao respeito dos direitos fundamentais garantidos a cada um nesta terra, nomeadamente a presunção de inocência, a dignidade, um processo justo”, sublinha.
“Se não defendemos estes princípios para aqueles que estão na ribalta, porque é que o faremos para aqueles cujo destino não interessa a ninguém?”, lembra ainda o advogado.
“Bode expiatório ideal”
Na queixa, os dois advogados do proprietário da empresa AAA, Carlos São Vicente, que teve uma conta bancária com 900 milhões de dólares congelada na Suíça, denunciam haver “chantagem e processo judicial”, associados a motivações de ordem política, que teve início sob forte pressão social, à qual o Governo angolano teria cedido. Isto, acrescentam, embora o Ministério Público angolano tivesse garantido às autoridades suíças, apenas um mês antes, não ter encontrado evidências que suportem a acusação a Carlos São Vicente, após investigações.
Alegam, por conseguinte, que houve “violação da presunção de inocência” e que o empresário se tornou “um bode expiatório ideal para as dificuldades de um país assolado pela corrupção”.
A defesa refere ainda que o empresário angolano sofre de patologias que o tornam particularmente vulnerável à Covid-19 e alerta que a sua saúde “piorou significativamente devido à falta de acompanhamento médico adequado”, não tendo acesso a água corrente ou água potável.
Carlos São Vicente encontra-se detido na prisão de Viana, em Luanda, “em condições particularmente difíceis”, sobretudo por se tratar de uma prisão sobrelotada, alertam os advogados do empresário.
Por estas e outras razões contidas na queixa, os advogados pedem ao Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária para enviarem um apelo urgente ao Governo de Angola para que proceda à libertação imediata do empresário Carlos São Vicente.
Uma queixa meramente “simbólica”?
Ouvido também pela DW, o jurista português Rui Verde diz que, por um lado, a queixa revela como a antiga elite dirigente angolana age em relação aos seus próprios tribunais, preferindo recorrer ao estrangeiro quando se sente alvo de injustiças.
Por outro lado, “é uma queixa para um subórgão criado pela Comissão dos Direitos Humanos, chamado Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária, e este órgão não tem poderes jurisdicionais sobre Angola. Ouve as partes e depois faz recomendações ao Governo de Angola, que o Governo de Angola segue ou não segue”, explica.
Por isso, o investigador do Centro de Estudos Africanos da Universidade de Oxford, em Inglaterra, acredita que esta queixa serve apenas como um ato simbólico da defesa de Carlos São Vicente. “Não tem eficácia jurídica, porque internacionalmente não há grandes situações de jurisdição sobre a soberania angolana”, lembra.
“Este caso hoje em dia já corre, de igual modo, em Portugal. E embora seja originado em Angola, em Portugal constitui um processo autónomo que poderá ter um seguimento diferenciado do processo em Angola. Portanto, neste momento já temos duas jurisdições com processos relativamente a Carlos São Vicente”, explica Rui Verde. Para o académico, não está em causa a substância da acusação ou o facto de ter sido feita uma detenção arbitrária ou não.