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Angola: Condenação do empresário luso-angolano Carlos São Vicente “é um teatro doméstico”

Jurista Daniel Maurício considera que julgamento de Carlos São Vicente é “encenação” com “resquícios políticos”. À DW África, diz que a Justiça é “seletiva” e anda na “perseguição” de figuras próximas de Eduardo dos Santos.

O Tribunal da Comarca de Luanda condenou na quinta-feira (24.03) o empresário luso-angolano Carlos São Vicente a nove anos de prisão efetiva, bem como ao pagamento de uma indemnização de 500 milhões de dólares (cerca de 454 milhões de euros).

O empresário estava acusado dos crimes de peculato, branqueamento de capitais e fraude fiscal. A defesa promete recorrer da sentença, citando “irregularidades” no decurso do julgamento.

À DW África, o jurista angolano Daniel Maurício diz que o julgamento do empresário foi um “teatro judicial”, por entender que a Justiça angolana está ao reboque da política.

Para o jurista, este julgamento serve para enganar a opinião pública.

DW África: Como  reage a esta sentença que condena Carlos São Vicente a nove anos de prisão?

Daniel Maurício (DM): É mais um caso de tantos outros que existem. Carlos São Vicente não é o único que participou do banquete que drenou os recursos públicos. Como sabe, existem vários outros processos engavetados no tribunal. Mas Carlos São Vicente não teve igual sorte. Outras pessoas que têm algum poderio financeiro neste país ainda não viram os seus processos serem pronunciados. Carlos São Vicente foi ontem condenado num daqueles processos que tem alguns resquícios políticos.

DW África: No seu entender, o que poderá estar por detrás desta condenação?

DM: Nós estamos a verificar uma espécie de encenação. É um teatro doméstico que a Justiça angolana está a fazer transparecer para o público. É daqueles julgamentos encomendados, porque Carlos São Vicente é alguém que está a ser levado ao colo sabe-se lá por quem. A pena que foi aplicada é um tanto ou quanto flexível. Alguém que tenha drenado vários recursos que poderiam servir para a melhoria das condições sociais básicas das populações leva uma pena de nove anos? A qualquer momento essa pena pode ser suspensa com o pagamento de um valor relativo a custas judiciais. O homem pode estar, portanto, em liberdade.

Não houve aplicabilidade de uma moldura penal, pelo menos, naquilo que são os comandos do atual Código Penal. Se assim fosse, Carlos São Vicente, teria, digamos, mais de 15 ou 14 anos, pelo menos, de prisão. O que nós queremos é que a Justiça realmente trabalhe longe dos holofotes da política.

DW África: Isso significa que se estará a preparar terreno para as próximas eleições e a usar estes julgamentos como cavalo de batalha?

DM: Efetivamente. É como se estivessem a atirar areia para os olhos dos cidadãos, fazendo crer que há realmente justiça e que não há seletividade, quando, no fundo, não é isto que estamos a verificar. É, na verdade, uma injustiça.

Se não houvesse qualquer encenação, todas as pessoas que estão envolvidas em vários processos que não tiveram qualquer desfecho podiam ser julgadas, dando assim fé de que a Justiça realmente está ao serviço do povo e da própria sociedade.

DW África: Este julgamento é uma espécie de “caça às bruxas”? O atual regime de João Lourenço está a tentar mostrar que não nutre boas simpatias com as figuras próximas ao ex-Presidente José Eduardo dos Santos?

DM: É o que se está a verificar. Grande parte das pessoas que foram levadas à barra do tribunal estão ligadas ao anterior regime. Estamos a ver que há uma perseguição permanente às pessoas que estavam ligadas a José Eduardo dos Santos. Isso é mais do que evidente. Estamos diante de uma perseguição. Mas é claro que se deveria fazer justiça com a qualidade, isenção e verticalidade necessárias.

DW África: Como é que isso poderia ser feito?

DM: No meu entender, todas as pessoas que participaram da exportação delinquente de capital deviam ser responsabilizadas civil e judicialmente.

 

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