A consultora Eurasia considerou hoje que a crise económica e o crescente descontentamento popular em Angola vai levar o Governo a aprofundar a luta contra a corrupção, atingindo o antigo vice-Presidente Manuel Vicente.
“João Lourenço está a consolidar o controlo no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder) através dos seus esforços contra a corrupção e espera ganhar o apoio popular para esta campanha numa altura em que continuam os protestos contra os escândalos de corrupção no seu Governo”, escrevem os analistas Darias Jonker e Britanny Hughes.
Num comentário aos mais recentes desenvolvimentos no país, estes analistas dizem que “com a acumulação de dívida pública e descontentamento com a economia, João Lourenço vai aumentar os esforços para recuperar os estimados 24 mil milhões de dólares [20,21 mil milhões de euros] que Angola perdeu para a corrupção durante o regime liderado por José Eduardo dos Santos”.
Para os analistas, o Presidente está a ser pressionado para investigar o antigo vice-Presidente e seu conselheiro para a área petrolífera, Manuel Vicente, e poderá usar a mesma estratégia que usou para revogar a imunidade do antigo ministro Manuel Rabelais.
“O Parlamento aprovou a revogação da imunidade judicial de Manuel Rabelais e também no dia 27 de outubro aprovou um novo código penal que vai aumentar as penas para crimes de corrupção, o que pode abrir caminho para a investigação de mais membros da rede de compadrio do antigo Presidente”, escrevem os analistas na nota enviada aos clientes, e a que a Lusa teve acesso.
“A perda de imunidade de Manuel Rabelais abre a porta para Lourenço visar Manuel Vicente, antigo vice-Presidente de Angola e presidente da Sonangol entre 2012 e 2017”, apontam, lembrando que o antigo governante “escapou até agora às perseguições por aconselhar Lourenço sobre os meandros da rede de compadrio de dos Santos e por ajudar na reforma do setor petrolífero”.
No entanto, afirmam os analistas, “continuar a proteger Manuel Vicente pode ser um risco político demasiado grande”, já que o antigo líder da Sonangol já está a ser investigado pelas instâncias judiciais pelo seu papel num dos maiores esquemas de corrupção da era do antigo chefe de Estado, o Fundo Internacional da China”.
Manuel Vicente tem imunidade, enquanto antigo vice-Presidente, até setembro de 2022, mas esta pode ser revertida num processo semelhante ao que foi desencadeado contra Manuel Rabelais, conclui a Eurasia.
O ex-ministro da Comunicação Social e porta-voz de José Eduardo dos Santos, atualmente deputado à Assembleia Nacional pelo MPLA, foi constituído arguido em setembro de 2019 por haver indícios de factos que constituem “atos de gestão danosa de bens públicos, praticados enquanto diretor do Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e marketing (GRECIMA)”, entre 2012 e 2017.
O despacho de acusação refere que Rabelais terá usado os seus poderes enquanto diretor do GRECIMA, para adquirir junto do Banco Nacional de Angola (BNA) divisas que eram posteriormente canalizadas para o BCI (Banco de Comércio e Indústria) para efetivar operações cambiais de compra e transferência de divisas, alegando “compromissos do Estado angolano”.
Manuel Rabelais é acusado dos crimes de peculato, violação das normas orçamentais, recebimento indevido de vantagens e branqueamento de capitais.
O comentário da Eurasia surge na mesma altura em que a Lusa divulgou que uma empresa detida pelo ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente terá lucrado três mil milhões de dólares norte-americanos (2,5 mil milhões de euros) com a transação de dois blocos petrolíferos que tinham sido cedidos a custo zero pela empresa Sonangol.
De acordo com os extratos bancários consultados pela agência Lusa, a empresa Nazaki Oil & Gaz, S.A. detida por Manuel Vicente, quando era presidente da estatal angolana, terá supostamente lucrado o equivalente a 2,53 mil milhões de euros com o negócio que envolveu a Sonangol e a norte-americana Cobalt.