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Angola: Das ruas de Luanda pode nascer o próximo Presidente da República

Quase todas as histórias de quem vive na rua começam de forma triste, nascidas da violência e da pobreza, mas algumas têm um final feliz. Tal como outras crianças, também estes meninos e meninas têm sonhos e há até quem ambicione tornar-se o próximo Presidente da República de Angola.

Muitas das crianças encontram na rua uma alternativa à pobreza da família. Vêm dos bairros periféricos de Luanda, de construção precária e desordenada, com poucos transportes e escassez de escolas e cuidados de saúde, sem saneamento nem água, onde as famílias sobrevivem com os rendimentos que conseguem gerar no dia a dia com pequenas vendas.

Ao contrário do que se vê na cidade, aqui dispensa-se a máscara, embora todos já tenham ouvido falar da covid-19.

Não se pode tirar muito a quem já nada tem e por aqui entre a fome, a malária e as diarreias, um novo coronavírus é só mais um problema.

Rufina é mãe de quatro filhos, entre os quais Agostinho Cateque ‘Pinóquio’, menino que andou nas ruas e agora está de regresso ao lar materno com ajuda das equipas da organização salesiana Dom Bosco, que acompanham crianças em situação de risco.

A malária, principal causa de morte em Angola, deixou marcas em dois dos seus filhos e na mais velha são visíveis os danos cerebrais.

Rufina não tem grandes explicações para a saída de ‘Pinóquio’ do lar materno. Diz que o jovem, agora com 16 anos, não gostava do comportamento no bairro e era perseguido por outros.

Moram numa estrutura básica de blocos de cimento, que já foi de chapa, praticamente sem móveis.

A mãe vende mangas para fazer algum negócio. Quando o dinheiro chega fazem um “matabicho” com pão, quando não há ficam em jejum até se preparar o funge (prato confecionado com farinha de milho ou de mandioca, típico da gastronomia angolana) da tarde.

No quarto de Agostinho, uma parede com a inscrição ‘Pinóquio’ identifica o seu legítimo proprietário. Tem um colchão no chão, uma secretária e todas as ambições legítimas da juventude. Entre elas, a de ser Presidente da República.

‘Pinóquio’ conta que foi para a rua aos 10 anos, devido às desavenças com mãe.

“Era muito desobediente, gostava de mexer, tirava dinheiro e ia jogar ‘playstation’ no ‘cyber’”, relata.

No primeiro dia na rua andou sozinho e acabou na baía de Luanda. Mas como era “muito vergonhoso, não gostava de pedir”, recordou, alguém lhe ofereceu comida e juntou-se entretanto ao novo amigo, Adilson.

“Começámos a batalhar juntos”, recorda. Durante o dia, arranjava trocos a arrumar carros e ingressou entretanto num lar de acolhimento onde fez formação profissional e avançou nos estudos.

Recém-regressado à família devido à pandemia, conta que não se adaptou bem, ao início, à vida no lar.

“Eu gostava muito de discutir, alguns traumas, mas com ajuda dos educadores fui melhorando. Comecei a ser bom menino e também a dar conselhos aos outros, mostrei que posso também ensinar os outros e que zangar-se não é boa coisa, que devemos ter calma”, destaca.

Aprendeu eletricidade e informática, mas a covid-19 travou entretanto a conclusão da formação e a atribuição do certificado.

Mas Pinóquio diz que não vais desistir: “Quando era pequeno sempre sonhei ser Presidente da República de Angola e quero continuar a sonhar. Pretendo seguir direito e ser Presidente ou deputado, ser pelo menos alguém da política para melhorar o que está mal”.

E o que mudava? “A corrupção, a desavença, a discriminação. Tem várias famílias que passam necessidades e os presidentes estão sempre a mentir às pessoas, dizem que vão ajudar e não ajudam”, lamenta.

Para Fernando João Mendes, de 22 anos, a rua foi uma alternativa aos maus tratos que sofria em casa.

Vivia no distrito do Rangel, em Luanda, com os pais e cinco irmãos, mas por causa do “distúrbio mental” do pai, “havia muita violência doméstica”, o que o levou a passar mais tempo na rua.

Aos 10 anos já andava pelo mercado dos Congolenses a tentar fazer algum dinheiro. Chegava por volta das 08:00, varria o lixo e ajudava os vendedores a organizar os locais de venda. O dinheiro servia para alimentação e jogar PlayStation.

Foi aí que encontrou alguns amigos que já conheciam a organização salesiana Dom Bosco e lhe falaram das boas condições de vida dos centros. Ingressou na Casa Magone em 2010, aos 12 anos, e os pais, ao início reticentes, acabaram por ficar convencidos das vantagens da formação.

Ali acabou por fazer alguns cursos profissionais: carpintaria, marcenaria, agricultura, informática e eletricidade, área pela qual enveredou e que lhe permitiu empregar-se e ganhar autonomia.

“Foi aqui que tive oportunidade de ter um trabalho”, diz, sorridente.

Fernando vive com o irmão, que trabalha na área da pastelaria, numa casa arrendada nos arredores de Luanda e trabalha numa empresa onde presta serviços de manutenção, eletricidade e climatização, há dois anos e meio.

O pai faleceu entretanto, mas sempre que pode continua a visitar a mãe e os irmãos.

Fernando sonhou ser um grande jogador de futebol, mas agora só quer acabar a formação em contabilidade que iniciou recentemente e ser “um grande contabilista”.

 

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