Especialista em relações internacionais diz que quem geriu mal o dinheiro público nas missões diplomáticas deve ser responsabilizado. Mas isso não está a acontecer.
Mais uma vez, os críticos voltam a pedir uma investigação às dívidas de Angola. Agora, em particular à dívida das missões diplomáticas angolanas, quando foram já disponibilizados 48 milhões de dólares para a sua liquidação. Na segunda-feira (30.11), a secretária de Estado para o Orçamento e Investimento Público, Aia-Eza da Silva, disse ter ficado surpreendida com as altas dívidas das missões diplomáticas. A governante frisou que “muitas das missões nunca chegaram a justificar na totalidade [os pagamentos], e o dinheiro foi enviado”.
O académico Osvaldo Mboco, especialista em questões internacionais, entende que se deve apurar o que aconteceu ao dinheiro o mais depressa possível.
“Se as missões diplomáticas receberam o dinheiro e não usaram da melhor forma possível o pagamento que o Estado fez, é um caso de investigação e de se culpabilizar quem deve ser culpabilizado.”
Situações como esta “desgastam” a imagem do Estado angolano na arena internacional, acrescenta Mboco: “O país tem de entrar no normal funcionamento e esse tipo de atos [deve] ser combatido a todos os níveis.”
Quem paga as dívidas são os cidadãos
Em 2018, o então ministro da Relações Exteriores, Manuel Augusto, anunciou uma reforma nas representações diplomáticas. Algumas representações foram fechadas e houve redução de pessoal.
Mas, para o académico Osvaldo Mboco, o que se poupou até agora não chega – é preciso aprofundar a reforma nas embaixadas, sobretudo tendo em conta a crise económica e financeira que o país atravessa, agravada com a pandemia da Covid-19.
“É fundamental que se repense uma série de procedimentos que visam melhorar e desafogar aquilo que são as responsabilidades e as despesas do Estado angolano, quer ao nível internacional quer ao nível interno.”
Isto porque, no final, quem paga as dívidas é sempre o cidadão angolano, lembra Cláudio Fortuna, investigador do Centro de Estudos Africanos da Universidade Católica de Angola. “Somos todos nós, é a próxima geração, a geração vindoura que vai herdar um país endividado. Ou seja, vamos ter um país condenado a ser adiado”, afirma.
Há muito tempo que se pede uma investigação às dívidas angolanas. Os partidos da oposição defenderam, por exemplo, a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para esse efeito, sem sucesso.
Em 2018, a então secretária de Estado das Finanças, Vera Daves, disse que cerca de 25% da dívida pública interna correspondia a processos fraudulentos – serviços que nunca foram prestados ao Estado. Mas, dois anos depois da denúncia, o Governo ainda não arrumou a casa e é preciso apurar e responsabilizar quem se beneficiou dessa dívida, comenta o investigador Cláudio Fortuna.
“No primeiro momento, acalentava alguma esperança. Havia uma expetativa de um amanhã diferente, mas o que é facto é que, a meio do percurso, nota-se que há falta de oxigénio para levar a bom porto este processo de responsabilização dos prevaricadores”, conclui.