Jovens que se manifestam nas ruas de Angola queixam-se do desemprego. A diretora da OSISA Angola diz que é preciso apostar na Educação e reduzir a burocracia para constituir empresas e democratizar o acesso ao crédito.
Em Angola, 11 e 21 de novembro de 2020 são datas que ficaram gravadas na história por assinalarem manifestações marcadas pela violência e repressão policial em Luanda. Mas o motivo que leva tantos jovens a sair à rua é intrinsecamente económico e foi dissecado no “Fórum Angola 2020: Sustentabilidade e Inclusão na Recuperação e Reforma Económica”, organizado pela Chatham House, que decorreu dias 23 e 24 de novembro.
Uma das oradoras desta iniciativa online, Sizaltina Cutaia, diretora da OSISA, a Iniciativa Sociedade Aberta para a África Austral, em Angola, traçou à DW o perfil dos manifestantes.
“São jovens entre os 20 e os 35 anos, alguns são estudantes de nível universitário, mas a maioria está à procura do seu primeiro emprego. Muitos desses jovens vivem nas periferias e são filhos de zungueiras, trabalhadoras do setor informal”.
A ativista adianta ainda que se tratam de jovens “que muitas vezes não têm oportunidades e que têm vivido um pouco à margem. Não beneficiaram do ’boom’ que aconteceu no princípio dos anos 2000 e são jovens que já não compram o discurso da guerra.”
Desemprego jovem escalou
Sizaltina Cutaia destaca o grande fosso social que existe em Angola entre a classe média e a classe mais baixa e que o desemprego é a grande preocupação dos jovens. Na Lunda Norte, por exemplo, 80% dos jovens estão desempregados. A nível nacional o número ronda os 56%.
A solução, entende Cutaia, não passa pelo Plano de Ação do Governo para a Empregabilidade (PAPE).
“[O PAPE] não é um programa propriamente de fomento ou de criação de pequenas e médias empresas, é um programa de formação que distribui kits de jardinagem ou de corte e costura. Pensa-se que isto é que vai alavancar a economia?”
Investir na Educação é a chave
A diretora da OSISA Angola diz que esta promoção do autoemprego não faz sentido dentro de uma economia que não cumpre os mínimos básicos. Acredita que parte da solução passa por uma maior inclusão dos cidadãos nos processos políticos, pela redução da burocracia necessária para a constituição de empresas, mas também para o acesso ao crédito.
“Acho que era preciso democratizar um pouco mais esse acesso [ao crédito] e fundamentalmente investir na educação. Nós não podemos ter uma educação precária e depois esperar que as pessoas sejam inovativas e tenham grandes ideias quando há uma educação que não desenvolve as habilidades dos jovens para que eles possam sobreviver”, argumenta.
País não aguenta mais impostos
O economista Manuel José Alves da Rocha, outro dos convidados do Fórum Angola 2020, diz que Angola está não só a sofrer uma recessão económica, mas também social. E afirma que a solução não passa pelo aumento de impostos.
“Tudo isto tem de passar por uma retoma da dinâmica de crescimento da economia angolana. Sem esta retoma do crescimento, mais nada vai acontecer. Nem a consolidação fiscal vai ser possível porque a capacidade de pagamento de impostos das empresas e das pessoas tem limites. Tem limites económicos, sociais e políticos. Portanto, não se pode tentar a consolidação fiscal aumentando os impostos”, argumenta.
O economista e director do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola diz que a dependência das receitas do petróleo é um dos graves problemas económicos de Angola e que, apesar de tudo, o país precisava de investir.
“O país necessita da presença do Estado na Saúde, na Educação, na Economia criando infraestruturas, melhorando a sua competitividade. Eu não tenho nenhuma bola de cristal, mas lamento dizer que as minhas expectativas são preocupantes para mim próprio”, salienta.
Que futuro para Angola?
Alves da Rocha não antecipa um futuro auspicioso para a economia de Angola, relembrando que em 2022 há eleições gerais, e reforça que as expetativas dos angolanos têm sido sucessivamente defraudadas desde a independência em 1975.
Laura Macedo, ativista e uma das cidadãs que subscreveu as cartas ao Governo da província de Luanda para as duas últimas manifestações, e que tem saído à rua para se manifestar contra o Governo, também se queixa de não ver qualquer transição económica, apenas mudanças de pastas.
“Essa transição económica nós não a vemos mesmo, não está a ser feita. O que está a acontecer é a passagem de uma mão para a outra. Nós tínhamos, por exemplo, no tempo do [Presidente] José Eduardo dos Santos a Odebrecht a entrar nas [obras das] barragens, estradas e nas fábricas. E hoje nós vemos uma empresa que se chama Omatapalo. Um dos donos da Omatapalo é só o Sr. que João Lourenço nomeou para governador da província da Huíla.”
A ativista refere-se a Luís Nunes, nomeado Governador em 2018, questionando a independência do empresário, apesar de estar afastado da Omatapalo.