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Angola: É verdade que, se o MPLA caísse agora, Angola mergulharia no caos?

No dealbar do já longínquo ano 2000 (quando comecei a minha caminhada no activismo que dura até hoje), Angola estava a braços com uma guerra que caminhava para um quarto de século, e a propaganda do regime, mais do que expor Jonas Savimbi como um «criminoso de guerra», fez questão de afirmar que, caso a UNITA tomasse o poder, o país entraria num caos maior ainda do que o da guerra.

Transcorridos 20 anos, e apesar de as evidências apontarem que o MPLA é o maior problema de Angola, não é só o regime que (continua a) apregoa(r) que, sem o MPLA no poder, Angola entraria em caos. Vários activistas também defendem actualmente que, se o MPLA caísse agora, Angola mergulharia num extenso e profundo caos. Assim sendo, defendem, mais vale o MPLA continuar no poder, pois, não existe uma oposição à altura e a sociedade civil é desorganizada.

Será isto verdade? Ou seja, não existe na oposição nenhum partido que tem capacidade política para cuidar do país caso o MPLA caísse? O que é sociedade civil organizada?

Para desmontar a tese em referência, precisamos apenas de recorrer a quatro linhas de análise, a saber: (1) o desempenho do MPLA no poder; (2) a questão da experiência da oposição; (3) o desempenho dos grupos e organizações da sociedade civil e (4) a agenda de legitimação da manutenção do MPLA no poder.

1 – O DESEMPENHO DO MPLA NO PODER:

Angola tem sido governada pelo mesmo partido desde 11 de Novembro de 1975. Transcorridos 45 anos, os indicadores de governação, desenvolvimento social, desenvolvimento humano e qualidade de vida em Angola são inequívocos. As edições regulares do Relatório sobre a Situação da Infância no Mundo (da UNICEF), do Relatório de Desenvolvimento Humano (do PNUD), do Índice de Percepção sobre a Corrupção no Mundo (da Human Rights Watch), do Índice sobre Ambiente de Negócios (do Banco Mundial), do Índice Ibrahim para a Governação em África (da Fundação Mo Ibrahim) etc. mostram claramente que Angola faz parte da lista dos países que são projectos falhados, a exemplo da Guiné-Bissau, da República Democrática do Congo, da Serra Leoa e da Somália. A incompetência do MPLA tem 45 anos. E os 3 anos do actual Presidente da República já demonstraram que é ingénuo acreditar que a organização política que levou o país ao abismo é a mesma que vai tirá-lo do pântano civilizacional em cuja lama chafurda há décadas;

2 – A QUESTÃO DA EXPERIÊNCIA DA OPOSIÇÃO:

Em primeiro lugar, é uma falácia deslavada avaliar os partidos na oposição como se já tivessem alguma vez governado Angola. Isto nunca aconteceu. O partido no poder deve ser avaliado segundo o que fez/faz. Os partidos na oposição devem ser avaliados segundo o que prometem fazer. É falso o enunciado que remete todos os partidos na oposição como sendo organizações incompetentes, que não têm ideias sobre como tirar Angola do marasmo em que se encontra. Por outro lado, existe na oposição um partido que, por ter criado e gerido um Estado dentro de outro Estado, ganhou uma considerável experiência de governação: a UNITA. Na Jamba, criada no final da década de 1970, a UNITA não se limitou a fazer mera gestão militar da sua luta. A Jamba foi uma sociedade alternativa, um país dentro de outro país. Um território com população e instituições: tinha postos e centros médicos, bem como hospitais, escolas de nível básico e médio, escola de altos estudos, centros de formação profissional, centros de logística, sistema agrícola, sistema de telecomunicações, sistema de trânsito etc. Em diversos aspectos, a Jamba era superior à República de Angola. A própria qualidade dos militares das FALA é um exemplo disso. Ademais, qualidade dos técnicos de saúde e educação formados na Jamba é impossível de desprezar. Fica evidente que a UNITA tem inteligência e experiência política para segurar Angola e governar caso o MPLA caísse hoje ou amanhã. Outro partido, o Bloco Democrático, embora não tenha a larga experiência da UNITA, possui, porém, uma notável visão de país. Mais do que isto, a sua inteligência política, aliada ao seu irrepreensível projecto político e ético, torna-o um partido à altura.

3 – O DESEMPENHO DOS GRUPOS E ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL: o que é sociedade civil?

A sociedade civil «refere-se à arena de acções colectivas voluntárias em torno de interesses, propósitos e valores. Na teoria, as suas formas institucionais são distintas daquelas do Estado, família e mercado, embora na prática, as fronteiras entre estado, sociedade civil, família e mercado sejam frequentemente complexos, indistintos e negociados. A sociedade civil comumente abraça uma diversidade de espaços, actores e formas institucionais, variando em seu grau de formalidade, autonomia e poder. [Sociedade civil é um domínio frequentemente povoado e constituído] por organizações como instituições de caridade, organizações não governamentais de desenvolvimento, grupos comunitários, organizações femininas, organizações religiosas, associações profissionais, sindicatos, grupos de autoajuda, movimentos sociais, associações comerciais, coalizões e grupos activistas» (Campos, 1999). A sociedade civil é organizada quando, para além da existência de organizações, a mesma possui mecanismos de comunicação entre os grupos, os movimentos e as organizações, bem como mecanismos de trabalho conjunto (colaboração e cooperação) e mecanismos de protecção. Em Angola, a sociedade civil organizada é uma realidade. O facto de a ADRA, a AJPD, a Omunga, a SOS Habitat, o SINPROF, a Ordem dos Advogados de Angola, o Sindicato dos Enfermeiros de Angola e muitas outras organizações comunicarem entre si, cooperarem e colaborarem é evidência de que existe sociedade civil organizada em Angola. Mais do que isto, mesmo os grupos informais e movimentos sociais e políticos têm conseguido realizar projectos de considerável impacto as comunidades em que estão baseadas e na sociedade em geral. Os 15+2, por exemplo, não são uma organização e nem têm sequer um líder, mas o seu impacto no tecido político, social, judicial, e cultural de Angola é impossível de ignorar. Aliás, nos últimos 3 anos, vários deles criaram várias organizações que têm desenvolvido projectos diversos com impacto a curto, médio e longo prazo, sem descurar o combate político. Nota-se que, caso o MPLA caísse, as individualidades da sociedade civil, os grupos, os movimentos e as organizações da sociedade civil, a exemplo dos que mencionei, embora não tenham vocação para governar, estão sim em condições de participar no processo de ajuda à gestão de Angola. Ademais, há figuras da sociedade civil que, mesmo sem terem tal pretensão, têm capacidade de fazer gestão política se fossem chamadas a contribuir;

4 – A AGENDA DE LEGITIMAÇÃO DA MANUTENÇÃO DO MPLA NO PODER:

A tese segundo a qual, sem o MPLA, Angola cairia no caos, que tem sido vociferada por activistas bem posicionados, não apenas revela ignorância sobre a realidade política, social e cultural de Angola como revela aquilo a que tenho chamado de agenda de legitimação da manutenção do MPLA no poder. Nenhum activista, grupo, movimento ou organização em Angola tem de morrer de amores pelos partidos políticos na oposição ou mesmo concordar com a forma como outros activistas, grupos, movimentos e organizações da sociedade civil se posicionam sobre a situação actual de Angola, suas causas e caminhos solucionais a adoptar. Mas é enganador afirmar que os partidos políticos (todos eles, sem excepção) não possuem competência para tomarem conta de Angola e que a sociedade civil não está à altura de contribuir para a saída de Angola do pântano para onde o MPLA a conduziu e atolou. Depois de 26 de Setembro de 2017, o regime recorreu à estratégia de tomar para o seu lado vários activistas fazendo-o através da cooptação tácita. Estes activistas têm desempenhado o papel de defender a duvidosa tese de que Angola somente sairá do marasmo em que se encontra com a manutenção do MPLA no poder, o que tem implicado deles terem de defender a outra tese igualmente duvidosa de que a oposição é fraca e incompetente e a sociedade civil é desorganizada, sendo que Angola mergulharia no caos sem o MPLA.

Entrementes, não devemos aceitar que o futuro de Angola continue a depender de uma organização criminosa que deixou o país de pantanas, e que agora vem a terreiro, com recurso a bocas de aluguer, impingir-nos a mentirola de que somente ela pode pôr fim às trevas em que o país se encontra há longevos 45 anos.

 Nuno Álvaro Dala

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