O presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), Dom José Imbamba, considera ter havido um recuo no combate à corrupção, mas que, ainda assim, a expectativa se mantém para que o país avance, o diálogo se faça e se possa renovar o interior das pessoas – o seu espiritual.
Em entrevista à ANGOP, o arcebispo faz, apesar disso, uma avaliação positiva do combate à corrupção, pois espera que todos os males corrosivos que a sociedade foi acumulando ao longo dos tempos, por causa das más políticas, sejam banidos e surja uma administração pública aberta, transparente e justa.
Para isso, alerta sobre a importância de um “investimento forte” na educação à cidadania, que ponha fim ao que denomina “cancro social”, e mostra-se preocupado com a proliferação de seitas, sobretudo, quando pervertem e instrumentalizam a ignorância alheia, ameaçam a segurança familiar e social, e a integridade física das pessoas.
Aos partidos políticos adverte: “não dominem todo o poder social, porque esse egoísmo partidário ofusca o sentido do bem comum e de Pátria”.
Eis a entrevista na íntegra:
ANGOP: O mandato do Governo eleito em 2017 está a terminar. Que avaliação socioeconómico e política pode fazer?
Dom José Imbamba (JI): Trata-se de um mandato marcado por vários acontecimentos e vontade de reformar o Estado, de injectar uma nova forma de governar, de primar por uma governação ética e de transformar consciências, no sentido de elevar os níveis de qualidade dos serviços prestados aos cidadãos.
É um mandato que abriu muitas expectativas aos cidadãos, na forma e na força como as coisas estavam a ser iniciadas, o que nos levou, de facto, a acreditar num novo paradigma, numa nova forma de ser e fazer governação e, sobretudo, a vontade de querer corrigir, de uma vez por todas, os males endémicos que manietam o país nos níveis de insatisfação em que nos encontramos.
Embora nos encontremos numa fase de estagnação, uma espécie de recuo, de revisão dos métodos ora lançados, a expectativa mantém-se, porque queremos ver um país avançar, dialogar mais com os cidadãos, crescer em todos os sentidos, renovar-se por dentro e renovar o interior das pessoas (espiritual). Contudo, essa renovação deve acompanhar as dinâmicas históricas que o país está a viver.
Esperamos que a justiça, neste processo da Reforma do Estado, tenha papel preponderante, para poder responder a todos estes desafios que a realidade em si impõe. Esperamos que os partidos políticos não dominem todo o poder social, porque esse egoísmo partidário ofusca o sentido do bem-comum e da Pátria.
ANGOP: Como encara a liberdade de expressão e de imprensa no país?
JI: Este é outro fenómeno que devemos explorar em diversos ângulos. A liberdade é dada de forma natural, e o homem, por natureza, é um animal livre que se move pelo seu livre arbítrio.
É claro que, neste capítulo, também a nova governação injectou uma vontade de fazer diferente, mas, ao mesmo tempo, na medida em que o tempo foi avançando, começamos a sentir que alguma coisa estava a comprimir-se.
ANGOP: Como melhorar?
JI: É preciso esvaziar o sufoco político, para que as pessoas trabalhem, se exprimam, exerçam as suas missões sem pressão política, social, financeira e de clubes de interesse. É preciso que a liberdade de expressão e de imprensa no país seja vivida no marco da lei, como é óbvio, e no respeito com tudo aquilo que tem a ver com as dinâmicas sociais que existem em Angola.
ANGOP: Desde 2017, vivemos, de facto, um novo paradigma?
JI: Como disse no início (…), sentimos este desejo de injectar um novo paradigma, saudamo-lo e até o encorajamos. Oxalá se mantenha essa chama, porque se impõe uma nova cultura de governação, administração e de viver em sociedade!
ANGOP: A democracia em Angola marcou passos?
JI: A nossa democracia ainda é tímida, falta coragem, maior dinâmica, saber ler os sinais dos tempos, linguagem fluida entre os políticos e os cidadãos. Precisamos de nos educar para a democracia, para convivência plural, acreditar e trabalhar por uma Angola forte democraticamente.
ANGOP: Como avalia o combate à corrupção no país?
JI: A minha avaliação é positiva (…). É bom que todos estes males corrosivos que a sociedade foi acumulando ao longo dos tempos por causa das más políticas e do compromisso com a ética sejam banidos, para que tenhamos uma administração pública aberta, transparente, justa e gestores que servem para o bem-comum. Esse combate deve ser feito com um investimento forte na educação à cidadania, visto que é um problema que se tornou numa espécie de cancro social.
Não devemos falar só da corrupção a partir do topo, pois todos queremos corromper e nos deixamos corromper, dado que alimentamos o vício de pagar até um serviço da administração pública de que um cidadão deve beneficiar de forma gratuita.
ANGOP: E como encara os relatos de selectividade neste combate?
JI: É muito difícil fazer esta avaliação, porque o processo em si ainda está em curso. Penso que ainda não acabou, ainda estamos numa ponta do iceberg. A coisa ainda não está depurada. Acho que a nossa Procuradoria-Geral ainda tem muito trabalho por fazer.
É um processo que começou. Vamos dar tempo ao tempo para poder tirar as conclusões. O que esperamos é que as instituições de direito tratem este fenómeno da corrupção com justiça, lisura e a transparência que se impõe.
ANGOP: A questão das autarquias continua a não ser consensual entre os partidos políticos, devido ao gradualismo. Qual pensa que deve ser o caminho para que definitivamente se implementem essas eleições no país?
JI: As autarquias estão inerentes ao processo da própria democracia, são eleições que se implementam quando se atinge maturidade democrática.
Encorajo os nossos governantes a trabalhar no sentido. Os deputados devem acelerar os pacotes legislativos referentes às autarquias, a fim de que o país, de facto, se torne dinâmico e não seja prisioneiro de um centralismo que monopoliza tudo e depois não faça trabalhar nada e ninguém, fazendo prosperar a burocracia, que é uma paralisia para o desenvolvimento que queremos.
ANGOP: Como qualifica a divergência entre os partidos, relativamente às autarquias locais?
JI: São divergências naturais entre os partidos políticos, visto que cada tem um ponto de vista, estratégia, objectivo a atingir, e, às vezes, nestes aspectos, as divergências são muito fortes, mas todos são convergentes quando há necessidade das autarquias, e nisso ninguém está em discórdia.
Mas creio julgar que mais tarde ou cedo todos chegarão a um consenso para podermos, finalmente, dar este passo desejado.
ANGOP: O ano 2022 será marcado pela realização das eleições gerais. Quer deixar algum conselho aos partidos políticos?
JI: Há necessidade urgente de os nossos partidos darem um salto de qualidade, deixarem de lado o ego e dedicarem-se ao bem-comum.
Infelizmente, muitos partidos só aparecem no momento das eleições, mas o que fazem ao longo de todos os outros tempos? Onde ficam? Como interagem com os problemas da sociedade? Como é que provocam o partido no Governo a tomar decisões boas a favor da população?
Os partidos não podem desejar um país que todos pensemos da mesma maneira ou vejamos a realidade com a mesma cor, uma vez que o país assim não cresce. Nós não podemos matar o sonho das pessoas nem podemos exigir que todos vejamos o vermelho onde está o branco.
É preciso um trabalho grande nos partidos, para se concretizar a democracia e se deixar de fora os egos. Todos, mesmo na divergência, temos de nos unir em torno do desenvolvimento do país, da paz social e da estabilidade política.
ANGOP: O senhor arcebispo sempre defendeu o combate ao tribalismo e às assimetrias. Angola deu passos positivos nesse quesito?
JI: Está a dar passos importantes, mas temos de continuar em vigilância, porque estes fenómenos ainda persistem, embora em baixa tonalidade. Portanto, temos de continuar a dar esses passos. Felizmente, o nosso país neste quesito tem dado lições muito grandes à convivência entre várias culturas existentes e está a consolidar-se cada vez mais.
ANGOP: Que análise sociopolítica pode fazer sobre a região Leste?
JI: Ao longo do tempo, a região Leste viveu no esquecimento, mas, felizmente, pouco a pouco, começa a ganhar relevo e notoriedade, todavia continua miserável com problemas tribais, continua não interligada em termos de estradas.
Finalmente, estamos a ver agora a grande obra de reabilitação da Estrada 230, que vai transformar, e de que maneira, a região Leste do país.
Falta a ligação dos centros das capitais às comunas. Os acessos ainda são muito difíceis. Há comunidades ainda sedentas, com fome e esquecidas, sobretudo aquelas que estão perto das orlas fronteiriças com a República Democrática do Congo.
Existem comunidades no Leste onde há escolas, mas sem professores; existem postos médicos, porém faltam técnicos de saúde e medicamentos. O comércio não flui por causa do mau estado das vias.
São problemas que devem ser resolvidos com alguma urgência para evitarmos o êxodo rural e que os jovens se dediquem ao garimpo de diamantes.
ANGOP: Como encara o papel social das empresas do sector privado no Leste?
JI: O papel social das empresas no sector privado é muito importante, no sentido de não cairmos no assistencialismo, como antes. A responsabilidade social que sempre desejamos é isso que se está a fazer, intervindo nas inteligências e na formação das pessoas, para que sejam elas mesmas a produzir o seu próprio desenvolvimento.
Louvamos o fomento de bolsas de estudos e a promoção de cursos profissionais que estão a ser financiados pelas empresas mineiras.
Não devemos encarar a responsabilidade social como uma forma de sonegar pessoas, sonegar benesses, não. Mas também não podemos pensar que a responsabilidade social das empresas substitui as obrigações do Governo. O Governo tem obrigações, não deve afastar-se delas para esperar que as empresas mineiras façam aquilo que poderia fazer.
ANGOP: Que avaliação faz da diversificação da economia nacional?
JI: O programa de diversificação da economia nacional é bem-vindo, e nós encorajamos. Contudo, infelizmente, vejo que paralisou no tempo e no espaço. Sinto que há clubes económicos fortes que não estão a encarar bem esta diversificação da economia. Os clubes que vivem das importações estão a estrangular este desejo de diversificação.
É preciso fazer-se um trabalho com as políticas mais corajosas, porque sinto que a vontade de diversificar está a ser condicionada à pressão que estes clubes, no caso empresários de força, estão a fazer ao Governo.
ANGOP: O que falta para se impulsionar?
JI: É preciso investir no empresário angolano e na agricultura, visto que Angola tem tudo para prosperar, e temos de acreditar no país, mas, com a criação de clubes ou grupos de interesses estranhos a Angola, será difícil conseguirmos.
ANGOP: A igreja em Angola continua a exercer o seu papel?
JI: Sim. A igreja acolhe todos, continua a ser mãe educadora, aquela que forma consciência que dá instrumentos necessários aos seus filhos, a fim de que possam fazer o seu bom uso para o bem-comum
Por isso, o papel da igreja é ajudar para que o Reino de Deus se instale, também, em Angola, o evangelho que liberta, desperta, que compromete as pessoas com a liberdade, justiça, paz e virtudes, que fomenta fraternidade universal e que nos ajuda a viver todos como irmãos.
ANGOP: A proliferação de seitas preocupa-o?
JI: A proliferação de seitas é preocupante, sobretudo quando perverte, preocupante quando instrumentaliza a ignorância alheia, manipula pessoas com efeitos financeiros, preocupante quando ameaça a própria segurança familiar, social, ameaça a integridade física das pessoas, quando comercializa Deus, quando mantém as pessoas na ignorância.
Estas seitas, em vez de pregarem o evangelho, promovem a divisão de famílias, satanismo, matanças, adivinhas e actos ilícitos.
Há seitas que usam o nome de Jesus Cristo, mas não são cristãs, são seitas pagãs, só usam Jesus Cristo de chamariz, para atrair clientes e não fiéis.
ANGOP: O que motiva este fenómeno de proliferação e como o combater?
JI: O que motiva este fenómeno é a miséria. As seitas estão a explorar a miséria do povo. É obrigação do Governo disciplinar, regulamentar e ordenar isso, pois a liberdade religiosa não é sinónimo de escancarar as portas para tudo quanto vier. Há que se avaliar as teologias e a seriedade das pessoas que propõem para liderar agremiações religiosas.
Perfil
Nascido em 1965, em Boma, província do Moxico, Dom José Manuel Imbamba estudou Teologia. Foi ordenado padre a 29 de Dezembro de 1991, na Diocese do Luena.
Em 1995, foi enviado para Itália, onde se doutorou em Filosofia, tendo regressado ao país em 1999. Foi magno chanceler da Universidade Católica de Angola e porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé e Príncipe (CEAST), bem como presidente da Comissão Episcopal da Cultura.
Actualmente, é presidente da CEAST.