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Angola: “Em Malanje, sou intimidado pelos serviços secretos”, diz Padre Dionísio Mukixi

“A crítica neste país é crime, é considerado terrorismo.” A rádio Malanje deveria prestar aos contribuintes um serviço que ofereça o exercício à cidadania, aos direitos humanos, à justiça, paz e às desigualdades. Mostrar a realidade da nossa província, sobretudo nestes períodos em que há fome, mostra a realidade de forma que o governo não faz.

Agostinho Quimbanda: Gostava que o Sr. Padre reflectisse sobre as liberdades cívicas, até mesmo de pender religioso ou de imprensa. Como vê a arena provincial de Malanje em termos de liberdade de expressão, de manifestação, em Malanje?

Padre Dionísio Mukixi: Malanje não foge à regra de outros lugares. Há uma tendência para usurpar, sobretudo o poder político, ou adormecer outras áreas que poderiam ajudar ao exercício da cidadania, uma vez que, segundo o artigo 11º da CRA, todo o cidadão deve participar na vida activa do país. Somos nós, através do voto, que elegemos os políticos, mas é pena que o poder popular eleja alguém que acaba por controlar outras áreas do saber. Em termos de direitos e liberdades fundamentais – liberdade religiosa, de manifestação, de reunião, política – ainda estamos distantes. Não consigo conceber que exista um sistema judicial que, em primeiro, detém a pessoa e somente depois investiga. Num país desenvolvido, realmente democrático, antes de me deter fazem uma investigação e, depois, um mandado de captura que explicite o motivo. Não posso ser detido e capturado de qualquer forma. Nós vemos que, cá, muitos cidadãos, só porque estava na rua ou no local onde ocorre um incidente, ao caírem nas mãos das autoridades são presos durante uma semana ou dez dias. Só depois os investigadores e o ministério público averiguam o caso e podem chegar à conclusão de que não é culpado. É preferível um ladrão solto, do que um incidente na cadeia, mas ninguém consegue retribuir esses dez dias em que a pessoa foi privada da sua liberdade. Quem são os presos das nossas unidades penitenciárias? Não são os que saquearam o país, os corruptos, os que branquear capitais. São os que se desconfia que roubaram uma botija, uma galinha…ficam lá dez anos. Onde estão os maiores corruptos? Portanto, há uma injustiça na desigualdade quando se refere aos direitos de justiça, de igualdade.

No que diz respeito ao religioso, tenho afirmado que a covid19 tem servido de esconderijo para esquartejar as liberdades e os direitos fundamentais dos cidadãos. A covid19 não actua só na igreja. As crianças não podem ir à igreja, mas podem ir à escola, que é um lugar de aglomeração. Nas escolas pode-se, mas na rua não podem estar mais de dez pessoas juntas. “Estamos no tempo da pandemia”. Então e as actividades dos partidos políticos, que promovem actividades partidárias, campanhas eleitorais? São anti-covid? Vejo que há uma tendência para suprimir, limitar e suspender os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, de forma imediata e sem autorização. A era da covid19 está a servir como aproveitamento para anular os direitos fundamentais dos cidadãos, provocando distúrbios e desordens sociais, causando também um profundo sufoco.

AQ: Será que é saudosismo do tempo do comunismo, através da negação do direito à religião? Será que estamos a ver aquilo que é a visão ideológica do partido no poder que, historicamente, reprimiu direitos religiosos?

PDM: Sem dúvida, isso inclusive foi declarado publicamente, através de um alto mandatário do partido – daqui a cinquenta anos a religião seria algo do passado. Sabemos que é um partido de matriz comunista-social, onde os valores absolutos, transcendentes, não significam nada. Como ficou claro com a máxima de Karl Marx, “a religião é o ópio do povo”, tendo por base o comunismo, o partido que governa o nosso país não é muito simpático face à religião pois foi ela que despertou os cidadãos para a libertação nacional. A luta armada foi suscitada pelos líderes da igreja, assim como a capacidade de lutar pela independência e conquistar a liberdade. Foi a igreja, com o pastor Manuel das Neves e outros, que deu origem às mudanças nas mentalidades. O partido que governa tem medo de alguns posicionamentos da igreja. Nós que trabalhamos na Comissão Justiça e Paz somos particularmente mal conotados, somos vistos como opositores, quando na verdade queremos ajudar a que se estabeleça um Estado democrático de direito onde os direitos e liberdades fundamentais contemplem o exercício da cidadania através da participação na vida política.

AQ: como vê a relação dos partidos na província de Malanje? Tem registado alguns actos de intolerância política?
PDM: Não podemos esquecer que a intolerância política não se reflecte somente através de ferimentos físicos ou de mortes. Há também a intolerância verbal, que é cometida por vários partidos. Através dos seus discursos ofendem, usam expressões que suscitam a violência, o ódio e a perseguição. Angola é um Estado democrático e, onde há democracia, tem de haver pluralismo partidário, tem de haver liberdade de expressão. Ainda que o Papa Francisco lembre que “a liberdade de expressão não significa dizer, faltar ao respeito ou ofender o outro”. Na nossa província não registos de intolerância física, mortal ou de acidentes entre partidos, o que é um sinal de maturidade e responsabilidade. Existe, contudo, intolerância verbal, para a qual chamamos atenção sobretudo nos tempos que aproximam as campanhas eleitorais. É importante que os partidos políticos sedeados em Malanje possam trabalhar, fazer as suas campanhas sem nunca recorrer à intolerância, seja física ou verbal, de forma a construirmos uma província que esteja assente em valores democráticos, de diferenças, porque a diferença é que faz o mundo.

AQ: Como vê a actuação da rádio Malanje, face à liberdade de imprensa?
PDM: Todos os órgãos estatais têm esse problema. Em nenhum país existe um órgão estatal, vinculado ao governo, que se poderá opor ao programa. Será sempre a favor. Mas nós temos de saber em que Estado estamos. O Estado de direito é um Estado constitucionalmente consagrado e a norma é a constituição. Todos os actos estatais, administrativos, particulares, singulares, devem submeter-se à constituição. A rádio, enquanto empresa pública, sobrevive através da nossa contribuição, pelo que é um órgão nosso. Assim sendo, a rádio Malanje deveria prestar aos contribuintes um serviço que ofereça o exercício à cidadania, aos direitos humanos, à justiça, paz e às desigualdades. Mostrar a realidade da nossa província, sobretudo nestes períodos em que há fome, mostra a realidade de forma que o governo não faz. Sabemos que em Angola, por termos um partido que controla tudo, a própria constituição é que se submete à autoridade do partido. Vivemos num Estado-Partido ou Partido-Estado.

AQ: Então a constituição é apenas uma questão formal?
PDM: Exatamente. A constituição está certa, mas não se pratica. Se se praticasse, Angola seria uma nação próspera e em desenvolvimento. Estamos como estamos pelos partidos políticos terem rejeitado submeterem-se à constituição. Daí que os serviços prestados pelas empresas públicas não são satisfatórios, pois estão ao serviço de uma máquina partidária, uma máquina que não possibilita que os seus feitos, dizeres possam ser conhecidos para não serem alvo de críticas. A crítica neste país é crime, é considerado terrorismo.

AQ: ainda sobre a questão da liberdade de imprensa, como é que olha o papel da Rádio Ecclésia em Malanje? Tem estado em prol dos mais fracos?
PDM: O próprio auditório malanjino considera a Rádio Ecclésia como uma rádio do povo de Deus. A sua linha editorial tem como missão «proclamar o Evangelho até aos confins da terra». É pena que a rádio Ecclésia tem uma limitação, não tem antenas repetidoras que possam levar a palavra de Deus a todos os cantos. Ainda assim, vem promovendo a pluralidade que antes não existia, mostrando outro lado da verdade.

Gostaria de contar uma pequena história. A verdade e a mentira eram duas amigas bem-queridas e todo mundo sabe o que é a mentira, quem é a mentira… e todo mundo sabe quem é a verdade! Neste contexto, comparando a imprensa pública e a privada, podemos dizer que são amigas (a verdade e a mentira). Aconteceu que um dia a mentira queria corromper a verdade, pôs-se ao sol, aqueceu-se ao sol e depois exclamou: ‘oh amiga verdade, hoje o sol está bem abrasador, não queres experimentar?’ E a verdade disse: ‘é verdade!’. Era mesmo verdade, pode afinal a mentira também falar a verdade? Ficaram a aquecer-se e a mentira tramou ainda mais e inventou outra história. Foi até ao poço, meteu a mão na água e exclamou: ‘oh amiga verdade, hoje como o dia está tão abrasador, a água está bem, bem fresca, fresquinha’. A verdade foi lá, meteu a mão e, de facto, a água estava bem fresca. Será que a mentira é mesmo capaz de falar verdade? A mentira criou outra astúcia e disse, ‘que tal? Vamos tomar banho! Como a aldeia é um pouco distante, vamos tomar banho já aqui, que o calor também é demais, o que achas verdade?’. A verdade olhou para a mentira e pensou, ‘esta aqui está a armar alguma coisa’, mas aceitou. Tiraram a roupa, puseram a roupa de fora e entraram, as duas, no poço. A mentira viu que a verdade estava no fundo da água, saiu fora do poço, pegou na roupa da verdade, vestiu-as e, onde passava, vestida de verdade, era elogiada por toda a gente. Toda a gente adora a mentira vestida de verdade. Todo o mundo acreditou na falsa aparência da mentira, conformando-se com a mentira. A verdade, quando saiu do poço e viu que a mentira vestira a sua roupa, penso ‘o que é que faço? Visto a roupa da mentira?’. O que farias? Vestirias a roupa, os casos da mentira ou irias nu para o bairro? Kiá, kiá, kiá, kiá, kiá, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. A verdade não aceitou vestir a roupa da mentira, preferiu ser a verdade nua e crua, mesmo que incomode. Por isso Jesus morreu, por falar a verdade nua e crua. As novas gerações só têm medo que Angola nunca mudará porque o sistema político implantado em Angola, com órgãos de comunicação sustentados na mentira, formata gerações a mentir, impedindo que se mude o país. A rádio Ecclésia é este órgão que promove a verdade, a cidadania, a justiça social. É quem se dedica a trabalhar para estas coisas, ao lado dos mais fracos. A rádio Ecclésia veio trazer um outro lado e quem sai a ganhar é o governo, pois está a receber cidadãos formados, críticos construtivos que vão contribuir para a província e para o país.

AQ: alguma vez se sentiu intimidado por participar dos debates radiofónicos da Ecclésia?
PDM: Sim, sim, muitas vezes. Já várias vezes quebraram os vidros do meu carro, estacionado num sítio qualquer. Uma vez encontrei-o aberto, vandalizado, tinham roubado os documentos e deixaram alguns rastos que indica que são pessoas ao serviço da contrainteligência. Mesmo assim não tenho receio de falar na rádio, eu sei o que estou a fazer, estou seguro do que defendo, dos princípios éticos, morais, de liberdade, de justiça e paz e dos direitos humanos que pretendo promover. Não nos deixaremos intimidade porque a nossa opinião, expressa na rádio e em debates, é a verdade e tem de ser dita para que Angola, Malanje, conheça também uma abertura em termos de comunicação social dos direitos humanos e da justiça social. Essa abertura é necessária para se derrubar o poder constituinte. O governo deve saber que o povo de Malanje também merece viver bem, com dignidade. Malanje lutou pela independência, participou na luta armada, participou em todo o processo político e é fiel ao MPLA. Ainda assim é um povo submetido a condições infra-humanas, sem acesso a estradas, água potável, energia, não tem justiça social e está cada vez mais em subdesenvolvimento. Nós procuramos alertar o Estado, o governo provincial, para que trabalhe para o povo.

AQ: A igreja tem vindo a dar uma palavra a nível do governo provincial, denunciando casos de injustiças. Tem dado também alguma recomendação?
PDM: Sim, a igreja católica em todo mundo é parceira do Estado. Em Malanje, o actual governador é alguém que tem muito em conta os líderes religiosos. Tem sempre em conta a contribuição da Igreja Católica, especialmente na figura do Bispo e do Senhor Arcebispo. Nunca faltamos a nenhum encontro convocado pelo Sr. Governador, no sentido de lhe transmitir as nossas contribuições, mas também denúncias e algumas críticas, sempre construtivas. Quando nos querem escutar passamos as nossas contribuições. Se têm sido levadas em prática ou não, é outra história. Também temos estado presentes nos encontros de auscultação das comunidades da administração municipal, assim como no Comité Provincial dos Direitos Humanos. Temos uma presença muito forte na província. Se o governo a tem em consideração ou não, não pode dizer que é porque a Igreja Católica só é crítica. Nós temos procurado sempre ajudar.

AQ: Como é que vê a situação do registo civil em Malanje?
PDM: Ainda estamos com défice porque, apesar de haver esta iniciativa do governo, do registo gratuito, o Sr. Ministro Francisco de Queirós, convidou a Comissão Episcopal Justiça e Paz, a nível do país, a participarmos do processo massificado do registo e distribuição de bilhete de identidade. Aqui em Malanje, temos trabalhado com o Sr. Vitorino Domingo, coordenador a nível provincial dos direitos humanos e justiça. O ministério pediu-nos para, numa primeira fase, que recrutássemos jovens – da Comissão Justiça e Paz, escuteiros – que têm experiência de trabalho, para ajudar o governo. Recrutamos mais de 200 jovens para fazerem o registo em todos os municípios. Receberam uma formação nos bombeiros, em Março do ano passado. Os que passaram para a segunda fase, foram dispensados por causa da covid19. Até hoje, nunca mais fomos solicitados e os jovens continuam sem saber se continuam ou não, mas sabemos que o registo não parou. Sem nos dizer, retiraram o apoio da Igreja Católica. Nós fomos, inicialmente, envolvidos no processo. Recrutamos jovens experientes, se calhar pensaram que nós podíamos exigir dinheiro, mas nós trabalhamos para o bem do país, dos cidadãos. O Comité Provincial dos Direitos Humanos, na pessoa do coordenador, até hoje, nunca mais voltou a solicitar-nos.

Fico muito triste em ver que, na nossa província, há mais de não sei quantas crianças, pessoas adultas, sem registo, bilhete. Há claramente um défice, mas a atribuição de registo e de um bilhete de identidade é um direito inalienável, que não se pode adiar, porque nós somos cidadãos a partir do bilhete de identidade e outros documentos que nos dão vínculo jurídico. A cidadania ganha-se a partir desse vínculo com o Estado que, por sua vez, mostra cada vez mais incompetência em atribuir bilhetes aos seus cidadãos. Portanto, um Estado que nega esse direito ao seu cidadão, não é um Estado democrático e de direito.

AQ: Gostaria de ouvi-lo falar sobre a relação entre a Comissão Justiça e Paz, que dirige, e as outras associações e instituições da sociedade civil.
PDM: A nossa Comissão começou a ganhar corpo a partir de 2017-2019, mas por causa da pandemia ainda não nos conseguimos implantar, embora estejamos presentes a nível de todas as paróquias. Temos atuado a nível da linha social, das denúncia, promoção dos direitos humanos, formação e de justiça social e paz. Temos trabalhado com o Comité Provincial dos Direitos Humanos e, também, com a Cáritas. Infelizmente, por causa da covid19, não conseguimos estabelecer as pontes que queríamos com a sociedade civil. Entramos agora nesse plano de trabalho, pensamos trabalhar com a ADRA, a FAZ, o CICA, a Cruz Vermelha.


AQ: Historicamente, entende-se que a igreja também violou direitos humanos. Qual é a sua opinião face à violação dos direitos humanos a nível da igreja, como é o caso da pedofilia?
PDM: Enquanto instituição, a Igreja foi fundada por Jesus Cristos, ao chamar os doze Apóstolo que, até hoje, é guiada por bispos, pelo Papa, por sacerdotes e…por fiéis. Ela, em si só, como instituição, é isenta de qualquer erro. Enquanto instituição querida por Deus, porque o Seu fundador é Santo e assim a quis para continuar a missão de evangelizar e dignificar a dignidade da pessoa humana.

AQ: Mas, a doutrina social da igreja, vai dizer que «a Igreja é Santa e pecadora»
PDM: Pecadora, exactamente, como instituição. Santa e pecadora. Santa porque Jesus É Santo, nunca pecou, nunca quis fundar uma igreja pecadora; pecadora, porque no meio da própria igreja há homens e esses homens não são anjos. Enquanto vivem na carne, satisfazem as necessidades da carne. Muitas vezes, os desejos da carne levam os homens a pecar, a lutarem entre si. Como instituição, a igreja é, hoje, a reserva moral do mundo e muitas vezes, as ideologias políticas que surgiram no mundo – comunismo, socialismo, capitalismo – não puseram o homem no centro. A igreja sempre se levantou contra sistemas que vão contra o trabalho forçado; a não remuneração justa, o trabalho não digno. A igreja sempre se revoltou contra esses direitos, embora num passado próximo também tenha cometido erros. Na linha da humanidade, onde estão os homens há sempre essas coisas. A igreja, como instituição composta por homens, esses homens pecaram. Como Adão e Eva, todo o homem pecou, mas com a redenção de Cristo que morreu e, portanto, o pecado é da dimensão humana, não é da dimensão divina. Enquanto homem, o Padre Dionísio, é um sujeito e é padre, é preciso uma separação. Esse é um padre que cometeu pedofilia, não é a igreja em si, mas o corpo. Agora, sob esta questão, a Igreja deparou-se com muitos problemas sociais, políticos e religiosos. A Igreja conseguiu combater o tráfico de escravos. Antes da Idade Média, o homem era um simples produto, não era respeitado como tal. Depois do nascimento de Cristo, com Santo Agostinho e São Tomás da Aquino, surge a pessoa humana como imagu dei, imagem de Deus, que deve ser respeitada nos seus direitos e liberdades fundamentais. É aí que vemos que todas as constituições buscaram os direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana. Antes de Cristo, o homem era uma coisa res publica, da república. Depois de Cristo, passa ser o centro, o promotor de tudo que deve ser respeitado. Por isso Cristo defendeu os pobres, os desamparados, marginalizados, sendo esta, ainda hoje, a missão da igreja. Contudo, no seu seio, existem pessoas que destabilizam, desestruturam a moral da igreja. Foram vários os sistemas políticos que quiseram desestabilizar a igreja, por ser contra o casamento homossexual. Homossexuais entraram na igreja, até chegarem a Padre, e começaram a fazer o que diz, para então dizerem que não valia a pena continuar a defender o casamento entre um homem e uma mulher. Portanto, homem e homem podem casar! Essas pessoas entraram na igreja com esse intuito. Havendo padres pedófilos, homossexuais, a própria estrutura da igreja iria degradar-se. Essa moral que permanece intacta desde que Cristo nos deixou, é que impediria o progresso, o desenvolvimento. O que é o progresso? Dizer não ao casamento homossexual é ir contra um direito, dentro dos direitos humanos, mas na linha do que é o direito natural, o casamento deve ser entre homem e mulher, que é a linha que a igreja perpetua. A igreja continua assim por conta dessa estrutura rígida. Muitos estados querem avançar para outro tipo de convivência social, outros tipos de famílias. Muitas máfias infiltraram a igreja, para destruir a moral, infiltrando homossexuais, gays, todo o tipo de espécie de mal. A própria igreja, o próprio Espírito Santo, tem sabido conduzir, sabendo separar o trigo do joio, ainda que continuem na igreja. Chegaremos ao fim e o próprio Cristo fará a separação.

AQ: Em Malange, pensa que a questão da pedofilia dentro da igreja está em alta, média ou baixa?
PDM: Para já, o próprio fenómeno da pedofilia não começou na igreja, não começou com os padres. Nos países desenvolvidos, esse fenómeno começou com a forma de viver das creches, dos lares de idosos, das unidades prisionais e até mesmo no seio das famílias. Hoje, o mundo quis manchar a igreja como aquela que trouxe a pedofilia. É como se diz, há milhares de aviões a voar e isso não é notícia, se um cair, toda a televisão do mundo vai falar disso. Isto para dizer que, tantas famílias cometem esses crimes, mas basta ser um sacerdote, um pastor, para ser notícia. A nível de Malanje, temos registos, não sei se é pedofilia, mas de maiores a namorar com menores.

Para dizer, a nível de Malanje, temos registos, tem vindo a crescer, não sei se é pedofilia… é mesmo, dos maiores namorar com os menores.

AQ: Nós queremos olhar mesmo para a igreja, de forma que seja uma lição para a sociedade. Poderíamos também falar de abusos sexuais dentro da igreja. Não sei se se tem deparado com situações dessas.
PDM: Quanto à realidade de Malanje, nós pensamos ter o quadro controlado. Aqui somos pouquíssimos sacerdotes e dos religiosos que aqui colaboram, não tenho registos nem a nível de tribunal, nem comunitário e espero que não venha a acontecer. Talvez só tenha a visão geral, mas em Malanje não temos estes problemas.

AQ: Existem outras situações de pendor sexual que o Sr. Padre tenha tratado enquanto presidente da Comissão?
PDM: Antes de sermos sacerdotes, temos um período longo de formação. Em primeiro, entramos no seminário onde nos habituamos ao ritmo de vida solitária que iremos viver. O presbítero deve assimilar todos os valores, de obediência, castidade e pobreza. Aquele que quer ser padre deve desapegar-se das coisas materiais, porque o dinheiro é a mãe de todos os vícios. Contudo, o dinheiro por si só não é o problema. O problema é o uso que se faz dele. Somos chamados a viver como Cristo, desapegado das coisas. Segundo, a obediência a Cristo, que nos chamou e depois, a castidade. A castidade é a lei do celibato. O sacerdote é chamado a não ter mulher porque Jesus não teve. Ao entrar no seminário, sozinho, renuncia livremente ao matrimónio. Renunciamos o que é bom e escolhemos o que é melhor, para facilitar. Imagine um Padre que tenha mulher, família, como é que fica a questão da disponibilidade? Cristo soube que aqueles que estivessem disponíveis, teriam de observar a estas três coisas: castidade, pobreza e obediência – os três votos evangélicos. A lei do celibato vem dizer que, aqueles que decidiram deixar tudo e seguir Cristo, não podem viver em duplicidade. Se não conseguir viver, a própria igreja lhe dará a liberdade. Se notares que não podes, podes desistir e dar-te-ão dispensa e podes casar, fazer outra vida. Enquanto sacerdotes representamos Cristo, que não teve mulher, serviu, caminhou com as mulheres, defendeu-as, às crianças, às pessoas, mas não se apegou a nenhuma dessas realidades, sob pena de não ter uma visão geral de outras coisas. Portanto, em Malanje, não temos visto nenhum caso, se não chegaria a público.

AQ: Para terminar, gostaria que enviasse uma mensagem à juventude malanjina. Há quem diga que é uma juventude materialista, imediatista. Que conselho lhes daria?
PDM: Em primeiro lugar, temos de reconhecer que estamos num país que deveria oferecer condições mínimas para que, cada um, a partir da própria formação técnico-profissional conseguisse emprego além do que o Estado dá. A maior parte dos jovens em Malanje só esperam os concursos do estado para trabalhar. Não houve, no período pós-guerra, formação para se encontrar emprego, para o autoemprego. Quem passa pela escola, não necessariamente tem de ter um emprego. As universidades, as escolas médias e técnico-profissionais deveriam ter uma formação de empreendedorismo. Um aluno que termine o ensino médio, na área da informática deveria estar capacitado para arranjar um emprego e até empregar outras pessoas. O sistema de formação que temos leva-nos ao imediatismo. Terminam a formação, tem de ter emprego, o que significa ter carro, dinheiro e tudo o mais. O próprio sistema de educação que nos implantaram em Angola, não é virado para o empreendedorismo. Fico muito escandalizado quando ouço mães a dizer, “se não for à escola, vai ser um desgraçado”. Pois, tiram a capacidade de formação profissional, técnica, outras competências e habilidades que, por si só, gerariam emprego e deixam os jovens malanjinos amputados. Quando a carência é grande, o imediatismo também é maior, o que não serve de justificativa. Devemos nos preocupar primeiro em ser, o ser é o alicerce, a base, o prioritário. O que eu tenho, deve-se aquilo que sou, mas a própria corrente filosófica utilitarista, o materialismo, o consumismo e o modernismo, levam-nos a ter, a inverter o quadro. Em primeiro as pessoas querem ter e depois ser. Daí que vemos muitos políticos, primeiro a serem políticos, chefes, e só depois é que se preocupam a formação. Primeiro, é lugar para ser do partido, conseguir um cargo, ser chefe e depois ir à escola. Esta tendência está a passar para os jovens e eu quero chamar à atenção para que se preocupem primeiro em ser, e depois em ter. Até Karl Marx que defendeu que “o ser sem o ter, é inútil”, sustentou esta tese de que as sociedades valem aquilo que possuem, aquele que produz e não aquele que é. Porém, quem lê bem o pensamento de Marx, ele diz, quando terminar o meu ser, onde estará o meu ter? A primazia é o ser. Eu vejo jovens que não trabalham, mas têm um telemóvel de última geração. Porquê sustentar isso? Temos de tentar essas pessoas de valores, de formação, para depois sustentar o que queremos adquirir. Ao contrário do que nós vemos, as pessoas lutam para ter, e depois esquecem-se que não são. Quando procuram ser, já estão alienadas, já estão no consumismo, no modernismo, em vários vícios que nos deixam a desejar. Tudo isto passa pela formação, é necessária uma educação para o empreendedorismo. Desta forma teremos uma sociedade em que o jovens não terão este imediatismo, não esta sede de ter que os leva a cometer crimes. Teremos uma juventude capaz de empreender e criar emprego para si e para os outros.

AQ: Sr. Padre, para concluir, quais são as suas últimas palavras?
PDM: Muito obrigado, do fundo do coração, por esta visita e entrevista. Queremos augurar que a Comissão Justiça e Paz em Malanje existe e recebemos, inclusive, o pedido de Sua Excelência o Ministro do Urbanismo e Território para trabalharmos no orçamento participativo e iremos trabalhar também com algumas organizações sociais, como a ADRA, CICA, CIC, e outras por aí. A Comissão Justiça e Paz em Malanje existe para ajudar a nossa província a crescer. Pedimos aos jovens, aqueles que têm habilidade de contribuir para o crescimento da nossa província para se juntarem a nós. O poder político, a nível da nossa província, deve ver nos organismos e organizações espaços de colaboração, não para derrubar o poder constituinte, mas para trabalhar com o próprio Estado para que este encontre indivíduos, uma sociedade preparada em termos de religião, de direitos humanos, de ética e de conservação dos bens públicos. Tudo isto passa pela construção de uma sociedade pluralista e isenta de discriminação social.

 

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