O antigo vice-presidente angolano Manuel Vicente foi ouvido terça-feira, como declarante, pela Procuradoria-Geral da República, no processo-crime que envolve o empresário angolano Carlos São Vicente, segundo fonte judicial
Segundo o porta-voz da Procuradoria-Geral da República (PGR), Álvaro João, trata-se de um ato normal, salientando que o ex-vice-presidente de Angola, durante a Presidência de José Eduardo dos Santos, foi notificado a prestar declarações no processo do arguido Carlos São Vicente.
“Foi ouvido ontem [terça-feira] na Assembleia Nacional e só volta a ser chamado se houver alguma necessidade. Em princípio aparece como declarante, prestou as declarações, e só poderá aparecer arrolado no processo se, de facto, tiver alguma culpabilidade”, disse.
Álvaro João esclareceu que Manuel Vicente, atualmente deputado, foi ouvido por, na altura, presidir à petrolífera estatal angolana Sonangol, acrescentando que o processo segue em instrução e por isso foi realizada esta diligência.
O responsável frisou ainda que a instrução deste tipo de processos normalmente pode demorar, dependendo das provas que forem reunidas.
A audição decorreu na Assembleia Nacional, o que, segundo o porta-voz da PGR, é uma prerrogativa legal, que permite que determinadas entidades, quando notificadas a prestarem declarações, escolham o lugar e a hora em que pretendem ser ouvidas.
O empresário luso-angolano Carlos São Vicente está detido desde setembro, em Luanda, por suspeitas de corrupção, tendo a prisão preventiva sido prolongada, segundo um despacho de 20 de janeiro da PGR por mais dois meses.
Carlos São Vicente está também a ser investigado na Suíça por suspeita de branqueamento de capitais.
O despacho que determinou a prisão preventiva do empresário angolano Carlos São Vicente refere que este levou a cabo “um esquema ilegal” que lesou a petrolífera estatal Sonangol em mais de 900 milhões de dólares (cerca de 763,6 milhões de euros).
De acordo com o despacho a que a Lusa teve acesso na altura, o empresário angolano, que entre 2000 e 2016 desempenhou, em simultâneo, as funções de diretor de gestão de riscos da Sonangol e de presidente do conselho de administração da companhia AAA Seguros, sociedade em que a petrolífera angolana era inicialmente única acionista, terá levado a cabo naquele período “um esquema de apropriação ilegal de participações sociais” da seguradora e de “rendimento e lucros produzidos pelo sistema” de seguros e resseguros no setor petrolífero em Angola, graças ao monopólio da companhia.
Desta forma, Carlos São Vicente passou a ser o “detentor maioritário das participações nas AAA Seguros, com 89,89%, em detrimento da Sonangol, que viu as suas participações sociais drasticamente reduzidas em 10% [a 10%], num prejuízo estimado em mais de USD 900.000.000,00 [cerca de 763,6 milhões de euros ao câmbio atual]”, não tendo a petrolífera “recebido qualquer benefício”, em contrapartida, adianta-se no documento.
De acordo com o despacho, o arguido terá referido que as cedências de participação foram feitas “com base num acordo informal” entre ele, enquanto representante da AAA Seguros, e o então presidente do conselho de administração da Sonangol, e mais tarde vice-presidente de Angola, Manuel Vicente.
Ainda de acordo com o despacho transcrito, “grande parte do Ativos das AAA Seguros, SA, que já cessou a atividade, pertencem a outras empresas do mesmo grupo detidas/controladas pelo arguido Carlos Manuel de São Vicente”, através de “um processo fraudulento em prejuízo do Estado angolano”.Perante o exposto, o documento conclui “não restarem dúvidas, dos suficientes indícios de estar o arguido Carlos Manuel de São Vicente, incurso na prática dos crimes de peculato (…), recebimento indevido de vantagens (…), corrupção (…), participação económica em negócio (…) tráfico de influências”.
O AAA, liderado por Carlos São Vicente, é um dos maiores grupos empresariais angolanos, operando na área de seguros e da hotelaria.