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Angola: Faço trabalho doméstico 9 horas por dia e ganho 20 mil kwanzas

O meu nome é Lucília Ximenes, nasci em Luanda e tenho 29 anos. Os meus pais vivem no Panguila e estão ambos reformados. O pai era polícia e a mãe, vendedora de roupa de fardo. Sou a sétima filha de um total de 8 irmãos.

Faço trabalho doméstico 9 horas por dia e ganho 20 mil kwanzas”

Vivo no bairro da Lixeira (Sambizanga), com o meu marido e três filhas. A mais velha tem 11 anos e as outras duas, 8 e 7 anos.

Comecei a estudar com 7 anos, mesmo no Sambizanga (o bairro onde nasci), na escola do Armazém. Estudei até à 8ª classe, mas reprovei na 4ª. Na 5ª classe, mudei para a escola da Fé, também no Sambizanga. Parei de estudar quando tinha 15 anos, devido às dificuldades financeiras.

Namoro e matrimónio

Comecei a namorar com 15 anos. Tive 2 namorados, dos quais não quero falar, porque as coisas não correram bem com nenhum deles. Depois, conheci o terceiro namorado, que é o meu marido.

Conheci-o com 17 anos e engravidei mesmo aos 17 anos. A minha primeira filha nasceu quando eu tinha 18 anos. O meu namorado foi apresentado à minha família e fui viver com ele.

Vivemos na casa dos pais dele, num quarto. De início, o quarto era suficiente para nós e a nossa filha bebé. Mas hoje, com 3 filhas, o quarto ficou pequeno para a família.

As minhas filhas estudam. Tenho conseguido mantê-las a estudar, apesar das dificuldades e de nem sempre o marido dar o apoio esperado. O grande apoio recebo dos pais dele, visto que termos um tecto já é bom.

Vida profissional

Depois de ter tirado um curso de pastelaria e panificação, na escola Dom Bosco (no Sambizanga), comecei a trabalhar com 16 anos. Vendia hambúrgueres e bebidas, numa roulotte no Kinaxixi.

Aos 18 anos, antes do nascimento da minha primeira filha, fiquei alguns meses a trabalhar como empregada doméstica. Trabalhei grávida, até que dei à luz.

Depois da criança nascer, surgiu a possibilidade de trabalho num restaurante de malianos, nos Congoleses. Trabalhei aí quase dois anos.

Saía de casa antes das 7 horas, para chegar ao serviço pouco antes das 8 horas. Era um trabalho muito cansativo, porque cozinhava e servia às mesas, das 8 às 18 horas. Eram dez horas de pé, sempre a andar de um lado para o outro.

Nessa altura, ganhava 20 mil kwanzas. Os malianos pagam muito mal, mas são exigentes no trabalho. Se não cumprimos, despedem-nos.

Como era um trabalho muito cansativo, desisti passados quase dois anos. Surgiu um emprego numa residência da Vila Alice, que aceitei. Voltei a fazer trabalho doméstico. O salário era o mesmo, mas o trabalho não era tão cansativo, nem exigia a permanência diária durante 10 horas.

Trabalho doméstico

Com 20 anos, voltei a fazer trabalho doméstico. Trabalho numa casa da Vila Alice, onde vive um casal angolano, com uma filha de 3 anos. Cuido da casa e ajudo a cuidar da bebé. Faço tudo lá em casa, menos engomar. Mas também cozinho para o pessoal da empresa do meu patrão, que são umas 10 pessoas.

Não fico em casa sozinha com a criança, porque a patroa não trabalha. Só a ajudo a cuidar da filha.

O salário combinado foi de 20 mil kwanzas, mais 500 kwanzas por dia para o transporte. Há dias em que saio mais cedo de casa e vou para o serviço a pé, para poupar o dinheiro do transporte.

Faço trabalho doméstico 9 horas por dia e ganho mal. Como combinámos que o salário aumentaria mais tarde, pedi o aumento. Esse aumento foi só de 5 mil kwanzas, feito em Outubro deste ano (no mês passado, portanto).

Mas antes disso, em Agosto, estava eu no caminho de regresso a casa, quando fui atropelada por um carro. Quando dei conta, já o carro estava a bater em mim. Caí e perdi os sentidos. Dei conta depois que tinha perdido os documentos. E como perdi a memória, estava sem saber quem era.

Fiquei 10 dias em casa, mas felizmente lá fui recuperando a memória. A patroa ligou para mim, para voltar a trabalhar. Voltei, no final de Agosto. Continuei a trabalhar normalmente, mas ainda me esqueço das coisas e tenho alguma dificuldade no trabalho.

No mês passado (Outubro), o patrão chamou-me e disse que ia me despedir, porque me comportei mal. Não disse o que fiz e eu também não sei o que fiz de errado.

Trabalhei até ao fim do mês de Outubro, recebi o salário e fui para casa. Pela primeira vez, recebi 25 mil kwanzas. Tendo-me despedido, o patrão disse que ia mandar um mês de salário em Novembro e estou à espera. Dei o meu IBAN, para ele fazer a transferência.

Mas acho que assim não está bem. O patrão devia explicar-me o que fiz de errado, para me corrigir. Até porque a pancada que levei foi forte, ao ponto de ter causado amnésia. Ainda há coisas que não me lembro. E também faço muita confusão com números e datas.

Neste momento, estou sem emprego, à espera que o patrão mande o salário de um mês que ficou de enviar.

Quem está bem agora são as minhas filhas, porque antes tinham de ficar sozinhas em casa. Agora estou a passar o dia com elas, mas ou o patrão reconsidera, ou então vou ter de arranjar rapidamente outro emprego.

Não estou habituada a depender do marido. E também temos de juntar dinheiro para irmos para nossa própria casa, porque já não está a dar para viver em casa dos sogros, num quarto com 5 pessoas.

Se não aparecer emprego como empregada doméstica, estou a pensar arranjar negócio para vender. Não posso é ficar parada.

Observação: O caso é real, mas o nome e os dados de identificação são fictícios.

Paulo de Carvalho

Vanguarda 

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