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Angola: Família e amigos choram perda de “Beto”, que queria “uma Angola melhor”

Família e amigos de Inocêncio Matos “Beto”, o estudante que morreu numa manifestação em Luanda, choram a perda do jovem que “queria ver Angola melhor” e procuram explicações para a tragédia, que atribuem à polícia.

No bairro São Pedro da Barra, na periferia de Luanda, dezenas de pessoas agrupam-se à volta de uma mesa com velas, que ficarão acesas durante a noite para alumiar a foto de Inocêncio Matos “Beto”, à porta da casa onde este vivia com a família.

É assim que os angolanos homenageiam os seus mortos. O óbito (velório) durará pelo menos três dias, ao longo dos quais a família dará de comer e de beber a familiares, amigos e vizinhos, e chorará a perda do seu ente querido, entre prantos, cânticos e danças religiosas e tradicionais.

“Beto”, estudante de 26 anos, participava na tentativa de manifestação frustrada pela polícia na quarta-feira e perdeu a vida em circunstâncias ainda por esclarecer: o relatório médico fala de agressão por objetivo contundente, mas testemunhas no local onde o jovem tombou dizem ter sido baleado pela polícia.

Na foto do óbito, “Beto” é ainda um jovem que sorri, num traje formal, talvez a caminho da universidade Agostinho Neto onde frequentava o terceiro ano de Ciências da Computação.

Alfredo Miguel de Matos, o pai, mostra à Lusa o relatório médico que indica que o estudante que morreu no hospital Américo Boavida foi vítima de “agressão física com objeto não especificado”, de que resultou “traumatismo cranioencefálico grave, fratura aberta e penetrante frontal direita com exposição de tecido cerebral”.

Mas para o ex-combatente das FAPLA (forças armadas do MPLA), que perdeu um filho há um ano, e faz agora novo luto por “Beto”, as explicações não são convincentes.

“Dão-nos a entender que o Inocêncio entrou vivo para o hospital, mas por tudo o que espelha o próprio documento acreditamos que tenha entrado já morto. O que aconteceu foi nada mais do que brutalidade, uma atitude desproporcional das forças policiais”, diz.

O antigo militar entende que a polícia não deve só sair à rua para reprimir: “Pode prender, se for o caso, e ouvir melhor as pessoas. Acredito que se tivessem oportunidade de ouvi-lo, teriam uma perceção diferente”.

“Não temos como suportar essa dor”, lamenta, consternado, descrevendo o filho como “um orgulho” para a família, que vive com dificuldades.

“No tipo de famílias que somos, ter um filho a este nível realmente foi o orgulho da família, um filho completamente regrado, sem motivos de queixa embora determinadas pessoas queiram fazer passar a informação distorcida sobre o indivíduo que ele era”, declara à Lusa.

Questionado sobre se a família vai avançar com um processo judicial, Alfredo Matos afirma que não poderão contratar um advogado por dificuldades financeiras, agradecendo o apoio de quem “de boa fé” queira patrocinar o processo para “que se faça justiça”.

Numa barraca ao lado da casa, um grupo de amigos despedem-se também de “Beto”, que era natural do Uíje.

Jacinto Julião, de 24 anos, amigo e vizinho, lamenta a “perda muito grande” e diz que Inocêncio era “pessoa de bem que nunca fez mal a ninguém”.

“Não sei se lutar pelos nossos direitos é um crime, não estou a conseguir entender”, desabafa.

Relata sobre a morte o que lhe contaram: “Ouvi dizer que os policias tentaram afugentar a população, disseram que foi um tiro direto para a cabeça do Inocência. Dizem que morreu na hora, e não a caminho do hospital”.

Um jovem “estudioso que tinha muito para dar na vida”, descreve outro amigo, Francisco Domingos Panzo, de 34 anos.

“Saiu para dar voz ao povo, à juventude, e foi morto por isso. É de lamentar, acabaram com a família dele, o pai investiu muito nesse miúdo e ele investiu muito nos seus estudos, ele não merecia aquilo que lhe aconteceu. Esperamos que atos como esse não aconteçam mais, para que jovens como esse, que pensam num futuro melhor para todos, sejam mais ouvidos”, defende.

Manuel Vieira não conhecia Inocêncio, mas quis mostrar solidariedade à família.

“É realmente muito triste, a juventude angolana não pode admitir isso, temos de condenar esses atos do Governo que são errados”, afirma à Lusa, lamentando a partida de “um jovem que poderia dar muita coisa para esse país, um jovem que tinha um sonho de ver Angola melhor”.

“A polícia não tinha nada que tirar a vida do nosso irmão”, critica Manuel Vieira, prosseguindo: “Dizem que o futuro de Angola está na juventude, mas estamos aqui todos parados, não aproveitam essa força que a juventude tem, simplesmente tiram-nos a vida. Até quando?”

Leo Paxi Kennyata, ativista cívico, veio também prestar solidariedade “ao mano Inocêncio, que foi vítima da brutalidade policial no dia 11 de novembro em plena manifestação”.

“Há uma bala sim, não sabemos se uma bala de borracha ou uma bala real, mas é mesmo causado pela polícia”, destaca, contrariando as versões da polícia e dos médicos.

Os jovens lançaram uma campanha para ajudar a família de Inocêncio de Matos e aceitam donativos financeiros e bens materiais para “poder suprir algumas das necessidades da família e dar um enterro condigno” ao seu “ente querido”, afirma.

Nas redes sociais circulam já convocatórias para vigílias em memória de Inocêncio Matos, que se tornou “mártir” e herói involuntário para os milhares de jovens que quiseram fazer ouvir a sua voz no Dia da Independência, numa manifestação proibida e reprimida pela polícia.

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