O desaparecimento, há 15 dias, do cadáver de um idoso, na morgue central de Luanda, juntou hoje alguns familiares em frente à instituição, a exigirem a entrega do corpo para realizarem as cerimónias fúnebres
O caso começou no dia 03 de janeiro quando Kialunda Manuel, de 85 anos, morreu em casa, por motivo de doença.
Os familiares dirigiram-se então à Casa Mortuária Central de Luanda onde o cadáver deveria ser conservado por quatro dias, para os preparativos do funeral, contou hoje à agência Lusa, o filho do idoso, Alexandre Manuel.
Segundo este familiar, três dias depois voltaram à morgue para saber do corpo, mas o cadáver havia desaparecido.
“Desde o dia 06 de janeiro até hoje o corpo não aparece”, disse Alexandre Manuel, realçando que a presença hoje na morgue visou exigir explicações.
Alexandre Manuel frisou que “os responsáveis da morgue não dizem nada”, lembrando que a família se encontra “muito abalada” com a situação.
“Estamos cá todos os dias e não informam onde está o corpo do nosso pai. Queremos fazer o funeral do pai e, por isso, estamos aqui a exigir que o corpo apareça”, repetiu.
De acordo com o filho, caso o corpo não apareça, o caso será levado à tribunal, apelando à justiça e aos defensores dos direitos humanos, que ajudem a família.
Alexandre Manuel lamentou a forma como a família está a ser tratada, salientando que a direção da morgue remeteu o assunto para o Governo da Província de Luanda, que por sua vez os encaminhou para o Velório Provincial de Luanda, que devolveu a questão à morgue central.
“Já falamos com as duas pessoas indicadas pela morgue e o que eles dizem é que não sabem do paradeiro do corpo”, disse.
Questionado sobre a possibilidade de ter havido uma troca de cadáveres, Alexandre Manuel disse que a própria morgue descartou essa hipótese, porque se, por engano tivesse sido entregue a outra família para ser enterrado, o corpo pertencente àquela família estaria na morgue.
“Mas aqui não sobrou nenhum corpo, o que indica que não há troca por engano. Nós vamos continuar com esta manifestação até o corpo do nosso pai aparecer, até nos entregarem esse corpo para fazermos o funeral”, disse Alexandre Manuel, o mais novo de oito irmãos.
Por sua vez, João Emanuel, outro dos filhos, disse que está afetado psicologicamente com esta situação e pelo que viveu no último domingo.
“Tenho problema psicológico, no domingo, estivemos aqui na morgue, vimos quase todos os cadáveres, puxaram gaveta a gaveta, tive que ver todos os mortos que estiveram aqui no domingo passado e nenhum era o nosso”, lamentou.
Também João Emanuel acredita que não houve troca de cadáveres, porque viram os registos das entradas e saídas, contactaram alguns familiares e nada foi confirmado.
“Essa possibilidade já se descartou, é uma pura mentira”, referiu o familiar, sublinhando que se trata de um momento “doloroso” para a família.
“Porque o meu pai era o chefe da família e, segundo a nossa tradição africana, depois do seu enterro deveria haver certos rituais para a nomeação do novo chefe da família. Com esta situação não temos como proceder dessa forma, razão pela qual até ao momento ainda estamos reunidos, ainda não espalharam as pessoas, porque se espalharem as pessoas a família fica sem um líder”, frisou.
Segundo João Emanuel, a direção da morgue supostamente tentou propor à família uma indemnização, o que não foi aceite.
“Segundo a tradição africana, a pessoa tem três famílias, que são o lado materno e paterno e os filhos, sentamos as três famílias e os mais velhos disseram que na tradição nunca se vendeu um corpo e também não se pode comprar um corpo, implica dizer que descartamos essa possibilidade de indemnização. O que queremos e estamos a exigir é o corpo do nosso pai”, salientou.
A Lusa contactou a direção da morgue para uma reação ao assunto, sem sucesso. Contudo, sem aceitar gravar entrevista, um dos responsáveis da morgue disse que não se trata de desaparecimento, mas de troca de cadáveres.
A fonte, que pediu para não ser identificada, avançou que se encontra na morgue um corpo, que deu entrada antes do dia 3. No entanto, a sua identificação tornou-se impossível porque a ficha ficou inutilizada pela humidade.
O responsável pelos cemitérios e morgues de Luanda, Filipe Mahapi, igualmente contactado pela Lusa, remeteu o assunto para a direção da morgue, salientando que está a acompanhar o caso.