Organizações de defesa dos direitos humanos defendem que Angola registou alguns progressos desde que alcançou a paz, há 20 anos, mas alertam que há “muito caminho para andar”, porque a pobreza “é avassaladora” e a violência policial “inaceitável”.
O Governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) assinaram em 04 de março de 2002 um acordo de paz que pôs fim a 27 anos de guerra.
Vinte anos depois, o diretor-executivo da Amnistia Internacional Portugal, Pedro Neto, diz, em declarações à Lusa por telefone, que Angola vive “a paz do vencedor”.
Admite que “houve evolução, naturalmente”, nomeadamente porque “já não há partes beligerantes a combater entre si é já não há minas a serem colocadas, há minas a serem retiradas”.
Também a investigadora da Human Rights Watch (HRW) para Angola e Moçambique, Zenaida Machado, diz que nas últimas duas décadas “houve alguns pontos positivos”, como o esforço do Governo para registar as crianças e dar aos angolanos o direito à cidadania, os esforços para reduzir o tráfico de seres humanos, os progressos em relação aos direitos das minorias sexuais ou a vontade do Governo em “engajar e comunicar mais com a sociedade civil”.
No entanto, Zenaida Machado alerta que esses progressos “foram em grande parte abafados por muitos pontos negativos”.
Pedro Neto alerta que “a democracia ainda tem muito caminho para andar em Angola” e destaca que “a pobreza extrema ainda é avassaladora, apesar da disponibilidade financeira” que o petróleo e outros recursos naturais conferem ao país.
“Nós temos neste momento pessoas a morrer de fome em Angola. Também devido à seca e às alterações climáticas, mas também devido à ação direta” do Governo do Presidente João Lourenço, lembra o dirigente, recordando que no sul de Angola as autoridades dividiram terras comunitárias que eram usadas pela população para a criação de gado e a pastorícia, distribuindo-as por “grandes fazendas comerciais”, muitas vezes detidas por pessoas “com ligações ao Governo, seja local, seja nacional”.
Também no que diz respeito aos direitos civis e políticos, Pedro Neto diz que há muito por fazer, acusando as autoridades de “prisões e detenções arbitrárias, assassínios ilegais”, bem como de restringir a liberdade de expressão e de reunião.
“Por isso é que digo que é a paz do vencedor, porque continuam a ser perseguidas pessoas, continuam a ser torturadas, presas e detidas arbitrariamente. As pessoas continuam a não poder manifestar-se, muitas vezes são presas pelos serviços de inteligência e segurança do Estado”, sublinha.
O ativista refere que nas províncias fora de Luanda a situação “ainda é mais grave”, onde no ano passado se registaram mesmo “assassínios ilegais, corpos atirados a um rio”, e alerta que em Cabinda “é toda uma outra realidade, muito mais grave” — “as pessoas não se podem reunir na rua, têm um constante medo, não falam em público (…) a repressão é brutal e violentíssima”.
A violência policial é também apontada por Zenaida Machado, que, em entrevista à Lusa por telefone, denuncia “o uso excessivo de força e as execuções sumárias que continuam a ser uma prática recorrente das forças de defesa e segurança angolanas, quer seja contra cidadãos angolanos ou cidadãos estrangeiros”.
“Permitir que os agentes da polícia continuem a atacar os jovens que pacificamente se dirigem às estradas para protestar é inaceitável em pleno século 21 e num país que se diz respeitante das leis e da Constituição”, declara.
A HRW, sublinha a investigadora, pede há anos que se faça uma reforma séria na polícia, mas não acredita que essa reforma tenha sido feita.
“Eu sei que a polícia e as forças de defesa e segurança estão a receber formação em direitos humanos. A questão é até que ponto essa formação é implementada na prática. Até que ponto os cidadãos angolanos sentem que os homens de uniforme nas estradas estão lá para defendê-los e não para intimidá-los e assustá-los”, questiona.
A ativista lamenta que, em termos de direitos políticos, muito pouco tenha sido feito “para permitir que os cidadãos residentes, por exemplo, na Lunda Norte ou em Cabinda, possam manifestar o seu desagrado com as políticas de Luanda”.
Zenaida Machado refere também “as questões de direitos económicos”, lembrando que “muitos angolanos, a maior parte deles, ainda vive com menos de um dólar por dia”.
“As riquezas de Angola, infelizmente, continuam a ir para um grupo restrito, muita das vezes ligadas ao poder político, enquanto a maior parte dos angolanos, principalmente os jovens, continuam a passar dificuldades para ter acesso às riquezas de um país que é, no final do dia, um dos países mais ricos do nosso continente”, resumiu.