Agostinho Santos lamenta silêncio das altas instâncias judiciais sobre o concurso para chefiar a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) de Angola. Segundo o juiz conselheiro, há interesses empresariais envolvidos na seleção.
A polémica à volta do concurso público para chefiar a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) começou quando, em janeiro de 2020, o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) tornou pública uma nota que classificava definitivamente Manuel da Silva Pereira “Manico” como vencedor da corrida ao cargo, quando a imprensa local tinha avançado o nome de Agostinho Santos como sendo o candidato mais votado.
Em entrevista exclusiva à DW África, Agostinho Santos, na altura um dos candidatos ao posto, relata que reclamou contra essa decisão no prazo de cinco dias junto do CSMJ, órgão promotor do concurso, mas não obteve qualquer resposta.
“O próprio regulamento dá a possibilidade não só a essa reclamação graciosa, mas inclusivamente da contenciosa. Intentámos uma ação em janeiro [2020], mas até maio ou junho, o Tribunal Supremo de Angola (TSA) não se pronunciou”, lamenta o também juiz conselheiro do Tribunal Supremo.
Segundo a lei, uma providência do género deve ser célere e decidida no prazo de 30 dias. Mas para espanto de Agostinho Santos, aquele tribunal não só não decidiu, como não se pronunciou. Questionado sobre se o Supremo angolano estaria a agir de má-fé, o juiz é perentório: “o que é facto é que não resolveu nos termos que a lei dispõe o nosso caso”.
“Denegação da justiça”
Agostinho Santos entendeu o “silêncio” do TSA como sendo uma “denegação da justiça” e levou o caso ao Tribunal Constitucional por “inconstitucionalidade por omissão”. Mas essa instância, por meio de um acórdão publicado recentemente em Luanda, diz não ter competência, por enquanto, para decidir sobre o assunto e devolveu o processo ao Supremo.
“Essa devolução para o Tribunal Supremo é que nos trouxe algumas preocupações porque o artigo 28º da própria Constituição diz, claramente, que quando há lesões dos direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição, essas lesões podem ser reparadas aplicando diretamente a Constituição”, sublinha.
Segundo o juiz, ao agir desse modo, o Tribunal Constitucional teria violado os princípios da supremacia das normas constitucionais e da conformidade dos atos dos poderes públicos. “Isso acabou por favorecer um grupo bem identificado de empresas, de pessoas, que vão ao pote do mel sempre que há períodos eleitorais. São estes os interessados que querem que qualquer pessoa fique a frente da CNE”, lamenta.
Embora se mostre preocupado com a posição do Tribunal Constitucional, Agostinho dos Santos, lembra que o acórdão é de cumprimento obrigatório. “Nós estamos em crer que, desta vez, o Tribunal Supremo há de cumprir, finalmente esse comando judicial”, aguarda.
Agostinho dos Santos descarta a possibilidade de haver um “toque político” no processo, admitindo “que são mesmo interesses de grupos bem localizados e outros que não estão necessariamente ligados a formações políticas”.
Próximas eleições em risco?
Com a devolução do processo ao TSA, o desfecho do contencioso que elegeu Manuel da Silva Pereira “Manico” para o cargo da CNE parece não ter fim à vista.
Será que o processo poderá colocar em causa a realização das eleições de 2022? Agostinho Santos acha que não: “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”, resume.
“Há vontade de todas as partes que as eleições tenham lugar em 2022. A nossa preocupação maior é que quem estiver à frente da CNE seja uma pessoa credível, que tenha idoneidade moral, ética e tenha probidade”, diz.
Em fevereiro de 2020, Manuel Pereira da Silva tomou posse como novo presidente da CNE perante a contestação da oposição no interior do Parlamento e manifestações de ativistas nos arredores da Assembleia Nacional.