O maior hospital de Luanda, reinaugurado em Junho de 2015 pelo executivo angolano e actualmente gerido pelo GPL, está há cerca de dois meses sem ambulâncias funcionais para acudirem os pacientes que delas necessitem. Na luta entre a vida e a morte, muitos são obrigados a esperar mais de 24 horas até que se faça luz no fundo do túnel e surja uma possibilidade de salvar as suas vidas, quando ainda há tempo.
Numa altura em que os governos de todo o mundo são obrigados a reflectir sobre a atenção e os investimentos que dedicam aos seus sistemas de saúde, devido ao colapso causado pela pandemia da COVID-19, as unidades hospitalares em Angola, independentemente da sua dimensão e ou capacidade, deparam-se ainda com necessidades que de tão elementares comprometem o seu normal funcionamento, custando, muitas vezes, a vida de indefesos cidadãos.
O Hospital Geral de Luanda (HGL), por exemplo, tido como uma potencial “unidade de referência” em 2016 pelo então governador de Luanda, o general Higino Carneiro, está há mais de dois meses sem ambulâncias funcionais para assistirem aos pacientes que careçam de transferência médica imediata para outras unidades hospitalares da capital, segundo confirmou uma fonte ao Maka Angola.
A nossa fonte avança ainda que actualmente o HGL tem uma única ambulância em funcionamento e que tem sido com esta que tem socorrido os casos “mais graves e urgentes”. Para piorar ainda mais a situação, a viatura, apesar de “andar mais ou menos bem”, não apresenta os requisitos específicos ideais para ser utilizada como ambulância.
“Neste carro está a faltar sirene, buzina, os pirilampos não funcionam bem e não tem sequer oxigénio na parte traseira”, assegurou a nossa fonte.
Trata-se de um Toyota Land Cruiser, de cor branca, com um autocolante da insígnia da República de Angola e letras garrafais escritas “Ministério da Saúde”, com o vidro frontal estalado, talvez por ter sido atingido por uma pedra ou similar.
Quanto ao mau estado técnico desta ambulância, a direcção do HGL confirmou ao Maka Angola que está a par da situação, mas não a considera propriamente um problema. “Não tem sirene, mas pelo menos tem ambulância!”, disse à nossa reportagem o director do HGL, Dr. Bernabé Lemos.
No dia da nossa segunda visita ao HGL, a 22 de Julho de 2021, assistimos à chegada desta mesma ambulância ao hospital, trazendo dois pacientes distintos, que nem sequer se conheciam, e em condições de saúde completamente diferentes: um deitado na maca e outro sentado num dos bancos traseiros do carro. O que, segundo um dos enfermeiros do hospital, que prefere não ser identificado por temer represálias, tem sido uma prática recorrente, “por escassez de recursos”.
“Isto tem acontecido mesmo em tempo de pandemia!”, realça o enfermeiro.
Estacionadas no parque interior do HGL, identificámos ainda mais duas ambulâncias, uma da marca Renaut-Master, em relativo bom estado de conservação, apesar de ter sofrido um acidente danificou um dos seus pára-choques traseiros; e uma outra de marca Stavic Sv 270, visivelmente danificada, com os pneus furados e aparentemente parada já há algum tempo.
Nenhuma delas, segundo constatámos, está a funcionar. “Já estão avariadas há algum tempo”, complementa a nossa fonte.
“Encontrámos apenas uma ambulância funcional”
Para que se compreenda melhor o imbróglio das ambulâncias do HGL, há uma variável que não pode ser descartada. Trata-se de uma alegada oficina para onde muitas ambulâncias do hospital vão e de onde nunca mais regressam.
A nossa fonte tem memória de pelo menos duas ambulâncias que foram levadas à alegada oficina e que até ao momento não regressaram ao hospital. “Dizem que vão levar as ambulâncias à oficina. Umas vão e já não voltam mais”, declarou.
Um ex-médico do HGL, que também prefere não ser identificado, diz que tem memória de, no seu tempo de exercício naquela unidade, há cerca de um ano, o hospital ter cerca de cinco ambulâncias.
“Se bem me recordo, era uma ambulância para cada especialidade: uma para a cirurgia, uma para a ginecologia/obstetrícia, uma para a pediatria, uma para a medicina interna e uma para nefrologia”, declarou o médico ao Maka Angola.
Surge portanto uma questão que não se quer calar: onde estão as demais ambulâncias do Hospital Geral de Luanda?
A actual direcção do HGL, em exercício desde Maio de 2021, diz desconhecer a existência das ambulâncias em questão e alega ter recebido apenas três ambulâncias da gestão anterior, uma a funcionar e duas completamente avariadas.
“Encontrámos apenas uma ambulância funcional, mas também em mau estado técnico”, assegura o novo director do HGL, Dr. Bernabé Lemos.
Neste momento, segundo garante o director, existe mais uma ambulância a ser reparada para que o hospital possa contar com, pelo menos, duas ambulâncias funcionais.
Quanto à alegada oficina misteriosa, a actual gestão do HGL diz ter total desconhecimento do que se trata: “Da nossa gestão as únicas ambulâncias que foram para a oficina são esta, que está a andar, sem sirene, e a outra que está prestes a sair.” Se existem ambulâncias que vão à oficina e não regressam ao hospital, acrescenta o director, “só se tiver sido na gestão passada. Na minha vigência não tem nenhuma ambulância que a nosso mando foi para a oficina e ainda não regressou.”
O Maka Angola contactou o ex-director do HGL, actual director do Hospital Josina Machel. A este portal o Dr. Carlos Zeca refutou a existência de mais ambulâncias do que aquelas que deixou à nova gestão do hospital.
“De 2016 a 2021 [o tempo do seu mandato] o HGL só contou com três ambulâncias, que são as que deixei no hospital”, afirmou categoricamente o médico. Quanto à “oficina misteriosa”, Carlos Zeca diz não se tratar de uma conversa nova, pois também a ouviu quando chegou ao HGL em 2016 para gerir a unidade.
“As ambulâncias deste hospital, quando nós chegámos, todas elas diziam que estavam no mecânico. Quando chegamos lá, nenhuma delas estava em condições”, revela o gestor hospitalar. O ex-director do HGL declarou ainda que a carência de ambulâncias sempre foi uma preocupação para o hospital e que, por isso, sempre contaram com a colaboração do INEMA para as transferências médicas. Acrescenta que em 2019 o hospital recebeu uma ambulância do MINSA, através da Central de Compras e Aprovisionamento de Medicamentos e Meios Médicos de Angola (CECOMA), a Renaut-Master,parada no parque interior do hospital por avaria desconhecida.
Vidas humanas em risco por má gestão
Enquanto continua incerto o paradeiro de certas ambulâncias do HGL e outras continuam por reparar, são os pacientes que delas necessitam quem mais sofre os efeitos deste problema de deficiente gestão hospitalar.
Jack António, 10 anos, deu entrada ao banco de urgência do HGL na manhã de domingo, 11 de Julho, com fortes dores no maxilar e dificuldade em respirar. O médico que o atendeu detectou uma fractura no seu maxilar e informou aos seus familiares de que carecia de uma intervenção cirúrgica imediata.
Pelo facto de o HGL não ter nenhum profissional especialista no tipo de intervenção cirúrgica necessária, Jack tinha de ser transferido para o Hospital Josina Machel «Maria Pia». O único problema é que naquele momento o HGL não tinha nenhuma ambulância disponível.
António Komba, tio de Jack, diz que o quadro do seu sobrinho se agravou durante o dia em que o mesmo deu entrada ao hospital, mas que os funcionários diziam que não podiam fazer mais nada.
“Disseram para aguardar a ambulância para poder levar o menino na pediatria do Maria Pia, mas até às 20 horas nada foi feito! E nem estavam a lhe tocar, nem estavam a lhe fazer nada”, declarou o tio.
Segundo uma das nossas fontes no hospital, que estava de serviço no dia da ocorrência, “o hospital estava a tentar contactar o INEMA para solicitar uma ambulância para o menino, mas eles não atendiam”.
Daniel Nzagi, outro tio do paciente, explica que teve de se impor para que o hospital fizesse qualquer coisa no sentido de garantir a transferência do seu sobrinho. “Eu tive que ameaçar a direcção do hospital de que ia denunciar ao programa ‘Fala Angola’ caso eles não resolvessem o problema da ambulância”.
Depois de quase 48 horas, Jack foi finalmente transferido do HGL ao “Maria Pia” por uma ambulância do INEMA por volta das 17 horas de segunda-feira, 12 de Julho.
Quanto a esta ocorrência, o director do HGL diz não ter conhecimento: “Eu não ia permitir que isso acontecesse. Não tenho conhecimento; isto não me chegou.”
Entretanto, promete uma investigação interna para apurar as circunstâncias dos factos ocorridos.
Jack Antonio é só um de entre centenas de pacientes que vêem a sua vida em risco devido à falta de ambulâncias no HGL. Outros nem tiveram a sua sorte. Em Fevereiro de 2019, por exemplo, o Jornal de Angola noticiou que um jovem de 13 anos morreu no Hospital Geral de Luanda depois de esperar oito horas por uma ambulância da instituição que deveria transportá-lo para o Josina Machel. O director do HGL, na altura dos factos, desmentiu a ocorrência e assegurou que “nós temos as três ambulâncias a funcionar”, segundo o JA. Uma ambulância é mais do que um carro; é um meio que pode salvar vidas. É preciso que os gestores das unidades hospitalares em Angola olhem para as ambulâncias, as suas condições técnicas e os seus motoristas com olhos de ver, para que deixem de morrer angolanos inocentes por erros crassos de gestão hospitalar.