A Comissão de Justiça e Paz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) criticou hoje o Presidente angolano por “relativizar a fome”, considerando que João Lourenço revelou “grande insensibilidade e desrespeito às vítimas da fome”.
Para o secretário da Comissão de Justiça e Paz da CEAST, Celestino Epalanga, o Presidente angolano “foi infeliz ao afirmar no seu discurso que a fome é relativa”, recordando que João Lourenço já dissera em um órgão português que “não existia fome” em Angola.
“Poucos dias depois conseguimos mostrar ao Presidente que havia sim fome em Angola, vimos a quantidade de gado bovino, algumas vítimas de fome e fez-se aquela mega campanha e o Presidente teve que se deslocar para ver a situação ‘in loco’. Se não existia fome em Angola naquela altura porque é que se mobilizou fundos, meios para acudir aquelas populações?”, questionou Celestino Epalanga.
O Presidente angolano, João Lourenço, no papel de presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), fez, no sábado, várias críticas aos seus adversários políticos que de manhã à noite só cantam a música da fome, afirmando que a “fome é sempre relativa”.
“Talvez por conveniência própria, talvez por conveniência política convenha repetir incessantemente a palavra ‘fome’, mas eu diria que o grande problema de Angola, se quisermos ser mais precisos é o pouco poder de compra dos nossos cidadãos resultante dos altos índices de desemprego”, afirmou, que atribuiu a um conjunto de fatores, mas sobretudo à covid-19.
“Portanto esses cidadãos que, lamentavelmente se encontram nesta situação de desemprego ou semi-empregados não têm poder de compra para garantir o sustento das suas famílias, mas, de resto a produção agrícola, pecuária e piscatória tem subido todos os dias para os olhos de quem quer ver e é minimamente honesto”, sublinhou Lourenço, acrescentando que é uma responsabilidade que tem sido passada ao setor empresarial privado.
João Lourenço, reeleito presidente do MPLA, no poder desde 1975, falava no estádio 11 de Novembro, em Luanda, durante um ato de massas alusivo ao VIII Congresso Ordinário do seu partido.
A seca e a fome assolam milhares de angolanos no sul do país que em busca de subsistência estão a emigrar para os países vizinhos e outros socorrem-se de frutos silvestres para sobreviver como relatam distintas autoridades locais e membros da sociedade civil.
Segundo Celestino Epalanga, também sacerdote católico, que falava hoje à Rádio Ecclesia – Emissora Católica de Angola, a afirmação “infeliz” de João Lourenço de que a fome era relativa “revela uma grande insensibilidade, um grande cinismo e uma autêntica falta de respeito pelas vidas humanas”.
“Toda a vida é importante, milhares de angolanos estão a passar fome e não é preciso sair da capital do país, nós que andamos nesses becos e guetos, nós que estamos na comunidade sabemos o quanto as pessoas têm que lutar pela sobrevivência”, referiu o padre.
O secretário da Comissão de Justiça e Paz da CEAST afirma que o grito de pessoas por causa da fome “é sentido todos os santos dias” e “certamente o Presidente da República não tem esta oportunidade de ouvir o grito dos pobres, das crianças”.
“Quantas crianças sofrem de mal nutrição e muitas agudas, morrem todos os dias pessoas nos Gambos devido à fome, e de facto pessoas têm fome, vamos à Benguela e vemos pessoas a comerem gafanhotos, frutos silvestres, e isto não é fome?”, questionou.
“Senhor Presidente, tenha mais respeito pela vida humana, as vidas destes irmãos nossos são tão sagradas quanto a vida do senhor Presidente”, atirou Celestino Epalanga.
Os bispos católicos da CEAST defenderam, em outubro passado, a declaração de estado de emergência no sul de Angola, devido à seca e fome provocada pela longa estiagem, pedindo às autoridades “humildade” e para “não confundirem a fome com a questão política”.
Uma comissão multissetorial para acudir às populações afetadas pela seca e fome no sul de Angola foi criada pelo Presidente angolano, quando decorrem igualmente a construção de infraestruturas locais visando levar água às populações.