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Angola: Mistérios em “transferências bancárias” podem colocar em causa sistema financeiro

Nos últimos anos, o BNA registou erros e omissões em “fluxos financeiros, dos quais não se sabe a origem. Em 2014, foram mil milhões de dólares. Em 2020, 73 milhões. O BNA define limites para transferências individuais. Até 2020, eram de 120 mil dólares/ano por pessoa.

As alegadas transferências de mais de mil milhões de dólares de Pedro Lussaty lançam dúvidas se, de facto, foram reais. Há quem suspeite que o major angolano seja um “peão” de uma “peça teatral”, quem esteja convencido que existirão mais casos do género e quem não acredite que as operações tenham sido feitas. Caso as desmonta “fragilidades do sistema financeiro”. Ao VE, a Unidade de Informação Financeira (UIF) garante não ter sido informada sobre eventuais movimentos e afirma que não tem evidências que permitam comprovar as transferências.

A Procuradoria-Geral da República anunciou, em Maio, a abertura de uma investigação envolvendo oficiais afectos à Casa de Segurança do Presidente da República por suspeitas de peculato, retenção de moeda, associação criminosa, entre outros.O Ministério Público revelou ter apreendido “dinheiro sonante, guardado em caixas e malas, emmilhões de dólares, euros e kwanzas”, na posse de Pedro Lussaty, ex-chefe das finanças da banda musical da Presidência da República.

Uma reportagem da TPA destacou a riqueza ‘descomunal’ do major, citando fontes da Justiça e dos serviços secretos. Lussaty detinha fortunas em Angola e no estrangeiro, além de ter alegadamenteconseguido transferir mais de mil milhões de dólares, nos últimos dez anos,para a Europa, África do Sul e América.O Presidente da República exonerou o ministro da Casa Civil, Pedro Sebastião e oficiais da Casa de Segurança.

A estupefacção instalou-se, com muitas perguntas no ar. O economista e director-geral da Global ComplianceFinance, Feliciano Lucanga,acredita ter sido possível o major realizar tais transferências dentro e fora do sistema financeiro. Lucanga explica que os bancos comerciais conhecem a “estratégia” e conseguem “ludibriar” o regulador.

Feliciano Lucanga entende que os supervisores do BNA e da UIF e os legisladores “não têm experiência para detectarem estes actos”. “Os miúdos do BNA nunca trabalharam num banco comercial, mas são supervisores”. Explica que fora do sistema financeiro, o dinheiro pode sair em kwanzas em Angola e com recepção lá fora através de empresas e particulares. “É assim que os vários ‘Lussatys’ fazem sair o dinheiro, além de não pagarem impostos, fazem sair avultadas somas para beneficio pessoal. Isso em Angola é pacífico”. Os mecanismos passam por conversas com amigos. “Ninguém caiu do céu. Os nossos bancários totalmente viciados. É a coisa mais fácil”.

Feliciano Lucanga alerta que Angola “enfrenta o grave problema de não saber quanta massa monetária tem em circulação”. “Os contentores entram de trás para frente”. Garante haver várias situações como a do major, mas que estão sob protecção.

Por isso, conclui que o sistema financeiro e a banca “estão vulneráveis, porque o sistema financeiro é gerido por estrangeiros”. Para ele, as soluções passam por maior controlo interno.

O advogado Sérgio Raimundo dúvida que tenha havido transferências, mas admite que se houve o major seja “um testa-de-ferro”. “O dinheiro deve ter saído de um documento de uma entidade oficial”. Alerta que foi “posta em causa a seriedade das instituições angolanas e da própria Presidência da República” e desconfia que a reportagem da TPA “foi uma peça teatral mal ensaiada e montada, visando atingir antigos responsáveis da Casa de Segurança do PR, mas deu para o torto”.

A reportagem da TPA mostra a apreensão de notas novas, de 2020, o que iliba os anteriores responsáveis, do governo de José Eduardo dos Santos. “Aquilo foi mais do que um tiro no pé. É um tiro de canhão no coração das próprias instituições”.

O economista e ex-chefe de gabinete de Desenvolvimento e Organização do BNA, Leão Peres, concorda que está demonstrada a “fragilidade do sistema financeiro angolano”, com a “ausência de rigor durante as operações e que continuam a sair valores para o exterior”.

O economista Wilson Chimucosugere que está em “xeque” a credibilidade do país e admite que o major tenha usado esquemas e pessoas com “conhecimentos e interligações”.

Nos últimos anos, o BNA registou erros e omissões em “fluxos financeiros”, dos quais não se sabe a origem. Em 2014, foram mil milhões de dólares. Em 2020, 73 milhões.

O BNA define limites para transferências individuais. Até 2020, eram de 120 mil dólares/ano por pessoa. 411 particulares atingiram esse tecto. Este ano, o limite ascende os 250 mil dólares.

A directora da PetroShoreCompliance não tem dúvidas de que “sem existir conivência era impossível” o envio daqueles valores. Andrea Moreno admite “negligências, mas não nestes montantes”. “Um bancário pode favorecer uma transferência, mas tem de pedir autorização. O banco tem de aprovisionar estes capitais para transferir, tudo justificado”. Por isso, considera “muito difícil, para não dizer impossível” transferir estes montantes”.

Quando se transferem valores avultados para o estrangeiro, os bancos são obrigados a accionar as UIF. A UIF recebe avisosquando os bancosconsideram haver suspeitas. Em 2020, recebeu 294. Em 2019, foram 224 e, em 2018, 134.

Especialistas consideram que Angola tem legislação capaz de evitar ilícitos financeiros, mas Leão Peres lembra que “falta aplica-la” e que Angola “contorna a aplicação”.

A UIF também entende que há “bastante” legislação, mas precisa de ser aplicada. Angola tem reforçado o combate aos crimes financeiros. Em 2016, deixou de ser considerada “jurisdição de alto risco”. Luanda espera receber uma avaliação positiva do Grupo de Acção Financeira Internacional que analisa o sistema financeiro. Muitos especialistas duvidam que a nota seja positiva.

O BNA não respondeu às questões. Depois de o caso Lussaty serpúblico, o governador José de Lima Massano garantiu que “os limites de transferências têm sido observados”.

Fonte da PGR assegura que a instituição continua à procura de saber se houve transferências ou tentativas de transferir esses valores”, mas que “o assunto não está concluído”.

VE tentou contactar os advogados de Pedro Lussaty, reiteradas vezes, mas sem sucesso.

 

 

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