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Angola: “MPLA corre o risco de rotura no partido devido ao combate à corrupção” – Historiador

O historiador congolês Jean-Michel Tali diz que o Presidente de Angola tem de decidir entre ir “o mais longe possível”, para deixar um legado positivo ao país, ou “parar pelo caminho”, por receio de rotura no seu partido.

Na opinião do historiador, autor de um livro sobre a história do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder), não há dúvidas de que o atual Presidente angolano vai vencer as próximas eleições, a realizar dentro de ano e meio, no país.

As questões são como João Lourenço vai ganhar e desempenhar o final deste mandato e o próximo, bem como as consequências dessa atuação para o seu próprio partido, no poder desde a independência.

“Ganhar as eleições, claro que ele vai ganhar, mas com um partido completamente doente”, afirmou o académico, autor das “Guerrilhas e Lutas Sociais – O MPLA perante si próprio (1960-1977)”.

Jean-Michel Tali afirmou, numa entrevista à Lusa a partir dos Estados Unidos da América, onde vive, que acredita em João Lourenço: “Acredito na sinceridade de ele [Presidente] querer desmantelar o que o seu antecessor deixou. Só que isso toca o seu próprio partido (…) e isso é um trabalho extremamente delicado. É estar a jogar o seu futuro político, o seu pescoço”.

Por isso, acha que o Presidente “também tem a consciência de que está numa corda (…) que pode romper”.

João Lourenço “tocou interesses imensos, que ultrapassam o quadro nacional angolano e isto não lhe faz amigos dentro do seu próprio partido”, frisou.

Porém, “não acho que isso de momento seja suficiente para fazer cair João Lourenço, mas que isso vai ajudar a que a popularidade do MPLA sofra, isso é um facto.”

Neste contexto, defendeu que João Lourenço “tem de decidir entre o ir o mais longe possível [no combate à corrupção] e deixar um legado político positivo, com a combinação dessa luta com a solução rápida dos problemas económicos do país, ou ter receio de criar uma rotura dentro do seu próprio partido e parar pelo caminho”.

No próximo mandato, João Lourenço “corre risco de sair com uma imagem política muito desgastada, como o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, se não resolver os problemas sociais de base” do país, avisou.

Mesmo assim, Mabeco-Tali não acredita que existam alterações profundas: “Não vejo uma revolta ao ponto de fazer descarrilar todo o processo”, porque “a sociedade angolana tem a memória da violência, de décadas de guerra e também de violência policial. Portanto não é de ânimo leve que as pessoas vão para a rua, sabendo que podem apanhar”.

Além disso, o MPLA ainda “tem recursos para que as coisas possam não descarrilar de forma absoluta”.

Porém, admitiu que “há sempre o risco” de “umas eleições deslegitimadas”.

O MPLA tem de se rejuvenescer “e fazer uma limpeza interna, de forma a fazer aparecer um novo MPLA, que não tem nada ver com o que de mal houve no passado”, frisou.

A curto-prazo, tudo depende de como o Presidente vai “resolver problemas económicos básicos para a que a luta contra a corrupção tenha alguma base sólida, tenha um entendimento popular, porque neste momento essa luta não é vista como realmente efetiva”.

“A imagem que existe neste momento é que a luta contra a corrupção não passa de um ajuste de contas entre a elite no poder”, concluiu.

Pedido a João Lourenço “gesto simbólico” contra a corrupção

O historiador que o Presidente de Angola deve assumir “um gesto simbólico” na luta contra a corrupção, investigando figuras próximas de si.

O historiador Jean-Michel Mabeko-Tali defende que João Lourenço deve atender “a alguma das reclamações da opinião pública em relação à luta contra a corrupção, que é o facto de não continuar a poupar aparentemente algumas das figuras importantes que trabalham com ele ou estão dentro do seu sistema”.

A abertura de investigações a figuras do atual regime constituiria “um gesto simbólico neste sentido teria algum efeito em relação à imagem dele próprio [João Lourenço] e do trabalho que está a fazer”, defendeu Jean-Michel Mabeko-Tali.

Para o professor titular da cátedra de história de África na Universidade de Howword (EUA), João Lourenço herdou uma “situação realmente difícil. Um país que estava de joelhos de todos os pontos de vista, mesmo em termos de valores morais”, pelo que “não se pode esperar remédios” para uma situação como esta em tão curto tempo.

Até às próximas eleições, dentro de ano e meio, “não é tempo suficiente” para que João Lourenço resolva “os problemas atuais, que são imensos”, frisou.

Por outro lado, a luta contra corrupção “não lhe está a deixar muitos amigos”, acrescentou o historiador.

“A opinião angolana andou muito acesa em relação a isto, ou seja, ao caso do chefe de gabinete de João Lourenço [Edeltrudes Costa, suspeito de estar envolvido em fraudes ainda no tempo do antigo Presidente José Eduardo dos Santos] e outras pessoas que vieram do antigo regime e ainda estão à sua volta, daí a dúvida acerca do seu trabalho”, afirmou.

A “tentativa de acelerar a luta contra a corrupção tem o risco de, se não for bem gerida, criar problemas dentro do seu próprio partido político”, especificou, dando como exemplo as “oposições internas” dentro do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA).

“A corrupção enraizou-se de tal maneira na sociedade angolana, que qualquer combate a esta iria criar problemas”, afirmou na entrevista à Lusa, por telefone, a partir de Washington, onde vive.

Por isso, embora as manifestações que estão a acontecer em Angola possam ser espontâneas “em grande parte” e o reflexo dos problemas económicos e sociais do país, nomeadamente do descontentamento de uma juventude que não tem emprego, sobre outra parte dos protestos nas ruas o académico tem as suas “dúvidas sobre o que estará por detrás” delas.

Para o académico e investigador congolês, “o que se passa neste momento em Angola é o rescaldo de décadas de problemas acumulados, quer por causa da guerra, quer por causa da uma gestão problemática do país.”

Surpresa sobre violência no Cafunfo

O historiador e académico congolês Jean-Michel Mabeko-Tali reconhece que ficou surpreendido com os confrontos violentos na vila mineira de Cafunfo, Angola, mas recordou que a “radicalização progressiva de um ressentimento” era esperada.

Para o académico e historiador do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o que se passa na zona diamantífera das Lundas corresponde a uma “cabindização” – evocando a luta pela independência no enclave de Cavinda – devido ao “acumular de problemas sociais, numa província de onde sai uma das riquezas de exportação de Angola, o diamante”.

A 30 de janeiro, a vila de Cafunfo assistiu a confrontos entre manifestantes e polícias, num território em que movimentos locais defendem mais autonomia política em relação a Luanda.

Nesse dia, segundo a polícia angolana, cerca de 300 pessoas ligadas ao Movimento do Protetorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), que há anos defende a autonomia daquela região, tentaram invadir uma esquadra policial, obrigando as forças da ordem a defender-se, provocando seis mortes.

A versão policial é, porém, contrariada pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição e sociedade civil local, que alegam que se tratou de uma tentativa de manifestação, previamente comunicada às autoridades, e que os manifestantes estavam desarmados.

O agora investigador e académico da Universidade de Howard, nos Estados Unidos, país onde vive atualmente, recorda que, em 1993, fez pesquisa social em várias zonas de Angola.

Na Lunda Norte e Lunda Sul, Mabeko-Tali percebeu ” um profundo ressentimento”, alegando: o diamante sai daqui e nós não temos nada”.

Esse era o sentimento semelhante ao que percebeu em Cabinda: “o petróleo sai daqui e nós não vimos nada”.

Nessa época, “um professor da escola primária, por não receber o vencimento durante x meses, preferia também fazer o seu garimpo clandestino para ver se sobrevivia”, recorda o historiador, em entrevista telefónica à Lusa.

“Portanto o ressentimento já estava aí. Daí que não fiquei surpreso com a radicalização progressiva deste ressentimento”, concluiu.

Para Jean-Michel Mabeko-Tali, isto significa também que a verba que o Executivo angolano decidiu afetar, há alguns anos, a cada uma das províncias, de 10% da produção da sua principal riqueza, “pelos vistos não chegou, face à dimensão dos problemas”.

Além disso, o acumular de frustrações em províncias estratégicas em termos de recursos naturais, como é o caso de Cabinda, com o petróleo, e das Lundas, com os diamantes, conduzem a um crescendo das reclamações identitárias, realçou.

Estas duas regiões, “apoiam-se em documentos reais e históricos, os tratados com Portugal” para sustentarem as suas reclamações identitárias.

Para sustentar a sua causa, Cabinda pode “exibir um documento, o Tratado de Simulambuco, de 1885, assinado entre chefes de Cabinda e Portugal, cujo valor constitui uma base concreta e documentada para as suas reclamações de que eram um território distinto da [antiga] colónia de Angola.

No caso das Lundas, existe a figura histórica do protetorado, mas a base legal é menos evidente, e corresponde mais a “uma questão de ângulo e de abordagem histórica”.

Por isso, “a questão do Cafunfo não me espantou nada. A violência sim, mas as reclamações já são antigas”, afirmou Mabeko-Tali.

Para o historiador, independentemente da razão, em Angola existem problemas sociais que depois “alimentam reclamações identitárias”.

Congolês de origem, Jean Michele Talli considera Angola, o seu país de adoção, mas defende que o Estado angolano precisa de sarar feridas, além de resolver com urgência problemas sociais e económicos.

Neste contexto, está prestes a lançar um novo livro sobre as identidades políticas em Angola, desde o tempo da luta armada até à alegada tentativa de golpe de Estado de 27 de maio, liderada por Nito Alves e reprimida pelo regime do então Presidente angolano, Agostinho Neto.

Para o investigador, esta “é uma espada que está em cima da cabeça da política angolana desde que aconteceu”, constituindo “um problema permanente, que enquanto não for debatido de forma global, não só ao nível político, mas também da sociedade civil angolana” permanecerá como “uma ferida nunca sarada”.

 

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