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Angola: MPLA diz que contradições do “27 de maio” foram ultrapassadas e que há quem não queira a reconciliação

O representante do MPLA na comissão de reconciliação das vítimas dos conflitos em Angola disse hoje que todas as contradições relativas ao 27 de maio foram ultrapassadas, e acusou “gente de fora” de recusar o perdão

Mário Pinto de Andrade falava hoje na reunião da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP), que analisou o programa da cerimónia que vai homenagear, pela primeira vez em 44 anos, as vítimas do 27 de maio, data em que terá acontecido em Angola uma tentativa de um golpe de Estado.

O dirigente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder, lembrou que o país viveu 27 anos de conflito e está há 19 anos em paz, tendo decorrido 44 anos do suposto golpe do 27 de maio, pelo que o ato serve de reflexão para todos os angolanos.

“Acho que este ato que o Presidente da República vai fazer amanhã, esta mensagem ao país, à toda Angola e ao mundo e o ato que vamos fazer, no dia 27, com as vítimas dos dois lados, quer do Governo quer do lado que esteve contra o Governo, é de nos darmos as mãos, nos abraçarmos e termos um olhar para o futuro”, advogou.

Segundo Mário Pinto de Andrade, os angolanos querem “uma paz perpétua”, porque o mais importante agora é lutar-se “para uma Angola mais inclusiva, reconciliada, desenvolvida”, salientando que as comemorações servem sempre para se refletir sobre estas questões.

“Acho que todas as contradições que houve conseguimos ultrapassá-las e agora temos que entender que temos aqui duas visões: uma, é a visão dos que estão no país, que estão verdadeiramente empenhados neste processo, e depois há outras visões de pessoas que estão fora do país, que eventualmente não querem uma verdadeira reconciliação e um verdadeiro perdão entre os angolanos e vamos ter que conviver com isso durante algum tempo”, observou.

Mário Pinto de Andrade frisou ainda que “ainda hoje passados 44 anos do 27 de maio, 19 anos de paz, há muita gente fora de Angola que quer continuar a dividir” os angolanos, para continuarem a ter conflitos.

Por sua vez, o representante da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Eugénio Manuvakola, disse que o 27 de maio representa “um processo negro que não se apaga tão facilmente na memória dos angolanos”.

Para Eugénio Manuvakola, apesar de o objetivo ser encontrar uma reconciliação nacional, o 27 de maio é um exemplo de que afinal o que divide os angolanos “não é o tribalismo tão propalado neste país”.

De acordo com Eugénio Manuvakola, atrás de alegadas questões de tribalismo, de racismo, “esconde-se que existe um 27 de maio que não se chama tribalismo, racismo, mas que tem uma lista longa de vítimas”.

“Às vezes, as nossas atenções são desviadas para situações que não são perigosas, perigosas são essas, um quadro político que provocou uma razia dentro de um país. O 27 de maio tem que nos dar algumas lições, afinal o que é que aconteceu? Pelo menos isto seja dito, onde é que escorregámos para perdermos o controlo do nosso país?”, questionou.

Já o presidente da Fundação 27 de maio, que integra a CIVICOP e colaborou na preparação desta cerimónia de homenagem às vítimas desta data, lamentou a saída da comissão de outras organizações que integram uma plataforma sobre o 27 de maio.

Silva Mateus lembrou que a Fundação existe há 20 anos, salientando que os filiados ficaram satisfeitos aquando do anúncio pela comissão deste ato de homenagem aos milhares de vítimas deste dia, que vai servir para o lançamento da reconciliação entre as partes desavindas.

“Pensamos que este é apenas o início, porque ainda há muitas coisas para se resolver”, disse Silva Mateus, lamentando as acusações de que a Fundação foi comprada pelo Governo e que participa neste ato para escamotear a verdade.

“Essas pessoas se retiraram e dizem por aí que nós somos uns vendidos, mas quero abrir um parênteses, se nós tivéssemos que nos vender seria no tempo do Presidente José Eduardo dos Santos, porque aí, sim, apareceram propostas chorudas para pararmos com o processo”, disse, apelando para que outros sobreviventes e órfãos participem do ato.

Na quarta-feira, o Presidente angolano, João Lourenço vai dirigir uma mensagem à nação relativa a esta data.

Para quinta-feira, o programa da homenagem alusiva à data, que vai contar com a presença de sobreviventes e órfão, prevê dois momentos: o primeiro no cemitério de Santa Ana, e o segundo na Praça da Independência, onde se encontra a estátua de Agostinho Neto, que as vítimas responsabilizam pela repressão que se seguiu ao 27 de Maio, com a deposição de uma coroa de flores, discursos e a entrega de dois certificados de óbito a duas órfãs.

Entretanto, a Plataforma 27 de maio, que integra outras organizações relativas a este facto, já se demarcou do ato, considerando-o uma “encenação teatral” do Governo para “esquecer o passado”, tendo igualmente anunciado a sua desvinculação da CIVICOP.

Em 27 de maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação que terá sido liderada por Nito Alves — então ex-ministro do Interior desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 –, foi violentamente reprimida pelo regime de Agostinho Neto.

Seis dias antes, a 21 de maio, o MPLA expulsara Nito Alves do partido, o que levou o antigo ministro e vários apoiantes a invadirem a prisão de Luanda para libertar outros simpatizantes, assumindo paralelamente, o controlo da estação da rádio nacional, um movimento que ficou conhecido como “fraccionismo”.

As tropas leais a Agostinho Neto, com apoio de militares cubanos, acabaram por estabelecer a ordem e prenderam os revoltosos, seguindo-se, depois o que ficou conhecido como “purga”, com a eliminação das fações, tendo sido mortas cerca de 30 mil pessoas, na maior parte sem qualquer ligação a Nito Alves, tal como afirma a Amnistia Internacional em vários relatórios sobre o assunto.

Em abril de 2019, o Presidente angolano ordenou a criação de uma comissão (a CIVICOP), para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de novembro de 1975 e 04 de abril de 2002 (fim da guerra civil).

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