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Angola: “Não é a Covid que está a provocar a crise económica”

A Frente Patriótica quer um “programa de emergência” para Angola. Mas economista diz que não é preciso inventar a roda: o MPLA já tem um “plano de desenvolvimento” que pode ser ajustado para acelerar a diversificação.

A previsão orçamental do Estado angolano para 2021 é de crescimento zero. Por isso, o Orçamento deste ano pode ser comparado a um Programa de Emergência Nacional, diz à DW o economista angolano Jonuel Gonçalves.

“O Plano Nacional de Desenvolvimento também é um Plano Nacional de Emergência, que tem como objetivo criar um conjunto de atividades para melhorar a situação social. Todos esses planos são de emergência, qualquer que seja o nome que se lhe dê.”

O professor assistente do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (IUL) reage assim à recente afirmação da Frente Patriótica (congregação de três partidos da oposição, UNITA, PRA-JA Servir Angola e Bloco Democrático) de que Angola precisa de um Plano de Emergência Nacional.

“A Frente Patriótica resolveu dar esse nome. Vamos ver durante o debate eleitoral se isso é explicado”, comenta Jonuel Gonçalves.

Diversificação da economia  

O também coordenador da Unidade de Ciências Sociais Aplicadas de Luanda prefere a noção de “Programa Nacional de Recuperação”, porque Angola tem de diversificar a economia. Isso implica mobilizar “capital para investir”.

O país tem défice de capital e não é provável a atração do capital estrangeiro. “Então, como é que se liberta capital? Com uma moratória. Durante três ou quatro anos não se manda dinheiro para fora”, sugere o economista. “O outro ponto é investir realmente na atividade produtiva e não apenas no funcionamento do Estado com a construção de um modelo agroindustrial ou agroalimentar.”

A economia de Angola não existe como tal. “Existe um conjunto de atividades económicas dependentes dos recursos do petróleo”, precisa o académico.

Este ano, Angola poderá sair da recessão e crescer 1,3%, segundo estimativas da consultora Capital Economics divulgadas este mês. Para o próximo ano, a previsão é que o país dê um salto, podendo ter um crescimento de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

Para o economista Jonuel Gonçalves, “o problema principal continua a ser a gestão da dívida”. No ano passado, a dívida pública ultrapassava os 120% do PIB, embora se espere para este ano que passe a rondar os 100%. Gonçalves considera que seria importante o recurso à moratória sobre a dívida para os países africanos.

Para uma história económica de Angola

O académico lança este mês, na Feira do Livro do Porto, “Angola – Gestão e Assimetrias das Guerras (Reflexão Geral)”. Não se trata da história económica de Angola, mas de um trabalho de estudos estratégicos com os componentes militares, políticos, socioeconómicos, incluindo a participação social marcada por vias de combate assimétrico. “E isto no quadro de uma reflexão que eu estou a fazer, aí sim, sobre a história económica de Angola”, afirma.

“O trabalho ainda não está pronto”, nota Jonuel Gonçalves, “mas a conclusão que tirei até aqui é que a economia de Angola tem sido uma economia de guerra económica, como esta que vemos entre os EUA e a China, com aspetos mais dramáticos.” Por um lado, uma guerra económica com o colonialismo. Por outro, no plano interno após a independência, a guerra civil entre o Estado e o setor informal.

O autor explica que a assimetria era de caráter técnico e militar a favor do colonialismo contra a população colonizada. Mas “a assimetria no plano político era favorável a quem lutava pela independência, porque o povo apoiava essa luta.”

Gonçalves aponta uma outra vertente de guerra económica em torno dos preços. “Quem decide os preços das matérias-primas não são os seus produtores, são os consumidores”, lembra. Para o economista, os países produtores de matérias-primas deviam já, há muito tempo, ter-se organizado para terem peso na fixação dos preços.

“Os países africanos não têm peso nenhum na fixação daquilo que produzem”, lamenta, dando o exemplo da China que, neste momento, pela sua influência, fez cair o preço do petróleo no mercado internacional.

O desvio ilegal de fundos públicos a favor de privados é outra das assimetrias apontadas por Gonçalves. “Isso pauperizou Angola ainda mais”, refere.

“O Estado é capturado por interesses privados a partir de agentes de dentro do próprio Estado. E agora apanhamos uma pandemia em que estamos numa situação que me parece bastante curiosa: Angola é o país que tem menos vítimas de Covid-19 e com as piores perspetivas económicas. Ou seja, não é exatamente a Covid que está a provocar a crise.”

 

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